A música
já foi proibida em alguns países – mas seus artistas encontraram uma maneira de
tocar
Banir músicas das
ondas de rádio é uma coisa, mas algumas nações proibiram a música
completamente em seus países por muito tempo. O poder da música de
provocar e unir tem sido, há muito tempo, uma faca de dois gumes.
Seja por motivos
religiosos, políticos ou morais, as músicas que desafiam o
status quo são frequentemente silenciadas. A famosa rede de comunicação
britânica BBC se recusou a tocar a música “God Save the
Queen” da banda de punk rock Sex Pistols. Por um momento, os
Estados Unidos proibiram faixas dos The Beatles; a China
proibiu o K-Pop (ritmo pop sul-coreano) temendo sua influência
global; já a Alemanha nazista proibiu o jazz na época e
a ditadura militar do Brasil censurou 500 músicas
entre 1964 e 1985.
Algumas proibições,
entretanto, foram mais abrangentes ao longo da história. Quando
o Talibã retomou o poder no Afeganistão em 2021, restabeleceu sua proibição anterior de
música. No entanto, apesar dessas restrições, a capacidade da música de
desafiar a repressão continua a ecoar em todo o mundo.
“Um governo pode
reprimir qualquer tipo de produção musical que desejar, mas a produção
musical continuará”, diz Marianne Franklin, autora do artigo acadêmico “Global
Music Politics: Whose Playlist for Troubled Times”.
·
O ano em que a música parou
Em 1975, o Khmer
Rouge, um movimento comunista radical, iniciou seu reinado de terror
no Camboja. Os cidadãos foram
despojados de suas casas, bens e cultura, e qualquer pessoa que pudesse
desafiar o novo regime, inclusive intelectuais e artistas, foi
morta. Durante quatro anos, o Khmer Vermelho apagou grande parte
do rico patrimônio cultural do Camboja, inclusive sua música.
Antes do que foi
chamado de Ano Zero, o Camboja estava em meio a uma era de ouro da
música nos anos 1960 e início dos anos 1970. As pistas de dança estavam cheias
de homens em ternos elegantes e mulheres em minissaias, dançando ao som
de músicas psicodélicas inspiradas nos sons do rock'n'roll, que chegavam
pelas ondas de rádio dos barcos americanos estacionados no Mar do Sul da
China.
Artistas cambojanos,
como a estrela pop Sin Sisamouth, eram nomes conhecidos. Embora algumas
pessoas tenham tentado salvar seu patrimônio musical escondendo
discos, o reinado do Khmer Vermelho tornou quase impossível preservar essa
cultura vibrante.
“Quando a música é proibida, esses benefícios são
perdidos, levando a um vazio emocional e psicológico significativo”, afirma
Ehab Youseff, psicoterapeuta radicado no Egito.
Agora, décadas depois,
o Camboja está começando a recuperar seu patrimônio musical perdido.
O Gong, o maior centro cultural e de artes do Camboja, acaba de ser
inaugurado a 59 Km a nordeste de Phnom Penh. Com um moderno estúdio de
gravação e um auditório de 140 lugares, o Gong tem como objetivo celebrar,
preservar e revitalizar a música cambojana, documentando a música
tradicional do Khmer e apoiando novos artistas com tecnologia de
ponta.
A cantora e
compositora Lomorkesor Rithy, conhecida como Kesorrr, foi uma das
primeiras a se apresentar no The Gong. Tendo crescido com a música
ocidental, mais tarde ela procurou explorar a Era de Ouro do Camboja e foi
cofundadora do Plerng Kob, um centro criativo, e do Bonn
Phum, um festival cultural anual.
No pós-guerra,
Lomorkesor diz que a cena musical cambojana era composta por covers e cantores
de karaokê. “Agora temos pop, rock, R&B e hip-hop [originais]”, diz
ela. “Houve um momento em que perdemos nossa identidade. Temos que começar
do zero e encontrar os sons novamente.”
A diáspora
cambojana também está espalhando a palavra. A banda norte-americana Dengue
Fever, com a participação do vocalista cambojano Chhom Nimol, lançou seu
álbum Ting Mong em 2023, inspirado na música cambojana dos anos 1960. Seu
sucesso na Europa e nos Estados Unidos e suas aparições na TV cambojana
destacam o interesse global no patrimônio musical do Camboja.
Zac Holtzman,
cofundador da banda, disse que eles ficaram surpresos com a resposta que
receberam durante a turnê pelo Camboja. “Um cara que estava quase chorando
disse que o Camboja está mal há algum tempo, e isso é muito bom para
lembrarmos que temos uma bela música e que ela não foi esquecida no país.”
·
Apresentações escondidas
Enquanto
o Camboja trabalha para reviver seu patrimônio musical, outros países
continuam a navegar no equilíbrio entre a expressão artística e as
restrições governamentais. Nas décadas de 1960 e 1970, a Arábia
Saudita promoveu ativamente as artes.
No entanto, isso mudou
radicalmente em 1979, quando a al-Jamaa al-Salafiya al-Muhtasiba, liderada
por um pregador, tomou a Grande Mesquita de Meca. Pouco tempo depois, o governo
saudita adotou uma postura mais conservadora, resultando no fechamento de
cinemas e na proibição de apresentações musicais públicas.
Para Emad Ashour, 44
anos, de Jeddah, essa mudança significou perseguir sua paixão pela música
a portas fechadas. Inspirado por famosas bandas de rock ocidentais como Metallica e Kiss,
Ashour aprendeu a tocar guitarra sozinho e acabou formando a
banda de heavy metal chamada Immortal Pain,
em 2005. “Naquela época não havia internet, então comecei a aprender sozinho,
fiz algumas aulas e estudei livros.”
Ashour e sua banda
passaram a fazer parte de uma cena underground de heavy
metal na Arábia Saudita, apresentando-se apenas em locais
privados devido à falta de licenças oficiais.
Uma nova era
começou com a ascensão de um novo rei em 2015, levando a mudanças
rápidas à medida que a Arábia Saudita buscava diversificar sua economia para
além do petróleo. Em 2017, Riad sediou seu primeiro show ao vivo em 25
anos.
Logo depois, o país
começou a construir uma arena esportiva e de entretenimento com 20
mil lugares perto da cidade de Diriyah, que faz parte da Unesco. Conhecidos
cantores internacionais como o rapper Post Malone se apresentaram no
reino, e o festival Soundstorm, uma rave de quatro
dias no deserto onde homens e mulheres dançam juntos sem segregação, tornou-se
um destaque.
Em 2021, a Immortal
Pain se tornou a primeira banda de heavy metal a
se apresentar publicamente em um evento de grande escala na Arábia Saudita, na Comic
Con Arabia em Jeddah. “Não havia medo”, conta Ashour. “Havia uma
empolgação porque finalmente nossa música estava sendo reconhecida.”
Desde o show, outras
bandas de heavy metal se apresentaram, como o Metallica e
uma banda de rock psicodélico saudita só de mulheres, a Seera,
que se apresentou na cidade de Riad.
“Pode-se dizer que
temos um pouco de inveja, pois hoje em dia é mais fácil”, revela Ashour. “Mas
temos orgulho do que aconteceu nos anos 1990, da luta para encontrar
lugares [underground] para tocar. Era emocionante.”
·
Encontrando um novo ritmo
Os povos saudita
e cambojano não são os únicos que sofreram restrições severas à sua
música. No Irã, a revolução de
1979 interrompeu repentinamente a música, pois os novos líderes islâmicos
xiitas achavam que ela corrompia os jovens. A música tradicional pôde ser
tocada dentro de alguns meses, mas as faixas ocidentais e as cantoras solo não
eram mais culturalmente aceitáveis.
Agora, 45 anos depois,
a música clássica, folclórica e pop
iraniana preenche as vias aéreas, e os artistas de rua podem ser
vistos nas vias públicas da capital do país, Teerã. O músico eletrônico
ocidental Schiller chegou a se apresentar em Teerã em 2017.
Entretanto, nem
todos os artistas têm a liberdade de se apresentar abertamente. Cantoras solo
podem aparecer no The Voice Persia, mas o programa é gravado na
Suécia. Enquanto isso, a música rap ganhou popularidade, mas os artistas
que escrevem letras consideradas ameaçadoras pelas autoridades podem ser
presos.
Fonte: National
Geographic Brasil
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