Como celebração
pagã na Roma Antiga deu origem à festa de Natal
O Império Romano
deixou como legado ao mundo ocidental, entre muitas coisas, os princípios do
ordenamento jurídico praticado em dezenas de países, as raízes de línguas como
o espanhol, o francês ou o português, e até a lógica com que operam os Corpos
de Bombeiros nas cidades.
Mas talvez haja um
elemento menos conhecido desse legado: a festa do Natal.
Em uma das
principais celebrações do cristianismo, hoje marcada por
árvores luminosas, papai noel, manjedouras e
reuniões familiares, é difícil ver qualquer vestígio da cultura romana.
Principalmente
porque, por mais de cinco séculos, o Império Romano era um povo que acreditava
em múltiplas divindades.
Mas qual é a
ligação entre o Natal que conhecemos e a
Roma Antiga?
A resposta a essa
pergunta se refere a uma celebração romana em particular: a Saturnália, o rito
com o qual o inverno era recebido no Império Romano.
"A escolha de
25 de dezembro como a data do nascimento de Jesus não tem nada a ver com a
Bíblia; ao contrário, foi uma escolha bastante consciente e explícita de usar o
solstício de inverno para simbolizar o papel de Cristo como a luz do
mundo", diz Diarmaid MacCulloch, professor de história da Igreja na
Universidade de Oxford, no Reino Unido, à BBC News Mundo, o serviço de notícias
em espanhol da BBC.
"Os costumes
festivos e desregrados da Saturnália na mesma época do ano naturalmente
migraram para a prática cristã, uma vez que no século 4° o cristianismo estava
se tornando mais proeminente na sociedade romana. As novas crenças seriam mais
bem aceitas se não entrassem em conflito com antigos costumes não
cristãos", acrescentou.
Mas quando ocorreu
esse encontro entre os ritos romanos e as celebrações cristãs e como chegaram
aos nossos dias?
·
Saturnália
A Saturnália era um
festival realizado pelos romanos antigos para celebrar o que chamavam de
"renascimento" do ano, para marcar o solstício de inverno no
calendário juliano (prevalente no império romano e na Europa durante séculos)
que, curiosamente, era celebrado em 25 de dezembro.
Porém, a festa
começava oito dias antes, em 17 de dezembro, quando as normas que
ordinariamente regiam a sociedade eram invertidas: os homens se vestiam de
mulher e os senhores se vestiam de servos.
Mas começaram então
as semelhanças com o Natal que conhecemos nos dias de hoje: as casas eram
decoradas com folhagens, velas eram acesas e... presentes eram trocados.
"Essa
celebração era realizada em homenagem ao deus Saturno (daí o nome) e sempre foi
caracterizada pelo relaxamento da ordem social e pelo clima de carnaval",
diz a historiadora Marguerite Johnson, da Universidade de Newcastle, na
Austrália, em entrevista à BBC News Mundo.
Johnson enfatiza
que a celebração em homenagem a Saturno no início do inverno tinha um
significado: Saturno era a principal divindade dos romanos.
"Ele era o
deus do tempo, da agricultura e das coisas sobrenaturais. Como os dias
encurtavam e de alguma forma a terra morria de forma simbólica, era necessário
que o deus do tempo e da comida ficasse feliz", explica Johnson.
E como parte dessa
tradição de agradar a divindade e outras pessoas, os presentes foram
introduzidos.
"Como parte
das festividades, os romanos trocavam presentes: velas, chinelos de lã, chapéus
e até meias. E o faziam entre famílias, enquanto os escravos desfrutavam de
tempo livre."
Mas a historiadora
lembra que, além da festa da Saturnália, os romanos tinham outra celebração
importante: a do "nascimento do sol invicto ou não conquistado"
(Natalis Solis Invicti), que era celebrado todo dia 25 de dezembro, segundo
diversos documentos dos tempos romanos.
"No almanaque
do século 4, o Calendário de Filocalus, menciona-se uma celebração do Invictus
em 25 de dezembro, que é provavelmente uma referência ao 'Sol Invicto'",
diz Johnson.
"E é nesse
documento que se faz a primeira menção que 25 de dezembro é o nascimento de
Jesus", acrescenta a historiadora.
·
Dezembro
A verdade é que, no
fim da era romana, o Natal já fazia parte do calendário romano.
Foi um processo
gradual, segundo os historiadores, que teve a ver com uma hibridização ou
amálgama de tradições.
Em meados do
primeiro século, os cristãos já haviam chegado a Roma e começaram a moldar a
sociedade do império.
"À medida que
o cristianismo se tornou mais arraigado no mundo romano e a antiga religião
politeísta ficou para trás, os cristãos se adaptaram a esses ritos estabelecidos
e os tornaram seus", observa Johnson.
"É muito
plausível que tenham escolhido essa festa pela sua relação com o renascimento,
mas dessa vez com o renascimento de Cristo, a quem ao mesmo tempo foi confiada
a missão de os redimir e conduzir à vida eterna", acrescenta.
Já no século 4°
tudo passou a estar escrito: entre 320 e 353, o Papa Júlio 1º fixou a
solenidade do Natal em 25 de dezembro, talvez como estratégia para converter os
romanos.
No ano de 449, o
Papa Leão 1º estabeleceu a data para a comemoração do nascimento de Jesus como
uma das principais festas da Igreja Católica, e finalmente o Imperador
Justiniano em 529 a declarou feriado oficial do império.
Então, começou-se a
supor que Jesus havia nascido em dezembro. No entanto, no século 15, o historiador
italiano Polidoro Virgilio começou a notar as semelhanças entre vários ritos
pagãos e a celebração do Natal.
"Polidoro
Virgilio apontou a conexão entre a tradição predominantemente inglesa, 'The
Lord of Misrule', que ocorria no dia de Natal, e o costume equivalente que
ocorria durante a Saturnália. Ambos envolviam senhores e servos ou escravos
trocando papéis por um dia", observa Johnson.
Desde então,
busca-se a data exata do nascimento de Jesus, que alguns historiadores situam
em meados de março ou início de abril.
Mas a influência é
tão forte que continuamos a comemorar com presentes, festas e reuniões
familiares no dia 25 de dezembro.
¨ Os cristãos que travaram guerra contra o Natal
Houve um tempo em
que a Inglaterra resolveu
tomar medidas contra uma atividade considerada "anticristã".
É que, todo fim de ano, uma atmosfera
"indecente" tomava conta do povo, e algo precisava ser feito, segundo
a visão da época.
Os excessos do fim
de ano seriam incompatíveis com o estilo de vida cristão.
Tavernas se enchiam
de multidões alegres, o comércio fechava mais cedo, famílias e amigos se
reuniam para se esbaldar em suntuosas ceias. Casas eram decoradas com plantas
comemorativas, e a cantoria na rua ia até altas horas.
Era, na visão de
muitos, pecaminoso.
<><> "Os
verdadeiros cristãos"
Em 1644, os
puritanos ingleses – cristãos protestantes que acreditavam em regras muito
rigorosas – decidiram abolir o Natal.
O governo puritano
o considerava um festival pagão, por não enxergar justificativas bíblicas para
25 de dezembro ser considerado a data do nascimento de Jesus Cristo.
Todas as atividades
natalinas foram proibidas na Inglaterra até 1660.
No dia 25 de
dezembro, lojas e mercados eram obrigados a abrir, e muitas igrejas tinham que
fechar as portas. Fazer uma festa de Natal era ilegal.
A proibição não foi
facilmente aceita. Houve protestos em defesa da liberdade de beber, ficar
alegre e cantar músicas. E, apesar da resistência, a legislação anti-Natal só
foi revertida quando Charles 2º se tornou rei.
Mesmo depois da
queda da lei, muitos puritanos continuaram a tratar a festa natalina como uma
aberração pagã.
<><> Malvisto
na América
Ceias e
comemorações também eram muito malvistas por puritanos da América do Norte.
E, sim, também
houve proibições à festividade em algumas das colônias que hoje fazem parte dos
Estados Unidos.
Em Massachusetts,
pelos mesmos motivos que na Inglaterra, o Natal foi banido entre 1659 e 1681.
<><> A
questão da data
Não há, de fato, um
consenso sobre a data exata em que Jesus nasceu.
Alguns teólogos
defendem que poderia ser na primavera, já que há referências à pastores
vigiando seus rebanhos no campo aberto – é provável que no inverno eles
buscassem abrigo.
Também poderia ser
no outono, se os pastores estivessem vigiando os animais na época de
acasalamento.
Há pistas, mas
nenhuma data específica nos é fornecida pela Bíblia.
<><> Rituais
pagãos
Desde a época do
Império Romano, existia uma tradição pagã de se festejar intensamente durante
um período no fim de dezembro.
Era simplesmente um
festival de colheita, quando se trocavam presentes, os lares eram decorados e
havia muita comida. Beber muito também era parte do espírito da festa.
De acordo com o
historiador Simon Sebag Montefiore, o cristianismo inicial tinha que competir
com a diversão que as tradições pagãs proporcionavam socialmente.
Os romanos gradualmente
abandonaram o paganismo e adotaram o cristianismo. Nessa transição, o
calendário cristão acabou se apropriando do calendário pagão.
Durante um tempo,
os romanos comemoraram as duas tradições. No fim do século 4, os rituais pagãos
e cristãos coexistiam por 14 dias em dezembro.
Mas não sem algum
conflito – e, no fim, a festa cristã saiu vitoriosa.
<><> "Limpeza"
A guerra ao Natal
no século 17 foi uma tentativa dos puritanos de "apagar" o que eles
consideravam vestígios de uma herança pagã.
Mas é evidente,
pelo tamanho das comemorações natalinas no mundo, que eles perderam essa briga.
Quando cristãos ao
redor do mundo comem uma ceia ao lado de uma árvore decorada e tomam uma taça
de vinho, dão continuidade a uma tradição que tem muito mais que 2 mil anos.
Fonte: BBC News
Mundo
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