Por que o agro retraiu enquanto o PIB
brasileiro apresentou melhora no 2º trimestre?
Carro-chefe da
economia brasileira, o agronegócio registrou uma queda de 2,3% no segundo
trimestre deste ano em relação ao primeiro trimestre, segundo dados recentes
divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
De acordo com o
instituto, a agropecuária foi o único setor que apresentou recuo no período,
contrariando a expansão do produto interno bruto (PIB), que registrou um
crescimento de 1,4% no segundo trimestre, alcançando 2,5% no acumulado dos
últimos 12 meses, colocando o Brasil em sexto lugar entre as economias do G20
que mais cresceram neste ano.
Entre junho de 2023 e
junho deste ano, o Brasil só cresceu menos do que Índia, Indonésia, China,
Rússia e Estados Unidos — e igualou o índice da Turquia.
Em entrevista ao
podcast Jabuticaba Sem Caroço, da Sputnik Brasil, analistas explicam o que
possibilitou o bom desempenho da economia brasileira e por que o setor que é
motor propulsor do país apresentou uma queda tão significativa.
Paulo Renato Marques,
engenheiro e presidente da Empresa de Pesquisa Agropecuária do Estado do Rio de
Janeiro (Pesagro-Rio), afirma que os resultados refletem as subidas e descidas
em função das safras e as enchentes ocorridas no estado do Rio Grande do Sul,
que ele afirma terem tido uma proeminência muito grande na questão do
agronegócio. Ele pondera, no entanto, que a tendência para os próximos meses é
de recuperação.
"A tendência é a
gente voltar aos patamares, até porque a gente tem um agro absolutamente sólido
nas principais cadeias, […] de milho, soja, a própria carne de boi, suínos,
algodão", afirma.
O presidente da
Pesagro-Rio acrescenta que o Brasil é um grande produtor mundial de alimentos e
que terá de se adaptar às alterações climáticas, que tornaram mais frequentes
períodos de secas prolongadas e chuvas severas.
"A gente vai ter
que aprender a driblar, na medida do possível, esses eventos climáticos graves,
para que a gente possa continuar tendo a produção que a gente vem tendo,
principalmente na parte de grãos, que é um carro-chefe de muita monta, não só na
produção de grãos para exportação, mas de grãos para alimento animal",
afirma.
Ele alerta que
"eventos severos com secas prolongadíssimas, com baixíssima umidade, e o
Centro-Oeste vivendo uma umidade relativa do ar de 7% não era um ambiente que a
gente estava acostumado a ver".
"E esses
veranicos, no inverno, tendo temperaturas de 40 °C, com umidade de 7%, isso é
extremo. E esse extremo a gente não estava acostumado a ver, sobretudo com
períodos prolongados, da forma que está sendo", acrescenta.
Marques ressalta
também que o agro não deve ser inimigo do meio ambiente e vice-versa, uma vez
que, segundo ele, "não dá para existir um sem o outro".
"A gente não
imagina o Brasil como uma grande fronteira agrícola, trabalhando dissociado do
meio ambiente e o meio ambiente dissociado da produção do agro. Não existe essa
possibilidade, mas existe, sim, a necessidade de a gente colocar toda a nossa
tecnologia, todo o nosso conhecimento de todos os órgãos municipais, estaduais
e federais, para que a gente possa mitigar essa questão […]. A palavra de ordem
no agro é produzir mais com menos. Esse é o grande desafio desta próxima
década. A gente vai ter que usar menos solo, a gente vai ter que usar menos
água, a gente vai ter que usar menos defensivo, a gente vai ter que usar menos
e produzir mais."
Ele aponta ainda que
outro desafio para o agro é o crescimento da população urbana em todo o
planeta, que, segundo dados da Organização das Nações Unidas para Alimentação e
Agricultura (FAO, na sigla em inglês), chegará a 70% nas próximas duas décadas.
"Então a gente
vai aumentar a população urbana e, por conseguinte, a gente aumenta a renda
média e a produção de alimento. Como é que fica? A gente não consegue aumentar
as fronteiras agrícolas, via de regra, no mundo", comenta.
Safra recorde de 2023
impactou números deste ano
Felippe Cauê Serigati,
pesquisador do FGV Agro, explica que os números deste ano registrados pelas
atividades da agroindústria e agropecuária têm apresentado "uma trajetória
de crescimento bem sustentada na economia brasileira, e não é de hoje".
"No entanto essa
trajetória de crescimento, ela não é linear. Não é assim, 'Você vai crescer
todo ano'. Não é assim que funciona, principalmente porque a gente não pode
esquecer que a produção agropecuária está fortemente associada a ciclos
biológicos […]", afirma.
Serigati explica que
um bom resultado na produção depende de diversos fatores que estão fora do
controle das unidades produtivas, como a questão climática. Por isso, aponta,
essa variação é normal, tendo anos com safra cheia e anos com quebra de safra.
"É verdade que
essa volatilidade tem aumentado nos últimos anos, mas não é um processo de que
você tenha total controle. Então você ter um ano com quebra de safra faz parte
do setor. Em outras palavras, o que nós temos observado este ano, em termos numéricos,
em termos de volume de produção, não é nada fora do comum. Vai ser uma
contração comparada com o resultado do ano passado? Sem dúvida. Mas ano passado
nós colhemos uma safra recorde. Você não vai fazer safra recorde todo ano, não
é assim que funciona."
Entretanto, o
pesquisador concorda que a questão climática impacta no agronegócio por conta
da escassez hídrica e das temperaturas elevadas, e cita como exemplo a produção
de café.
"O café, para ter
uma boa produtividade, em geral, ele demanda uma temperatura média que não é
muito elevada […]. O que nós temos observado, principalmente ao longo do mês de
agosto e de uma parte de setembro, é que há ainda uma escassez hídrica forte e
temperaturas acima da média. Alguns cafezais, então, já entraram no processo de
floração, mas como está acontecendo fora das condições minimamente ideais,
provavelmente a planta vai abortar essa floração. Então você vai ter uma
produção menor — aquele café vai gerar frutos, a frutinha ali do café, em uma
quantidade menor, e também frutos mais irregulares."
Hélio Sirimarco,
vice-presidente da Sociedade Nacional de Agricultura (SNA), afirma que apesar
dos efeitos climáticos, as projeções para a safra de grãos para o período
2024–2025 são positivas.
"A Conab
[Companhia Nacional de Abastecimento], por exemplo, soltou essa semana o seu
primeiro relatório estimando a safra de grãos 2024 para 2025. Então, ela está
estimando em 326,9 milhões de toneladas. Se isso se concretizar, esse volume
vai representar um aumento de 8% em relação à safra 23-24. Então, ela está
imaginando que vai haver um aumento diário em função disso. Agora, essa
produção vai depender exatamente das condições climáticas ideais".
Ele acrescenta que por
conta dessas variações climáticas os produtores "dando conta cada vez mais
da importância do seguro rural", instrumento concedido pelo governo
federal a produtores para minimizar as perdas resultantes de eventos imprevisíveis,
como fenômenos climáticos.
"O produtor está
se conscientizando cada vez mais de que tem que gerir ou tem que fazer a sua
gestão de risco. E um dos riscos que o produtor ocorre é exatamente problema
climático. Isso pode acontecer e eu tenho que me proteger. Da mesma forma que nós
fazemos seguro de casa, de carro, enfim, é normal isso", afirma Sirimarco.
Fonte: Sputnik Brasil
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