quinta-feira, 19 de dezembro de 2024

Em ano de alta mundial do dólar, real lidera com folga ranking de desvalorização

O ano de 2024 foi de grande desvalorização das maiores moedas do mundo diante do dólar. Entre as 20 moedas mais negociadas no mundo, apenas três delas não se desvalorizaram diante da moeda americana — segundo dados até a manhã desta quarta-feira (18/12).

E, entre as moedas mais negociadas, a que mais se desvalorizou até agora em 2024 foi o real brasileiro.

Em 1º de janeiro de 2024, um dólar valia R$ 4,85. Na manhã desta quarta-feira (18/12), um dólar valia R$ 6,12 — uma desvalorização de quase 21%.

Apenas quatro outras moedas desvalorizaram em dois dígitos contra o dólar este ano: o peso mexicano (16%), a lira turca (16%), o rublo russo (15%) e o won sul-coreano (10%).

Outras moedas também tiveram desvalorização contra o dólar: o iene japonês (8%), o dólar canadense (8%), o dólar australiano (7%), o franco suíço (6%) e o euro (5%).

As únicas que não sofreram diante do dólar americano foram o dólar de Hong Kong (que se valorizou 0,6%), o rand sul-africano (que se valorizou 1%) e a libra esterlina britânica (que chega nas últimas semanas do ano com cotação praticamente igual).

Confira abaixo alguns dos motivos das desvalorização das moedas no mundo e no Brasil, e também um panorama do que pode acontecer no próximo ano — quando os Estados Unidos estarão sob nova liderança.

·        1. A valorização do dólar no mundo

O movimento de valorização do dólar e desvalorização das demais moedas é mundial.

Após a pandemia, o banco central americano elevou os juros básicos de sua economia, para controlar um surto de inflação no país. Os preços haviam subido por conta de conflitos internacionais e um desalinhamento de cadeias internacionais de produção por causa da pandemia.

Essa alta de juros americanos atrai capital do mundo todo. Investidores são atraídos pela perspectiva de bons retornos em papéis com relativamente baixo risco — no caso, títulos do governo dos EUA.

Quando o capital sai desses outros países, existe uma grande demanda nos mercados por dólares e uma oferta grande de moeda estrangeira: o que provoca a valorização do dólar e a desvalorização das demais (entre elas o real brasileiro).

As moedas de países emergentes são as que costumam se depreciar mais — já que muitos investidores estão nesses países justamente para aproveitar juros altos. E é desses países que costuma sair o maior fluxo de capital rumo ao mercado americano.

Ao longo de 2024, havia a expectativa no mercado de que o banco central americano fosse cortar os juros da economia do país. Esse movimento "empurraria" capital internacional para os mercados estrangeiros.

Mas dados oficiais mostraram que a inflação nos EUA não estava caindo no ritmo esperado. E a economia americana continuou se acelerando ao longo de 2024, o que também gerou mais inflação e retardou a queda dos juros.

O tão esperado corte de juro americano só começou a acontecer em setembro — e em um ritmo ainda tímido.

Por isso, o dólar seguiu com cotações altas ao longo do ano. E esse movimento se acentuou ainda mais em novembro, quando Donald Trump derrotou Kamala Harris nas eleições americanas.

"Estamos vendo uma depreciação muito grande não só do real como de todas moedas emergentes após a eleição de Donald Trump, que tem uma agenda política de maior internalização da economia americana e maior restrição da imigração. Isso são duas medidas muito inflacionárias para a economia americana", diz Álvaro Frasson, estrategista macro do BTG Pactual, no canal de vídeo do banco.

"A consequência é que o Banco Central americano, o Federal Reserve, não vai conseguir cortar o juro americano tanto quanto se imaginava inicialmente e a consequência é um dólar americano mais atrativo do que se imaginava."

·        2. O problema do Brasil: a volta da inflação

A desvalorização do real diante do dólar foi constante ao longo do ano — em apenas dois meses (agosto e setembro) o real terminou valorizado em relação ao dólar. Em todos os outros meses de 2024 houve depreciação.

Um padrão parecido é observado em outras moedas emergentes, como a lira turca e o peso mexicano, que também perderam muito valor este ano.

No caso do real, a desvalorização se acelerou desde novembro, mês em que o governo de Luiz Inácio Lula da Silva anunciou seu pacote fiscal.

Entre 7 de novembro e 18 de dezembro, o real se desvalorizou 7,3% — com o câmbio subindo de R$ 5,67 para R$ 6,12.

O problema de fundo da economia brasileira é a inflação, que pode fechar acima da meta do governo este ano (que é de 4,5%). A última medição do IPCA (o índice usado pelo governo), mostra que a inflação estava em 4,87% nos 12 meses até novembro.

Uma combinação de fatores — a economia brasileira aquecida, o baixo desemprego e dúvidas sobre a trajetória da dívida pública e sobre a capacidade do governo de equilibrar as contas com seu pacote fiscal recentemente anunciado — leva alguns no mercado a especular que a inflação brasileira pode subir ainda mais nos próximos meses.

Isso vem provocando aumentos de juros no Brasil — em um momento em que os EUA estão cortando seus juros. Na semana passada, o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central decidiu elevar a taxa básica Selic de 11,25% ao ano para 12,25% ao ano.

O comunicado do Copom cita a preocupação das autoridades monetárias brasileiras com o risco de alta da inflação: "A inflação cheia e as medidas subjacentes têm se situado acima da meta para a inflação e apresentaram elevação nas divulgações mais recentes".

Economistas e analistas do mercado dizem que a desvalorização do dólar acontece em parte por desconfiança do mercado de que as medidas econômicas anunciadas pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), não serão suficientes para controlar a inflação.

Em tese, o juro brasileiro mais alto serviria para atrair investidores, valorizando a moeda nacional. No entanto, o temor no mercado é que a inflação alta acabe neutralizando qualquer ganho obtido com juros altos — e isso faz com que o dólar acabe se valorizando.

No domingo, Lula rebateu as críticas ao seu pacote fiscal e disse que "ninguém nesse país, do mercado, tem mais responsabilidade fiscal do que eu".

"Entreguei esse país, sabe, numa situação muito privilegiada. É isso que eu quero fazer outra vez. E não é o mercado que tem que ficar preocupado com os gastos do governo. É o governo. Porque, se eu não controlar os gastos, se eu gastar mais do que eu tenho, quem vai pagar é o povo pobre", disse Lula à rede Globo.

O presidente também criticou o nível alto da taxa básica de juros: "A única coisa errada nesse país é a taxa de juros estar acima de 12%".

Uma parte do pacote começou a ser aprovada no Congresso na terça-feira. A expectativa do governo é aprovar ainda esta semana, antes do recesso parlamentar de fim de ano.

·        3. O que acontece em 2025?

Existe hoje uma incerteza no mundo sobre qual seria o rumo do dólar em 2025 e em diante. O dólar vai continuar se valorizando ou vai cair?

O valor do real brasileiro dependerá em parte dessa tendência mundial.

O desejo do presidente eleito Donald Trump é que a moeda americana se desvalorize.

Ao longo de sua campanha eleitoral, ele prometeu um dólar mais fraco durante sua gestão, que começará em 20 de janeiro de 2025.

Trump pretende repetir o que fez na sua gestão anterior: travar uma guerra comercial que fortaleça a balança comercial americana.

Dentro dessa estratégia, o governo quer um dólar mais fraco diante das outras moedas. Um dólar desvalorizado encarece o valor de produtos importados dentro dos Estados Unidos — dando a produtos americanos uma vantagem em relação aos estrangeiros. Igualmente, no exterior, os produtos americanos ficam mais baratos e competitivos.

No entanto, apesar de defender um dólar desvalorizado, os EUA viram uma valorização do dólar contra a maioria das moedas do mundo desde a eleição de Trump.

Os mercados internacionais acreditam que muitas das políticas sinalizadas por Trump até agora vão acabar provocando o efeito contrário ao desejado pelo presidente eleito.

"O presidente eleito Donald Trump tem um problema com o dólar. Nos últimos meses, ele demonstrou uma clara preferência por uma taxa de câmbio mais fraca para apoiar a competitividade das exportações dos EUA e ajudar a reduzir o déficit comercial dos EUA", escreveu em artigo o pesquisador de economia global do think tank britânico Chatham House, David Lubin.

"E, no entanto, como o mercado percebeu desde a eleição dos EUA, o resultado muito mais provável é que suas políticas acabem fortalecendo o dólar. O risco é que o dólar americano — que já está caro — se torne mais obviamente supervalorizado, e isso pode aumentar o risco de instabilidade financeira global."

Isso acontece, segundo ele, por um certo otimismo com a economia americana. No passado, o dólar se fortaleceu cada vez que a economia americana demonstrou força em relação às demais. E as previsões atuais são de uma expansão econômica americana mais vigorosa do que a da Europa e China.

Além disso, Lubin lista as próprias políticas propostas por Trump. Tarifas na importação de produtos — como o presidente eleito quer impôr a todo o resto do mundo, com especial atenção para a China — costumam provocar uma desvalorização das moedas estrangeiras.

Além disso, Trump promete cortar impostos, também repetindo o que foi feito em sua primeira gestão, o que pode gerar pressões inflacionárias nos EUA. E a forma para lidar com essas pressões seria aumentando a taxa de juros americana — outra medida que costuma valorizar o dólar americano.

Nesta quarta-feira (18/12), o banco central americano vai anunciar nova decisão sobre a taxa de juros. A expectativa do mercado é de um corte de 0,25 pontos percentuais, trazendo a taxa para uma banda entre 4,25% e 4,5%. Isso é um ponto percentual abaixo dos patamares de setembro, quando o banco central americano começou seus cortes.

A dúvida no mercado é sobre quão rápido e profundo será o corte dos juros nos próximos meses.

"O debate está acalorado", disse Diane Swonk, economista-chefe da KPMG à agência de notícias Reuters.

"A economia [americana] continua mais forte do que os participantes da reunião [do Federal Reserve] pensaram que estaria quando começaram a cortar [os juros] em setembro, e as medidas para conter a inflação parecem ter estagnado."

No Brasil, há um sentimento entre investidores de que o dólar possa cair nos próximos anos, com valorização do real, mas em patamares não muito distintos do atual. O boletim Focus, uma pesquisa do Banco Central com agentes de mercado brasileiro, veem o dólar caindo nos próximos anos — para R$ 5,85 (ao final de 2025), R$ 5,80 (2026) e R$ 5.70 (2027).

Mas essas projeções vêm subindo a cada semana — o que mostra que existe um sentimento de que não haverá muito espaço para a moeda brasileira se valorizar muito no futuro próximo.

 

¨      Haddad: BC e Tesouro combatem "movimentos especulativos" e dólar "vai se acomodar"

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), afirmou nesta quarta-feira (18) que a disparada do dólar verificada nas últimas semanas é resultado de um momento de grande expectativa em torno da aprovação das medidas fiscais no Congresso Nacional. 

Em entrevista coletiva, o chefe da equipe econômica procurou demonstrar confiança em uma acomodação do câmbio nos próximos dias. Haddad também reiterou a necessidade de que as medidas de corte de gastos analisadas pelo Legislativo nesta semana não sejam “desidratadas”.

“Nós estamos fazendo a nossa parte, que é garantir que elas não sejam desidratadas, convencendo as pessoas de que são medidas necessárias para reforçar o arcabouço fiscal do ponto de vista da despesa”, disse o ministro. 

“Eu penso estar havendo uma compreensão boa [por parte dos parlamentares]. As conversas com os relatores estão boas. Ontem já passou uma na Câmara e hoje devem ser votadas as outras duas, inclusive a PEC [Proposta de Emenda à Constituição]”, prosseguiu Haddad. 

O ministro confirmou que se reunirá, no início da tarde, com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), para alinhar o calendário de votações dos projetos do pacote fiscal. 

“Vou conversar agora com o presidente Pacheco para ver a hora-limite dele receber as medidas para conseguir votar amanhã ou, no máximo, na sexta-feira, e conseguir fechar o Orçamento, que depende dessas medidas para ficar organizado de maneira a respeitar os limites orçamentários previstos nas regras fiscais”, afirmou Haddad.

Segundo o ministro da Fazenda,  “a escala da contenção de gastos vai ser mantida”. “É importante manter isso em um patamar próximo do desejo do Executivo, para que não haja a desidratação das medidas. Tudo o que nós precisamos é garantir receita e despesa para cumprir as metas pretendidas”, disse. 

“Neste momento em que as coisas estão pendentes, tem um clima de incertezas que vai fazer o câmbio flutuar. Mas eu acredito que ele vai se acomodar. Tenho conversado muito com as instituições financeiras. Previsão de inflação para o ano que vem, previsão de câmbio para o ano que vem, até aqui, são melhores do que aquelas que os especuladores estão fazendo. O câmbio flutua, o BC tem atuado, o Tesouro passou a atuar na recompra de títulos, e nós vamos continuar acompanhando até estabilizar”, minimizou Haddad. 

Ainda de acordo com o chefe da equipe econômica, “a Fazenda trabalha com fundamentos” e “esses movimentos mais especulativos são coibidos com intervenção do Tesouro e do BC”. 

“Funciona assim. Já houve outros momentos na história recente em que aconteceram desancoragens desse tipo. Já houve dias tensos que depois se acomodaram”, afirmou Haddad. 

“[O corte de gastos] Não é um trabalho que se encerra. Nós vamos acompanhar e fazer uma avaliação do que foi aprovado. Temos a questão da desoneração da folha, que tem uma pendência no Supremo que vamos precisar resolver”, completou.

Às 12h51, o dólar à vista subia 1,35%, a R$ 6,177 na compra e R$ 6,178 na venda. 

Na terça-feira, o dólar à vista encerrou o dia em alta de 0,1%, cotado a R$ 6,0982 – o maior valor nominal de fechamento da história.

<><> Reforma tributária

Na entrevista aos jornalistas, Fernando Haddad também celebrou a aprovação da regulamentação da reforma tributária pela Câmara dos Deputados, na noite de terça-feira (17). 

O texto agora segue para a sanção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). 

“Foi um feito histórico, depois de mais de 30 anos de espera. Queria agradecer mais uma vez os presidentes das duas Casas. Sem que eles tivessem atuado pessoalmente na condução dos trabalhos, essa reforma teria sido impossível”, disse Haddad.

 

¨      "A indústria da fake news está trabalhando para a alta do dólar", denuncia Paulo Pimenta

A recente disparada do dólar nesta terça-feira (17), que se estende para esta quarta-feira (18), ganhou um novo capítulo após o ministro da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República (Secom-PR), Paulo Pimenta (PT), acusar a disseminação de fake news como responsável pela instabilidade cambial. Em publicação no X, antigo Twitter, o ministro afirmou que declarações falsas atribuídas a Gabriel Galípolo, futuro presidente do Banco Central, foram espalhadas por um perfil na rede social e amplificadas por influenciadores financeiros.

“A indústria da fake news está trabalhando para a alta do dólar. Segundo apuração da GloboNews, um perfil vinha divulgando aqui no X uma série de declarações falsas atribuídas a Gabriel Galípolo. Influenciadores do setor financeiro repercutiram as mentiras, causando pânico no mercado e fazendo o dólar disparar ontem", publicou, prometendo punição aos envolvidos na disseminação de informações falsas. "O perfil de fake news foi apagado, mas os criminosos serão encontrados e responsabilizados. A internet não é terra sem lei e quem comete crimes contra o Brasil não ficará impune!”, declarou Pimenta.

¨      "É caso de polícia", diz Cappelli sobre alta do dólar fabricada com base em fake news

O presidente da Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI), Ricardo Cappelli, usou as redes sociais para criticar as fake news envolvendo o diretor de Política Monetária e futuro presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo, que foram utilizadas como justificativa para o ataque especulativo do mercado financeiro que resultou na disparada do dólar nos últimos dias. 

“Criminosos. Uma fake news envolvendo o futuro presidente do Banco Central que foi reproduzida pelos parasitas do mercado financeiro está sendo apresentada como motivo para o ataque especulativo que fez o dólar subir. Isso é caso de polícia. Tem que botar na Cadeia. Todos”, postou Capelli no X, antigo Twitter. 

O dólar disparou nesta terça-feira (17), chegando a ser cotado em R$ 6,20, enquanto um perfil na rede social X postava declarações falsas atribuídas a Gabriel Galípolo. Com 3,5 mil seguidores, a conta foi replicada por influenciadores e analistas financeiros, aumentando uma suposta incerteza no mercado. No final da tarde, o dólar recuou  para R$ 6,08 , após o Banco Central intervir no mercado de câmbio e injetar US$ 3,3 bilhões em dois leilões

Em uma das falas falsas, Galípolo teria se referido ao dólar como "moeda estadunidense" e projetado sua cotação em R$ 5, o que teria causado agitação entre investidores e analistas econômicos. Em outra declaração (falsa), o economista teria dito que "a moeda dos Brics nos salvaguardaria da extrema influência que o dólar exerce no nosso mercado". Segundo o UOL, o perfil apontado como a fonte de origem da fake news foi apagado. 

 

Fonte: BBC News Brasil/Infomoney/Brasil 247

 

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