Subespécie de bactéria da boca pode estar
associada ao câncer colorretal
O câncer colorretal
está entre os cânceres mais comuns do Brasil e é cada vez mais frequente em
adultos jovens. Não à toa, pesquisadores do mundo todo buscam entender as
causas da doença e o que leva esse tumor crescer e se espalhar pelo corpo.
Entre os possíveis fatores pode estar um agente surpreendente, segundo um
estudo publicado recentemente na revista Nature: uma bactéria presente na nossa
boca, mais especificamente uma subespécie da Fusobacterium nucleatum (Fn).
Essa linhagem (chamada
F. nucleatum animalis C2, ou FnaC2) tem propriedades genéticas específicas que
podem permitir que ela resista a condições ácidas no estômago, infecte tumores
colorretais e potencialmente impulsione seu crescimento. Mas as novas descobertas
sugerem que, no futuro, esse micróbio poderia ser usado como alvo para detectar
e tratar o câncer colorretal mais precocemente.
Segundo Christopher D.
Johnston — um dos autores principais do estudo e pesquisador do MD Anderson
Cancer Center, nos EUA —, em 2022 a equipe por trás da nova pesquisa descobriu
que duas bactérias bastante conhecidas e comuns na nossa boca (Fusobacterium e
Troponema) estavam presentes, em altos níveis, em células tumorais do trato
gastrointestinal humano.
No novo trabalho, a
equipe se dedicou à análise das subespécies de F. nucleatum, batizadas de Fnn,
Fnv, Fnp, Fna, para tentar descobrir qual delas estaria mais associada ao
câncer colorretal. A ideia era entender se todas eram capazes de viajar da
cavidade oral para o tumor ou se havia alguma com mais facilidade para isso.
Para chegar ao
resultado, coletaram amostras de tumores e fizeram o sequenciamento genético.
Eles também usaram como base outros estudos genômicos comparativos, realizados
in vitro e in vivo, além de cortes de validação de pacientes com e sem câncer.
Descobriram, então,
que nem todas as subespécies de Fusobacterim nucleatum são igualmente
importantes no contexto do câncer colorretal — quem se destacou foi a FnaC2.
• Potencial vacina contra o câncer?
O primeiro impacto
dessa constatação é possibilitar que novos estudos se aprofundem na
investigação dessa sublinhagem. “Comparar os genomas dessas subespécies e cepas
que podem chegar aos tumores, versus aquelas que não podem, pode nos ajudar a
descobrir a base genética da colonização do tumor”, observa Johnston, em
entrevista à Agência Einstein.
Além disso, a
identificação da linhagem específica da bactéria que está presente no câncer
colorretal abre novos leques de possibilidades para rastreamento de populações
com maior probabilidade de abrigar esses microrganismos. “Com pesquisas
adicionais, talvez esse conhecimento possa ser usado para projetar kits de
triagem minimamente invasivos para detectar cânceres colorretais mais cedo e
até mesmo influenciar quais tratamentos podem ser prescritos para pacientes que
têm tumores com essas bactérias. Isso ainda está muito distante, mas é uma
direção que estamos seguindo”, destaca Johnston.
Mais do que isso: as
implicações podem ser preventivas e terapêuticas. “Conhecer e entender as
linhagens específicas de Fusobacterium nucleatum que estão realmente ligadas ao
câncer colorretal é crucial, porque nem todas as Fusobacterium nucleatum contribuem
para o risco de câncer da mesma forma”, pontua o pesquisador. “No caso da
associação do HPV [papilomavírus humano] com o câncer cervical, por exemplo,
esse conhecimento foi fundamental para o desenvolvimento de uma vacina eficaz
contra as linhagens específicas associadas ao maior risco da doença.”
• Todo mundo tem essa bactéria?
A cavidade oral contém
cerca de 700 espécies diferentes de bactérias. A Fucobacterium nucleatum é uma
das mais comuns, encontrada tanto no biofilme (placas bacterianas que se formam
em torno do dente) quanto na saliva. “A frequência dessa bactéria aumenta com o
acúmulo de biofilme, o que pode levar à gengivite, uma doença bucal presente na
maioria da população e que pode evoluir para periodontite se não for tratada”,
alerta Nidia Castro dos Santos, doutora em periodontia e professora do curso de
Odontologia da Faculdade Israelita de Ciências da Saúde Albert Einstein.
Para ela, a descoberta
desse novo estudo é muito importante, porque poderá tornar a FnaC2 um possível
marcador para tumores colorretais, oferecendo possibilidades para o
desenvolvimento de exames diagnósticos ou até mesmo de avaliação de risco de
câncer colorretal a partir de amostras orais. “Estudos futuros também poderão
focar no desenvolvimento de medicamentos que tenham a FnaC2 como alvo
terapêutico”, complementa.
Santos destaca ainda
que novas pesquisas devem avaliar se a presença dessa bactéria na boca aumenta
o risco para o câncer colorretal somente em pessoas com doenças gengivais ou
também em indivíduos com a saúde bucal em dia. “Seria interessante investigar
se o tratamento da periodontite poderia contribuir para a prevenção ou
tratamento do câncer colorretal, como já está estabelecido em pacientes com
diabetes, por exemplo”, sugere a docente.
• 18 dúvidas sobre como prevenir,
identificar e tratar o câncer colorretal
Cada vez mais
frequente em adultos jovens, o câncer colorretal (também chamado de câncer de
intestino) deve acometer quase 46 mil pessoas até 2025 no Brasil, segundo as
estimativas mais recentes do Instituto Nacional de Câncer (Inca). De início
silencioso, como acontece com a maioria dos tumores, a doença costuma se
manifestar com alterações nos hábitos intestinais, presença de sangue nas
fezes, dores abdominais e alterações no formato das fezes, que ficam mais finas
ou alongadas.
Um dos maiores
desafios é diagnosticar a doença cedo, para que o tratamento possa ser
curativo. O Inca preconiza o início do rastreamento em pessoas acima dos 50
anos, por meio do exame de sangue oculto nas fezes e, em caso positivo, deve
ser feita a colonoscopia. Mas, diante do crescente aumento de casos, várias
sociedades médicas – entre elas a Sociedade Brasileira de Coloproctologia –
passaram a recomendar a realização da colonoscopia para todos os adultos com
mais de 45 anos, mesmo sem sintomas.
“Por mais clichê que
pareça, todos os tumores diagnosticados no início podem ser curados. Portanto,
é possível curar o câncer de intestino. Por isso são tão importantes a
prevenção e a realização de colonoscopia em todas as pessoas a partir dos 45
anos, ou antes, em casos de histórico familiar ou sintomas”, afirma o
oncologista clínico Rodrigo Nogueira Fogace, do Hospital Israelita Albert
Einstein de Goiânia.
A seguir, ele responde
às principais dúvidas em relação à doença.
1 – Posso chamar
câncer colorretal de câncer de intestino?
Sim, são praticamente
sinônimos. É importante ressaltar que ele abrange os tumores que se iniciam na
parte do intestino grosso (cólon) e na porção final do intestino (reto).
2 – Quais são os
principais sintomas?
Os principais sinais
são sangramentos ao evacuar, dor abdominal, mudança do hábito intestinal
(intestino que naturalmente é preso começa a ficar solto ou vice-versa), fezes
mais finas que o normal. Anemia sem uma causa aparente também pode estar
relacionada a tumores de intestino, sendo esse um achado muito comum na prática
clínica.
3 – É verdade que ele
não apresenta sintomas na sua fase inicial?
Assim como a maioria
dos tumores, o câncer colorretal não costuma apresentar sintomas na fase
inicial. Por isso, é muito importante o rastreio, para que o diagnóstico seja
feito o mais rápido possível.
4 – Qual a média de
idade de pessoas com a doença?
A maioria dos casos
ocorre após a quinta década de vida, mais frequentemente a partir dos 60 anos.
Entretanto, o número de casos entre jovens está chamando a atenção de entidades
de saúde no mundo todo. Por isso, é possível que ocorram mudanças dessa característica
da faixa etária nas próximas décadas.
5 – É verdade que
pessoas negras têm mais risco?
É muito difícil
correlacionar a etnia com o risco de câncer no Brasil, já que a nossa população
é extremamente miscigenada. Entretanto, há fortes indícios de que
afrodescendentes são mais propensos a desenvolver câncer colorretal e em idade
mais jovem. Estudos nos Estados Unidos demonstram que cerca de um a cada 23
homens ou mulheres afro-americanos vão desenvolver câncer colorretal em algum
momento da vida.
6 – Por que é
importante observar o formato das fezes?
Por mais estranho que
pareça, o aspecto das fezes diz muito a respeito da saúde como um todo. O
formato, o odor e até a coloração podem direções quando se está investigando
alguma doença. Com relação ao câncer colorretal, como o intestino se assemelha
a um “túnel”, caso ele esteja semiobstruído por um tumor, por exemplo, o
formato das fezes pode se tornar mais fino. Essa é uma informação importante,
que sinaliza que é preciso investigar com mais profundidade a saúde intestinal
do paciente.
7 – Qual o papel da
alimentação e do consumo de ultraprocessados no desenvolvimento desse câncer?
A alimentação está
fortemente relacionada com o desenvolvimento de câncer colorretal, já que tudo
o que é consumido passa pelo intestino, podendo inflamá-lo constantemente ou
mantê-lo saudável. O consumo em excesso de produtos ultraprocessados pode aumentar
o risco de desenvolvimento da neoplasia em até 29%, o que é extremamente
elevado, quando se fala de um câncer tão frequente e agressivo.
8 – Existe algum
alimento que previna a doença?
Não há um alimento que
previne o câncer, uma vez que o desenvolvimento da doença depende de múltiplos
fatores. Entretanto, existem alguns alimentos que ajudam a reduzir o risco:
vegetais em geral, frutas e grãos ricos em fibras. É importante conscientizar a
população de que quanto mais fibras ingerirmos, menor é o risco de desenvolver
um câncer colorretal, pois as fibras funcionam como uma “escova” que reduz as
impurezas do intestino e diminui o tempo de exposição da mucosa intestinal aos
fatores cancerígenos dos alimentos.
9 – Quais são os
fatores de risco para a doença? Além de obesidade, constipação é um deles, por
exemplo?
A alimentação tem um
papel importantíssimo no desenvolvimento da doença, portanto, o consumo
excessivo de alimentos ultraprocessados, carne vermelha, fast-foods e álcool
são fatores de risco importantes. Vale citar também a questão familiar, pois
casos na família aumentam o risco de desenvolver a doença. Além disso,
diabetes, idade acima de 50 anos, sedentarismo e doenças inflamatórias
intestinais também estão relacionadas a uma maior probabilidade. Com relação à
constipação crônica, apesar de trazer uma certa preocupação, até hoje não foi
comprovado que aumenta o risco de desenvolver câncer colorretal.
10 – De que forma o
sedentarismo influencia no desenvolvimento desse câncer?
Quando falamos em
fatores de risco relacionados a hábitos de vida, é muito difícil dizer o real
impacto desse fator. Entretanto, sabemos que o sedentarismo altera o
metabolismo do corpo e, muitas vezes, pessoas sedentárias têm outros fatores de
risco não saudáveis, como sobrepeso, obesidade, etilismo, entre outros. A soma
desses fatores traz uma condição “pró-inflamatória” ao corpo, o que aumenta o
risco de desenvolvimento de diversas doenças, entre elas o câncer colorretal.
11 – A colonoscopia é
a única forma de diagnosticar a doença?
A colonoscopia é a
principal forma de diagnosticar a doença, pois é através dela que é retirada
uma amostra da mucosa do intestino, que será enviada para biópsia. Há outras
formas de diagnóstico, como a cirurgia de desobstrução intestinal. Entretanto,
isso ocorre em estágios mais avançados da doença.
12 – A colonoscopia
deve ser feita por todos? A partir de qual idade e com qual frequência?
A Sociedade Brasileira
de Coloproctologia indica que o rastreamento do câncer colorretal, na população
geral, deva iniciar aos 45 anos para todas as pessoas. Nos casos em que há
histórico familiar, recomenda-se realizar o rastreio 10 anos antes da idade que
o parente tinha quando foi diagnosticado.
13 – É verdade que
tomar AAS diariamente ajuda a prevenir a doença?
Estudos recentes
demonstram uma redução do risco de câncer colorretal com o uso de ácido
acetilsalicílico (AAS, ou aspirina), principalmente em pacientes mais jovens.
Houve uma redução aproximada de 33% no aparecimento de adenomas agressivos com
o uso de AAS.
Contudo, mais estudos
são necessários para comprovar esse achado, pois quando se fala de
quimioprevenção (uso de medicamentos para reduzir o risco de uma doença), é
preciso ter certeza se o medicamento não trará outros riscos que sejam até
piores que o próprio câncer. Ainda precisamos de dados robustos apontando se
essa redução realmente se traduz em diminuição de mortes por câncer de
intestino.
14 – A presença de
pólipos no intestino indica câncer colorretal?
Não. Pólipos são
pequenas elevações da mucosa do intestino e são extremamente comuns na
população. Entretanto, alguns desses pólipos podem possuir células que tendem a
gerar um tumor no futuro. Dessa forma, deve-se sempre retirar os pólipos
durante uma colonoscopia, evitando assim que alguns deles possam acarretar um
câncer colorretal.
15 – Lesões ou úlceras
no intestino significam que a pessoa tem câncer?
Não. Úlceras no
intestino podem indicar um processo inflamatório intestinal, assim como ocorrem
aftas na mucosa da boca. Mas todas as lesões ulceradas, principalmente aquelas
com as bordas mais elevadas, devem ser biopsiadas durante uma colonoscopia.
16 – Como é feito o
tratamento?
O tratamento depende
do estágio da doença. Nas fases iniciais (estágios 1 e 2), a doença é tratada,
na maioria dos casos, exclusivamente com cirurgia. Nos casos mais avançados,
que acometem os linfonodos (núcleos de defesa do intestino), o tratamento inclui
também quimioterapia preventiva após a cirurgia.
A doença que tem
metástase (com outros órgãos atingidos, estágio 4), é geralmente tratada com
quimioterapia. Atualmente, há medicamentos biológicos que impedem a
proliferação de vasos sanguíneos, ou que impedem a formação células por
inibirem proteínas específicas do tumor. Dependendo das características
individuais dos tumores, pode ser indicada a imunoterapia, um tratamento
moderno e eficaz, mas que não funciona para todos os casos.
17 – Todas as pessoas
com câncer colorretal terão que usar bolsa de colostomia?
Não. Geralmente, a
colostomia é necessária quando o paciente necessita de uma cirurgia de
emergência, como em um caso de obstrução aguda do intestino, ou até mesmo uma
perfuração intestinal. Outras indicações são quando o tumor ocorre no reto
baixo, que é a última porção do intestino e o paciente perde o controle das
funções do esfíncter.
Vale salientar que a
colostomia é necessária para a minoria dos pacientes com câncer colorretal, e a
realização de colonoscopia preventiva reduz muito o risco de ocorrer um tumor
avançado, que necessite de uma colostomia no futuro.
18 – A doença tem
cura?
Sim. Quanto mais
precoce for realizado o diagnóstico, maior a chance de cura. Existem alguns
casos em que é possível curar pacientes metastáticos para o fígado e para os
pulmões, mas as chances são reduzidas quanto mais avançada é a doença.
Fonte: CNN Brasil
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