Imã Marwan Gill:
“Depois de 2 guerras mundias e da pandemia, continuamos sem valorizar a vida
humana”
Nasceu
na Alemanha, estudou no Reino Unido e está em missão
na Argentina. Tendo em conta estas coordenadas, talvez poucos adivinhassem
que nos referimos a um imã. Mas para Marwan Gill, 34 anos, o fato de ter
vivido sempre em países não-muçulmanos não foi motivo para se afastar
do islã, pelo contrário. Na verdade, foram os seus pais que tiveram de
fugir de um país de maioria muçulmana, o Paquistão, porque o grupo a que
pertenciam – a comunidade
muçulmana ahmadia –
aí era (e continua a ser) considerada herética e, por esse motivo, perseguida.
De passagem por Portugal para participar num encontro de bolseiros do Centro
Internacional para o Diálogo (KAICIID), com sede em Lisboa, o atual presidente
da Comunidade Muçulmana Ahmadia na Argentina falou
ao 7MARGENS sobre a importância do diálogo inter-religioso, em
particular entre muçulmanos e judeus, do qual tem sido protagonista. O programa
de rádio que conduz semanalmente com o rabino Miguel Steuermann,
intitulado Salam Shalom [as palavras árabe e hebraica para “paz”]
despertou a atenção do Papa, que pediu para conhecê-los, e deu origem a um
livro, que acabam de lançar (para já apenas em espanhol). Porque – como lhes
disse Francisco – “agora é a altura de não desistir”.
Eis a
entrevista.
·
Ser
muçulmano em países de tradição cristã tem sido um desafio particularmente
difícil?
Como muçulmano que
viveu sempre em sociedades ocidentais não-muçulmanas, devo confessar que não
senti como um desafio construir a minha identidade como muçulmano. Viver nestas
sociedades – que, no caso da Alemanha e da Inglaterra, não
expressam tão fortemente a religiosidade… são sociedades mais laicas e que de
alguma forma se orgulham do secularismo – permitiu-me alargar o meu horizonte,
conhecer outras culturas e religiões, outras formas de interpretar a
espiritualidade. Mas sinto que houve um “antes” e um “depois” do 11
de Setembro…
·
Que
idade tinha quando ocorreram os ataques?
Tinha 11 anos. E
esse acontecimento veio realmente alterar a vivência que eu tinha tido até
então como muçulmano. Porque antes do 11 de Setembro, o islã era,
para a maioria dos ocidentais, um mundo exótico… Um pouco como são hoje
o hinduísmo e o budismo. As pessoas não sabiam muito sobre o
islã, assumiam que era algo diferente, e quando queriam saber mais faziam
algumas perguntas. Mas, depois do 11 de Setembro, deixaram de fazer perguntas:
passaram a fazer afirmações com base em preconceitos, a dar opiniões com base
em estereótipos e generalizações. E de repente eu, um adolescente, fui
confrontado com a necessidade de explicar como nasceu a Al-Qaeda, o que é
a Al-Qaeda, qual é a relação dos talibãs com o islã… Quando eu nunca tinha
sequer ouvido falar deles na mesquita ou lido sobre eles no Alcorão!
·
Para
você também foi um choque…
Completamente! Não
conhecia a Al-Qaeda… E as expressões jihad [que em árabe significa “luta”,
“esforço”] ou Allahu Akbar [que significa “Alá é grande”] já as
conhecia, mas só eram usadas para orar, para santificar Deus e santificar toda
a Sua criação. E afinal havia muçulmanos que, em nome de Allahu Akbar,
matavam outras pessoas? Não conseguia encontrar ligação entre uma coisa e a
outra. Não percebia porque é que me confrontavam com isso por eu ser muçulmano
e muito menos sabia explicar como é que era possível usar Allahu
Akbar para justificar qualquer tipo de violência.
·
Foi
a procura dessas respostas que o trouxe até aqui?
Sim! Estava
na Alemanha e senti que o islã passou a ser
um bode expiatório para os mais variados problemas, porque a sociedade não
queria aprofundar as verdadeiras causas desses problemas. Por exemplo, se havia
homens muçulmanos que tratavam mal as mulheres, isso não era por
causa do islã. Se havia famílias muçulmanas que não conseguiam
integrar-se, não era por causa do islã. Mas via que o islã era muitas vezes
debatido e alvo de acusações, e ainda por cima sempre sem a participação de um
muçulmano à mesa… Isso para mim foi muito forte. Então, decidi que queria
sentar-me à mesa, que queria dar voz ao islã onde ele fosse debatido. Queria
que o Ocidente pudesse compreender a verdadeira essência e identidade
do islã. E daí a minha decisão de entrar para o seminário islâmico para ser
imã.
·
Por
que decidiu ir para o seminário em Londres?
Tinha acabado o
liceu numa escola laica e queria muito aprofundar este caminho espiritual. E,
tal como existe o sonho americano, eu tinha este sonho londrino, porque vivia
na Alemanha, perto de Frankfurt, mas numa pequena vila onde todos se
conheciam, e não só queria sair da minha zona de conforto como tinha a vontade
de estar mais perto da sede da comunidade ahmadia, que é no Reino Unido,
onde também vive o nosso califa [líder espiritual da comunidade]. Queria estar
mais perto para rezar com ele, para o ouvir, para conhecê-lo pessoalmente. É
como se um católico quisesse viver em Roma!
·
O
que distingue a comunidade ahmadia? Por que muitos sunitas consideram
vocês heréticos?
Seguimos o
mesmo Alcorão que todos os
muçulmanos, da primeira à última carta. As nossas fontes e a nossa tradição são
as mesmas dos sunitas, seguimos as mesmas palavras do profeta Maomé… a
forma de interpretar é que é diferente. E a principal diferença está no conceito
messiânico e na figura do Messias, que é algo muito familiar para
os cristãos. Enquanto o mundo cristão aguarda o segundo advento de Jesus
Cristo, todos os muçulmanos – sejam eles sunitas, xiitas, de qualquer
ramo – também aguardam o segundo advento de um Messias. A única
diferença entre o mundo cristão e o mundo muçulmano sobre o Messias é que
consideramos que ele será agora um Messias muçulmano, mas também com
trabalho universal. E nós, ahmadis, acreditamos que o fundador da nossa
comunidade [Mirza Ghulam Ahmad] foi este segundo Messias.
Mas a maioria
dos muçulmanos rejeitou-o, porque esperava mais um guerreiro, uma
figura política com um trono, com ferramentas militares… E ele defendeu sempre
a paz, explicando que enquanto os muçulmanos tiverem liberdade religiosa,
não há qualquer justificação para a violência ou a guerra. Na sua época [século
XIX], havia um debate na Índia sobre se a guerra contra os britânicos poderia
ser classificada como uma jihad, ou “guerra santa”, e ele disse que não,
pois enquanto os britânicos garantissem aos muçulmanos o direito de praticarem
livremente a sua religião, não haveria base para a jihad.
A luta pela
independência é uma luta política secular, não podemos misturar os elementos
quando um governo não-muçulmano concede aos muçulmanos o direito de praticar a
sua religião, não há justificação. No fundo, ele de alguma forma atualizou os
ensinamentos do islã para a modernidade, algo que precisa de continuar a ser
feito atualmente. Considero que os problemas e a crise
do mundo muçulmano não
podem ser negados, em termos espirituais, morais e éticos, mas isso não se deve
ao islã, deve-se a uma leitura incorreta do islã.
·
A
verdade é que há países onde os ahmadis ainda hoje são perseguidos…
Pessoalmente, já alguma vez foi alvo de perseguição ou discriminação?
Sim… A rejeição, no
meu caso, é historicamente familiar. Os meus pais são do Paquistão e
foram para a Alemanha há 40 anos precisamente por causa da perseguição
religiosa que ali existia – e continua a existir – contra a nossa
comunidade. A comunidade ahmadia nasceu na Índia no século XIX, e
após a divisão entre a Índia e o Paquistão nós, como a maioria dos
muçulmanos, mudámo-nos para o Paquistão. Só que, na década de 80, começou uma
perseguição estatal contra a nossa comunidade.
E isto é algo único
no mundo, porque é verdade que há muitos casos de perseguição religiosa –
vemos cristãos
que sofrem perseguição no Paquistão e na Índia, por todo o mundo
há casos de islamofobia e de judeofobia e muitas minorias
religiosas sofrem perseguição – mas o caso dos ahmadis no Paquistão é realmente
algo único, porque o Estado não só é cúmplice, como promove esta perseguição.
Na própria Constituição, nós somos declarados não-muçulmanos e, se dissermos
que somos muçulmanos, isso é um crime pelo qual podemos ir para a prisão.
Também não podemos chamar “mesquita” ao nosso local de culto: temos de dizer
“templo”, senão vamos presos. Nem sequer podemos proferir a
expressão assalamu alaikum [a paz esteja contigo], porque isso é
considerado blasfêmia.
Era como se,
em Portugal, a Constituição definisse quem é cristão e quem não
é, e todos aqueles que, de acordo com o Parlamento, não fossem cristãos, não
pudessem praticar a sua fé, não pudessem votar, e caso dissessem que eram cristãos
fossem para a cadeia. Isso é o que tem acontecido com os ahmadis no Paquistão
ao longo dos últimos 50 anos, e por esse motivo é que o nosso califa teve de
deixar o país e a sede da comunidade passou a ser no Reino Unido. Também
por isso, muitas famílias, como a minha, decidiram sair.
·
Já
foi ao Paquistão, apesar dos riscos que isso implica?
Sim, fui. Ainda
tenho lá familiares e fui principalmente para visitá-los. Mas quando vou não
posso revelar a minha identidade, não posso afirmar que sou muçulmano. É
demasiado arriscado… Semanalmente, há notícias de ataques, de assassinatos. Até
os nossos cemitérios vandalizam. E só não há mais notícias porque
os ahmadis são censurados em todos os sentidos: as páginas de
Internet são proibidas, os meios de comunicação são proibidos. As organizações
de direitos humanos vão tentando sensibilizar a comunidade internacional para o
que se passa, mas muitas pessoas não têm noção da perseguição de que somos
alvo.
·
E
como encara o que se passa agora em Gaza?
O que se passa
em Gaza é muito grave
e dói-me muito… Como nasci na Alemanha, conheço bastante bem o que
aconteceu durante a Shoah. E há dois anos
visitei o Yad Vashem, o Memorial
do Holocausto em Jerusalém,
e foi muito impactante para mim. Mas o que mais me custa é ver que a sociedade
foi e continua a ser cúmplice de crimes com a sua passividade. Há uma frase
que Martin Luther King disse durante
a sua luta contra a discriminação que trago sempre comigo: “O que me preocupa
não é o grito dos maus, mas o silêncio dos bons”. Essas palavras ressoam de um
modo muito forte dentro de mim, porque realmente vejo que, depois de
duas guerras mundiais, depois da pandemia, continuamos sem conseguir
valorizar a vida humana. E não estou a falar da vida de um israelense, de um
palestino, de um muçulmano, judeu, cristão, ateu. agnóstico… não interessa.
Acho que é importante retirar todos estes rótulos. O que interessa é que é uma
vida humana. O Alcorão diz que quem mata uma vida inocente é como se
tivesse assassinado toda a Humanidade: não diz “vida muçulmana”, diz “vida
humana”. E quem salva uma vida é como se tivesse salvo toda a Humanidade. Mas
não vejo esse empenho da Humanidade em proteger vidas. Infelizmente, parece que
o valor da vida de uma pessoa se deve à sua nacionalidade, etnia ou religião…
·
Os
líderes religiosos, em particular, são também demasiado passivos?
Falta a coerência
de levantar a voz e quebrar o silêncio, e falta o
compromisso, seja nos setores religiosos, seja nas Nações Unidas, nas
organizações internacionais, nos diferentes Estados… E aqui falo
do Ocidente, claro, dos Estados
Unidos da América e
da União Europeia, mas também dos países árabes muçulmanos. E digo isto
porque o conflito israelo-palestino não começou há um ano…
Concordo que o
[atentado do Hamas contra Israel em] 7
de Outubro [de
2023] desencadeou um novo episódio, mas este conflito vem de há sete, oito
décadas… E foi realmente como deixar uma bomba ativa no meio da Humanidade em
vez de a desativar. Por isso, naturalmente, o conflito não só se expande como
se torna mais violento. E aqui vejo um enorme fracasso nas relações
diplomáticas, mas acima de tudo no que diz respeito ao compromisso com a
justiça, com a honestidade, com a santidade da vida, com a paz. E a paz não
pode ser alcançada só com palavras bonitas, a paz deve ser construída e exige
ações concretas.
·
Quais
ações concretas?
Em primeiro lugar,
é preciso acabar com a perda de vidas humanas. O primeiro passo seria, se assim
lhe quisermos chamar, um cessar-fogo, acabar com o ato de guerra. Acredito que
não é preciso ser-se judeu ou amigo de Israel para reconhecer e
também sentir a dor e o sofrimento, não só daquele povo durante a Shoah, mas
também no dia 7 de Outubro. E devo dizer que a comunidade ahmadia tem
membros em todo o mundo, incluindo em Haifa (Israel), e que essa
comunidade já estava aí estabelecida antes da criação de Israel… E o nosso
califa, alguns dias depois do ataque de 7 de Outubro, condenou-o publicamente e
disse que este não podia ser justificado de forma alguma, especialmente sob os
ensinamentos do islã. Porque o islã em circunstância alguma permite
ataques a civis, nem mesmo em estado legítimo de guerra.
Mas pouco depois
lançámos também a campanha “Vozes pela Paz”, porque qualquer que seja a
injustiça ou a crueldade, a resposta nunca pode ser punir coletivamente um
povo, em que ainda por cima quase metade são mulheres e menores que não têm
nada a ver com terrorismo, não têm nada a ver com a guerra. Por isso, para mim,
é claro que o cessar-fogo é o primeiro passo para pacificar a situação, para
santificar a vida, e para chegar a um acordo ou à reconciliação.
E é evidente que é
preciso exercer mais pressão sobre os intervenientes internacionais para que o
digam. Esses intervenientes, evidentemente, devem questionar o papel
das Nações Unidas, que precisa de ser adaptado ao século XXI. Como pode o
veto de um país paralisar todo o sistema? A Anistia
Internacional diz
que o que está a acontecer é um genocídio, há decisões judiciais do Tribunal
Penal Internacional…
mas isso de alguma forma fica tudo na burocracia…
·
E
o diálogo inter-religioso… tem tido consequências práticas?
Bem, pelo menos no
meu caso, o diálogo inter-religioso ajudou muito. Mas é importante
compreender que dialogar não significa pensar da mesma forma. Dialogar é
aproximar as pessoas, conhecer o outro, conhecer as suas diferenças, respeitar
essas diferenças, e partir desta diversidade para pensar em ações conjuntas,
para um caminho conjunto. Porque, no final, todas estas religiões são religiões
de paz e têm também muito em comum, que pode resumir-se a “amar a Deus, através
do amor a toda a Sua criação”. Então, o destino é o mesmo. E o que o diálogo
faz é destruir paredes e construir mais pontes para chegarmos a esse destino
comum, a uma sociedade melhor… mantendo a diversidade.
·
Pode
dar exemplos desse diálogo que tenham feito a diferença?
Sim…
Na Argentina, temos a maior comunidade judaica da América
Latina. E essa comunidade foi vítima de dois ataques terroristas nos anos 1990.
Pouco tempo depois de eu ter ido viver para lá, organizou-se, pela primeira vez
no país, um evento inter-religioso para assinalar o aniversário
desses ataques, para o qual quiseram convidar um imã, um padre e um rabino. E
eu fui esse imã, o primeiro a participar oficialmente num encontro
inter-religioso e a manifestar as condolências à comunidade judaica pelas
vítimas. Na sequência desse encontro, a Rádio Judia da América
Latina (JAI), que dá voz à comunidade judaica em todos os países de língua
espanhola, propôs-me fazer um programa semanal juntamente com um rabino,
intitulado Salam Shalom [as palavras árabe e hebraica para “paz”] que
seria um programa teológico, académico, de diálogo entre um muçulmano e um
judeu.
Eu aceitei, mas com
o tempo esse diálogo deixou de ser meramente teológico e acadêmico e tornou-se
num diálogo de amigos. Muitas vezes, terminávamos de gravar o programa e íamos
juntos ao café. Já não éramos o imã Marwan e o rabino Miguel, já
não éramos um muçulmano e um judeu… éramos simplesmente o Marwan e o Miguel. E
depois começámos a agregar também as nossas famílias ao diálogo. Ele veio
no Ramadã a minha casa,
à nossa mesquita… eu fui a casa dele e à sua comunidade no Shabat e
no Rosh Hashaná… E no Natal, que nem eu nem ele celebrávamos,
pensámos no que é que poderíamos fazer juntos pela comunidade católica… Então
fizemos uma recolha de brinquedos nas nossas comunidades e entregámo-los numa
das paróquias locais.
·
E,
entretanto, este diálogo chegou também aos ouvidos do Papa Francisco, que vos
quis conhecer!
Sim, em 2022
o Papa Francisco soube da iniciativa e nessa altura convidou-nos para
a cerimônia de beatificação de João Paulo I e para uma audiência
privada no dia seguinte.
·
Como
foi a experiência de conhecer o Papa?
Para mim, foi muito
emocionante. Porque, sendo ele um Papa católico e não sendo eu
cristão, pensei que a audiência seria algo oficial, muito formal e superficial.
Isto é, um encontro educado, com todo o respeito, mas não profundo… e também
pensei que seria uma coisa curta, não mais do que 15 minutos. Mas foi
exatamente o contrário! Quando entrei, o Papa fez questão de me conhecer:
fez-me imensas perguntas sobre o que é que eu fazia, como é que tinha chegado
à Argentina, como é que me sentia lá… Passaram dez minutos e chegou o
secretário dele. E eu pensei: “pronto, já terminou e não falámos de quase
nada…”. Mas o Papa disse: “Não, não! Vamos continuar. Agora é que vamos
começar! E depois foi como se ele também abrisse o seu coração. Não senti
qualquer barreira. Começou a contar-nos sobre a sua vida como cardeal, várias
histórias pessoais, e até algumas muito íntimas, incluindo sobre os bastidores
da assinatura do Documento
sobre a Fraternidade Humana com Grande Imã de Al-Azhar, Ahmed al-Tayyeb, em Abu
Dhabi. E outra coisa que não esqueço foi o fato de ele ter usado o pronome
“nós” o tempo todo… Ou seja, falava da Humanidade, dos muçulmanos, dos judeus,
e incluía-se, o que para mim foi um grande gesto de humildade e de liderança,
que colocou a sua palavra e a sua ação em coerência.
Aquilo que eu tinha
lido na [encíclica] Fratelli
Tutti,
vi quando estava com ele. O Papa acredita mesmo nisso e pratica isso… Depois,
entrou novamente o seu secretário, e eu pensei: “Pronto, agora é que terminou
mesmo”. Mas não! O Papa disse que íamos continuar… Portanto, a
audiência demorou quase 45 minutos. E até no fim, quando realmente terminámos e
eu disse ao Papa, tendo em conta as suas limitações físicas, que não havia
necessidade de cumprir o protocolo e ir acompanhar-nos até à porta, ele
insistiu: “Quero muito acompanhar-vos porque foi muito bom para mim
conhecer-vos e receber as vossas notícias”.
·
Foi
tão bom que já esteve com o Papa uma segunda vez, e agora vai estar a terceira,
para lhe entregar o livro que nasceu desta iniciativa… O que lhe disse o Papa
no segundo encontro? E o que espera deste terceiro?
É verdade! O
segundo encontro aconteceu em fevereiro deste ano, porque foi canonizada a primeira
santa argentina, Mama Antula, e convidaram-nos a participar na celebração.
Ao mesmo tempo, sinto que o Papa queria falar conosco também por
causa do contexto da guerra… Um contexto completamente diferente do que
existia no nosso primeiro encontro, quando Israel tinha assinado
os Acordos de Abraão com os países
árabes e havia uma grande esperança no diálogo.
Este ano, falar
de Salam Shalom já não é a mesma coisa… Há cada vez mais separações e
polarizações, é como se fosse tudo a preto e branco. E o Papa fez
questão de nos dizer que agora é a altura de não desistir. Então decidimos que
tínhamos de converter esta nossa experiência também num livro, para ser como
uma centelha de esperança, de inspiração para os outros, e é esse livro que lhe
vamos entregar. Será mais um momento muito especial para mim, porque admiro
muito o Papa Francisco, mais do que tudo pelo seu compromisso com
o diálogo inter-religioso e também porque a sua mensagem não é limitada
apenas aos católicos. Muitas vezes, ele fala olhando realmente para toda a
Humanidade… E quero manifestar-lhe que o acompanho neste caminho.
·
O
diálogo com os judeus é mais difícil agora… mesmo na Argentina.
Sim, é mais difícil
porque falta transparência e confiança, mesmo fora do Oriente Médio.
Porque o conflito foi exportado… ou foi importado. Vivemos verdadeiramente num
mundo globalizado e a guerra no Oriente Médio afetou totalmente as nossas
relações. Mas uma coisa é verdade: é importante envolvermo-nos, participarmos
ativamente na pacificação do conflito. Ou seja, não ficarmos indiferentes ao
que se passa, mesmo que seja um conflito do outro lado do mundo. Ao mesmo tempo
que mantemos os nossos relacionamentos, o que nem sempre é fácil…
·
É
também para manter esses relacionamentos que está em Portugal, a convite do
KAICIID?
Sim, na semana
[passada] foi o encerramento de um programa sobre diálogo
inter-religioso em
que participei, juntamente com outros bolseiros que trabalham neste diálogo em
diferentes partes do mundo.
Sejam muçulmanos, judeus, cristãos, hindus, budistas…
E levo daqui muita esperança. Porque se lermos as notícias, só se fala em
guerras ali, conflitos acolá… E pensas em tanta escuridão. Mas aqui vi todas
estas pessoas diferentes em harmonia e que querem o bem, querem a paz. E eu
diria que somos a maioria, mas muitas vezes não encontramos os espaços para nos
unirmos… falta-nos ligação, falta-nos diálogo. E é por isso que estas plataformas
são essenciais.
Fonte 7Margens
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