‘Reconciliação’
entre forças armadas e sociedade argentina: a casta de fanáticos de Milei
Em solenidade para
entrega de medalhas no Colégio Militar de Buenos Aires no último dia
17, o presidente argentino Javier Milei voltou a
falar como o ex-presidente Carlos
Menem (1989-1999)
de péssima memória, esforçando-se para esconder crimes de Estado além de
contradizer completamente sua própria marca retórica, desde a campanha
presidencial no ano passado.
Embora
a Argentina seja, nas palavras de ninguém menos que Noam
Chomsky,
“modelo regional” na condenação de ex-ditadores militares, ainda faltam ser
encontrados e devidamente punidos muitos criminosos de Estado, tanto quanto
netos raptados, por estes mesmos criminosos, de seus pais “desaparecidos” e
assassinados pelas ideias progressistas que possuíam.
·
Quais
vidas valem mais? Exceção à direita
Trata-se aqui de
mais uma tentativa de se evadir a justiça – sempre quando certos
setores estão envolvidos -, com aspecto pacífico. Contudo, não se requer
graduação em leis nem grande conhecimento na área de direitos humanos, para se
ter ciência de que sem justiça não pode haver paz. Para isso mesmo, a justiça
foi desenvolvida e diante dela, não deve existir exceções – o que ocorre
em ditaduras. Ou quais vidas valem mais?
O célebre jurista
argentino Nicolás Avellaneda (1837-1885) foi sábio ao observar que “o
povo que esquece seu passado está condenado a vivê-lo novamente”. O Brasil é
patético exemplo disso.
Pois onde está,
aqui e sempre em casos como este dentro e fora da Argentina, o declarado,
profundo amor dos ideólogos de direita pela família e pela vida, e a bem (mal e
porcamente) conhecida “fúria” por promoção de justiça contra criminosos? Quais
vidas valem mais? Era tudo mais um grande engodo, então? Neste caso, por que e
defendendo os interesses de quem?
Ou o que mais é
necessário esperar acontecer, até quando manteremos certas “papas” na língua ao
abordar esse tipo de ideologia que traz em suas raízes ódio, discriminação
e violência? Aos que ainda tinham alguma dúvida, Milei trata de
evidenciar isso (de novo).
·
Por
quem dobram os sinos?
Precários sinos de
direita que novamente se fazem bem claros, golpeando agressivamente
a Argentina nestes dias. Reabrindo feridas, intensificando o choro de
vítimas e familiares de vítimas de terror de Estado dos mais cruéis que a
história humana teve conhecimento.
Milei reforça
neste caso marca de seu estridente governo para certos discursos, e dos ideólogos de
direita em
todos os cantos do planeta: ressentimento e deleite sobre os manjares do
Estado.
A histeria de direita
é incapaz de perdoar seus “inimigos” por meras diferenças no campo das ideias.
Na Argentina, que viveu a ditadura
militares mais
sanguinária da América Latina, região mais violenta do mundo, esses
“inimigos”, na maioria jovens universitários, professores, jornalistas e
escritores, foram torturados e mortos das maneiras mais cruéis.
Muitos deles,
sedados com pés e mãos amarrados com arame, acabaram jogados vivos e seminus
pelos militares do alto dos aviões ao mar ou ao Rio da Prata a fim de
se tentar ser mais eficiente nos crimes de lesa-humanidade, ocultando assim a
barbárie mais covarde.
Filhos destas
vítimas que tiveram mais sorte, foram sumariamente sequestradas e, ainda bebês,
levadas aos familiares dos ditadores militares. Falsamente apresentados como se
fossem seus. Assemelha-se a algo como um romance macabro tudo isto, não?
Tudo aquilo,
enquanto lá embaixo o massacre passeava livre e soberano sob ordens dos
milicos, do alto-empresariado e das cúpulas "religiosas". Bem
dissimulado por toda a Argentina interrompendo sonhos, levando
famílias inteiras ao indizível desespero e destruição, material e psicológica.
Mas fizeram com que
a verdade viesse à tona o implacável tempo – e as ondas do mar trazendo corpos
de volta. Expondo o caráter “pró-liberdade” e “família”, enfim, todo o
propalado senso de justiça da ditadura militar.
Sempre que os mares
da história agem neste sentido, a covardia da casta dominante e dominadora não
se constrange em usar e abusar do cinismo para, então, falar em
“reconciliação”. Tudo o que passam a desejar, então, é "paz". Sob
entusiásticos aplausos de seus seguidores que condenam nos outros, o que aprovam
para si.
·
Incoerência
entre discurso e prática. Linha bem definida nos abusos do Estado
O que está por
detrás deste tipo de "pacificação" sem justiça é, invariavelmente, a
intensificação ou o retorno da
dominação. Temer e Bolsonaro no Brasil são dois exemplos
mais recentes disso; Menem na própria Argentina, foi outro.
A maior bandeira
de Milei na campanha eleitoral de 2023 foi varrer do Estado
argentino o que ele chama de “casta”, incrustada no poder segundo ele;
nada mais nocivo à sociedade, pelo que não raras vezes exalta-se nos já
acalorados discursos, levando ao delírio massas de indivíduos longe de
apresentar grandes engenharias intelectuais, estando Elon
Musk e Donald Trump entre os mais ilustres representantes
da mediocridade.
Pois como a
tragicomédia não tem limites para alguns, exatamente a manutenção desta casta
tem sido regra no governo de Milei. Precisamente isto, motivo de certas
divisões nos altos escalões de sua administração "libertária".
Repetindo
no Colégio Militar contradições descaradamente insistentes ao longo
do ano que completa na Casa Rosada, Milei reforça o já grande poder da
casta argentina além de evidenciar, uma vez mais, a verdadeira, inequívoca
essência dos setores reacionários mundo afora, reverberando-os perfeitamente em
solo argentino nestes sombrios dias: garantia de liberdade irrestrita, sim,
para os seus. Aos “inimigos”, todo o rigor da lei.
Não sem razão esta
casta de ideólogos fanáticos e oportunistas, marcados pelo monólogo mais
"animado", depende raivosamente da ausência de pensamento e
questionamento.
¨ Milei: “Meu desprezo pelo Estado é infinito”
Javier
Milei tem
“desprezo infinito” pelo Estado. Isto foi afirmado numa entrevista que
concedeu ao The Economist, que o traz na capa. A publicação britânica
define-o como “uma toupeira” que veio destruir o Estado por dentro, como o
próprio Milei disse em declarações anteriores. Milei pensa que
qualquer restrição à livre iniciativa é o caminho mais rápido “para o
socialismo”, o mesmo que a economia neoclássica que orienta as políticas da maioria
dos países. “Tudo o que puder fazer para eliminar a interferência
do Estado,
farei”, disse o presidente argentino.
Milei gosta de
se apresentar como o “grande desregulamentador”. Criou um ministério
especialmente para isso, que colocou nas mãos de um ex-presidente do Banco
Central, Federico Sturzenegger. O jornal inglês diz que a eliminação de
milhares de regulamentações que considera desnecessárias deveria ser um bom
exemplo para os Estados Unidos e para o novo governo de Donald
Trump,
de quem Milei se declara admirador. “Todos os dias desregulamentamos e ainda
temos 3.200 reformas estruturais pendentes”, disse Milei na entrevista. O
argentino garante que Elon
Musk,
que conheceu recentemente em Mar-a-Lago, está disposto a seguir o seu exemplo
como parte do futuro governo republicano.
As dificuldades da extrema-direita em aprovar
leis no Congresso obrigaram-no a negociar com aqueles que considera parte da
“casta”, políticos que não apoiam as suas ideias e que são frequentemente
descritos pelo presidente como “ratos” ou “esquerdistas de
merda”. Milei admite que, apesar de seu estilo explosivo, “aprendeu
muito sobre como fazer política”. Como parte desse aprendizado, autorizou seu
chefe da Casa Civil, Guillermo Francos, a negociar com deputados e
senadores da oposição a aprovação de uma lei de incentivo ao investimento.
Milei agora diz ao The Economist que não tem mais inimigos na política
argentina,
mas sim rivais que "explicitamente querem que o país tenha um desempenho
ruim".
The
Economist considera estas mudanças como puro pragmatismo político. E dá
como exemplo a mudança
de atitude de Milei em relação à China. Durante a campanha de 2023, o argentino
disse que não estava disposto a “negociar com assassinos”. Agora,
a China é “um parceiro fabuloso”, que “não pede nada. Ele só quer
negociar com calma”, disse Milei na entrevista. O mesmo aconteceu com
o presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, a quem Milei repetidamente
chamou de “um comunista corrupto”. “Não vou ser amigo do Lula, mas tenho uma
responsabilidade institucional”, disse agora.
A publicação não
poupa elogios à política
de ajuste de Milei e à sua decisão de encolher o Estado. No entanto,
alerta que o seu “fanatismo” pode desviá-lo do objetivo final, que é resolver a
situação econômica. Questionado sobre o temor de que isso avance no sistema de
freios e contrapesos da democracia na Argentina, Milei respondeu que
não se desvia “nem um milímetro das regras acordadas na Constituição”. Um dos
projetos que mais questiona a extrema-direita é a sua ameaça de nomear dois
novos membros para o Supremo Tribunal por decreto, um deles acusado
de manipular casos para beneficiar políticos e empresários amigos.
The
Economist critica que Milei está “cada vez mais envolvido em
guerras culturais, tal como os seus aliados no estrangeiro. Ele denuncia a
‘ideologia transgênero’, o aborto e as mudanças
climáticas,
que ele nega serem causadas pelo homem”. Segundo alerta publicação: “como a
economia argentina continua a equilibrar-se no fio da navalha, qualquer
distração é um perigo”.
¨ Sob Trump migrantes do México temem que o “sonho
americano” possa se tornar um pesadelo
Desde a vitória
eleitoral de Donald
Trump em
novembro, o futuro dos migrantes em trânsito pelo México se tornou mais incerto
do que nunca. O novo presidente prometeu expulsar
milhões de imigrantes indocumentados após sua posse em 20 de janeiro.
“Nada além de mentiras!”, exclamou Vidal
Berroteran, um venezuelano de 21 anos, ignorando a retórica
anti-imigrante de Donald Trump. Encostado em um vagão de trem
abandonado, Vidal examina os trilhos da ferrovia que se estendem à
sua frente. Um trem de carga passará por esta área desolada 60 km ao norte
da Cidade do México em algumas horas. Ele terá que se agarrar às
escadas enquanto ele passa em alta velocidade, viajando no teto para chegar ao
norte do México e cruzar a fronteira dos EUA ilegalmente.
Seu sonho
americano está
no fim desses trilhos, e Vidal se recusa a acreditar que Donald Trump pode
impedi-lo de alcançá-lo. No entanto, esta é a promessa que Trump reiterou
repetidamente durante sua campanha: livrar os Estados Unidos dos “vermes” que
“envenenam o sangue” dos americanos.
<><> Uma
corrida contra o tempo
Trump prometeu
realizar a maior
deportação da história, mirando todos os indivíduos sem documentos — quase 11
milhões de pessoas. Vidal, no entanto, continua cético. “Ele não pode
deportar todos os migrantes. São os migrantes que fazem os trabalhos que os
americanos não querem fazer — construção, agricultura, todo o trabalho duro”,
ele argumentou.
Economistas concordam
que deportações em massa podem perturbar a economia americana ao estagnar o
crescimento e impulsionar a inflação. Isso fornece um vislumbre de esperança
para Vidal e milhões como ele.
Muitos migrantes estão
agora em uma corrida contra o tempo, esperando chegar aos EUA e solicitar asilo
antes da posse de Trump em 20-01-2025. Na Cidade do México,
a Casa Tochan, um abrigo para migrantes, tem visto sua população diminuir
diariamente desde a vitória de Trump.
“Naquele dia, o
abrigo inteiro ficou em silêncio”, lembrou Adriana Hernandez, uma
coordenadora de abrigo. “Na manhã seguinte, um grupo de dez pessoas partiu para
o norte, planejando cruzar a fronteira ilegalmente e pedir asilo”. O abrigo,
que normalmente abriga até 120 moradores, agora está com metade da capacidade.
“Os migrantes não querem mais ficar em abrigos da cidade. Eles estão indo
direto para a fronteira, dispostos a cruzar a qualquer custo”.
<><> A
desinformação desperta o medo
Hernandez atribuiu
muito desse movimento à desinformação. “Muitos acreditam que o
aplicativo CBP One [CBP, Customs and Border Protection]
será descontinuado em breve, ou que ninguém mais poderá entrar nos Estados
Unidos. É por isso que eles estão saindo”, ela explicou.
O CBP
One é a única maneira legal de entrar nos Estados Unidos. Os migrantes se
registram ao chegar ao México e devem esperar que o aplicativo agende um
horário com as autoridades de imigração dos EUA. Esses horários oferecem
uma chance de entrar nos Estados Unidos legalmente.
“Mas os rumores são
desenfreados aqui. As pessoas dizem que aqueles com nomeações CBP
One são presos e encarcerados na fronteira. Outros alegam que um antigo
morador deste abrigo foi condenado a dez anos de prisão por tentar cruzar
ilegalmente. Essas histórias causam imensa ansiedade”,
acrescentou Hernandez.
<><> Tensões
crescentes no México
O medo não se
limita à Cidade do México. No sul do México, pelo menos cinco caravanas de
migrantes se formaram desde a vitória de Trump. As autoridades de
imigração mexicanas dispersam a maioria antes de chegar à fronteira, mas os
migrantes permanecem inabaláveis.
A presidente
mexicana Claudia
Sheinbaum garantiu
à nação que o México estava preparado para reintegrar cidadãos mexicanos que
foram expulsos dos Estados Unidos. No entanto, ela não esclareceu o destino dos
migrantes de outros países.
Essa incerteza não
detém Berroteran. De pé, ao lado dos trilhos da ferrovia, ele sonha em voz
alta com a vida que imagina nos Estados Unidos, escolhendo a esperança em
vez do medo.
¨ Ordem de Prisão e alerta migratório contra Evo Morales
Já havia sido
emitida ordem de prisão
a Morales em
16 de outubro, anulada posteriormente. “Hoje, foi apresentada à autoridade
jurisdicional [de Tarija] a acusação formal por tráfico de pessoas com
circunstâncias agravantes [pedofilia]. Nesse sentido, aguardaremos a audiência
sobre as medidas cautelares fixadas pelo juiz. Está sendo solicitada a medida
excepcional de prisão preventiva em regime aberto pelo prazo de seis meses”,
declarou o procurador-geral do Estado, Roger
Mariaca dia
16.
A promotora de
Justiça de Tarija, Sandra Gutiérrez, afirmou que também foram apresentadas
acusações e solicitada a prisão preventiva de Idelsa P. S, mãe
da suposta vítima C.S.V.P, então menor de idade quem em 2016 teria
sido engravidada por Morales quanto tinha 15 anos, enquanto seu pai
já havia sido preso e enviado para a prisão em outubro.
A suposta relação
sentimental entre Morales e a então menor teria tido início em 2015. Seus pais
são acusados pela Justiça por ter utilizado a filha menor em troca de
benefícios, pessoais e políticos.
Gutiérrez
acrescentou foi ativada ainda alerta migratório contra Evo Morales e
a mãe da suposta vítima, para impedi-los de deixar o país. Intimados a depor no
MP tarijenho em 10 de outubro, Morales e Idelsa não
compareceram.
Na realidade,
segundo Gutiérrez já havia mandado de prisão ativos contra ambos
antes da divulgação do dia 16. “Não tornei público antes, porque os relatórios
apresentados pela Polícia através das suas diferentes unidades, indicavam que
havia ameaças de diferentes tipos. Não queria ser cúmplice disso, pois respeitamos
a vida e é isso que a Constituição Política do Estado estabelece. É por isso
que não tornamos público o mandado de prisão
contra Evo Morales e a senhora Idelsa Pozo”, disse a
promotora.
Relatórios da
Polícia Nacional e da Inteligência bolivianas indicam que não foi possível
localizar o ex-presidente com o fim de prendê-lo no município de Villa
Tunari nem em Lauca Ñ (Cochabamba), devido aos riscos técnicos e
operacionais causados pela falta de
segurança e pela resistência organizada dos seguidores de Morales nas
respectivas zonas.
Em outro boletim de
ocorrência enviado pela Polícia de Cochabamba à Promotoria Departamental de
Tarija, é mencionado que a execução da prisão de Morales foi impossível já que
este não foi encontrado no endereço declarado. O que significa que o
ex-presidente encontra-se, atualmente, foragido da Justiça de seu país.
Gutiérrez disse
que, neste tempo todo de investigação iniciada em 26 de setembro deste ano, têm
sido colhidas vastas provas que condenam o ex-presidente boliviano. Isto já
havia sido declarado pelo ministro de Governo, Eduardo del Castillo no mês
passado.
Embora a maior
parte destas supostas provas estejam ainda mantidas em segredo de justiça, uma
das que seriam essas provas segundo o MP, indicariam, segundo revelado em 30 de
outubro, que a então menor de idade teria viajado de avião nacional e
internacionalmente pelo menos 79 vezes entre 2015 e 2019 o que, de acordo com a
acusação, está totalmente fora de contexto dada as origens humildes da família
de C.S.V.P.
Hoje com 26 anos,
C.S.V.P. encontra-se desaparecida com a filha E.S.N.V. de 8 anos logo que
o caso tornou-se público. No dia 16 de outubro, circularam imagens registradas
por câmeras públicas de segurança de Tarija que mostram suposta tentativa de
sequestro de C. S. V. P. e de sua filha por uma Hillux branca.
Considera-se que C.S.V.P. esteja foragida a fim de não depor.
Desafiado pelo
governo a negar as acusações, Morales limita-se a dizer que é vítima
de perseguição política. Na única abordagem mais direta relacionada a este
caso, em entrevista coletiva perguntado por um jornalista boliviano se teria
tido uma filha com a então menor de idade C.S.V.P., o ex-presidente não foi
nada direto, mas um tanto sugestivo na resposta: “como já
disse Lucho [presidente Luis
Arce],
com a família não se mete”.
Fonte: Por Edu Montesanti, para IHU/La Croix
International/El País
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