José Guimarães,
líder do governo: "Desmontamos a bagunça de Bolsonaro"
O
líder do governo na Câmara, deputado José Guimarães (PT-CE), segue para o
recesso legislativo com a sensação de "dever cumprido". Ele foi um
dos arquitetos da aprovação da reforma tributária — uma exigência de diversos
setores produtivos há quase seis décadas — e do projeto de lei que restaura o
voto de qualidade no Conselho de Administração de Recursos Fiscais (Carf) em
favor da União. Mas, em maio, foi necessário que o presidente da Câmara, Arthur
Lira (PP-AL), o defendesse publicamente para que não fosse tragado pelas
críticas à articulação política do governo. Nos bastidores, interlocutores do
Congresso com o Palácio do Planalto garantiam que o entendimento entre
Guimarães e os ministros Alexandre Padilha (Relações Institucionais) e Rui
Costa (Casa Civil) era difícil. Para o líder, porém, esta fase está superada.
"Fizemos um trabalho bem concatenado, nunca teve divergência fundamental
entre mim e o ministro Padilha", assegurou.
>>>
Confira os principais pontos da entrevista.
• Qual o balanço que o senhor faz da
articulação do governo neste primeiro semestre, de muito tumulto para o país?
Conseguimos
votar a PEC da reforma tributária, o PL do Carf, o Programa de Aquisição de
Alimentos (PAA) e deixamos encaminhado o marco fiscal. Votamos todas as
matérias de interesse do governo, não sobrou uma. Nem nos tempos áureos do
primeiro para o segundo mandato do presidente Lula votamos tanta coisa
consistente para o país. Nunca vi, em um semestre, votar matérias tão decisivas
para a reconstrução da economia. A reforma tributária estava dormindo há 40
anos nas gavetas da Câmara. Desmontamos a bagunça fiscal feita pela turma do
(ex-presidente Jair) Bolsonaro e aprovamos uma regra consistente, que garante a
previsibilidade.
• Qual a importância do PL do Carf para a
pauta econômica?
Fundamental
para elevar as receitas, é um complemento do arcabouço (fiscal). Essa conversa
de que o voto de qualidade do Carf tem que ser mantido a favor do contribuinte,
é preciso lembrar que esse contribuinte não é pequeno, médio ou grande. É o
super-rico! É ele que detém esse volume enorme de recursos.
• Na articulação para a aprovação da
reforma, a participação do governador paulista, Tarcísio de Freitas
(Republicanos), foi importante. Como o senhor a avalia?
Coitado
do Tarcísio, foi até vaiado (na reunião do PL, da qual participou para tentar
convencer deputados do partido a votarem a favor da reforma). A vitória da PEC
é uma vitória coletiva: do governo, da Câmara e de todos que participaram do
esforço pela aprovação.
• A oposição baixou o tom depois do apoio
do Tarcísio?
Aquele
encontro dele com o Haddad foi decisivo para a recomposição das bases para
votar a reforma. Cada qual lida com as consequências.
• Essas últimas liberações de emendas
foram recorde. Isso ajudou na aprovação da reforma tributária e no PL o Carf?
Não
tem nada a ver. Isso é um processo cumulativo. Chegou a hora, o sistema
despacha. É um processo natural.
• O arcabouço está azeitado para ser
votado?
O
senado fez quatro pequenas mudanças, o que não tem problema nenhum. Mas tem uma
divergência, que não é nem no governo, sobre o Fundo Constitucional do Distrito
Federal. Se quiser tirar (do arcabouço), a gente tira. Não vou mexer no Fundeb
(Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos
Profissionais da Educação). Estamos dispostos a votar o texto do Senado para
não ter nem destaque. É o que eu vou defender.
• Mas nem tudo foi vitória. Teve o
desgaste de rever o marco do saneamento básico, a medida provisória da
formatação da Esplanada dos Ministérios…
Foi
a mais doída. A maioria dos líderes não queria votar e o governo estava
emperrado na agilização dos pleitos dos parlamentares. Mas superamos esta fase.
Foi no gogó, foi com a palavra, com credibilidade, comprovando. Foi exaustivo,
mas venceu o espírito colaborativo da Casa. Todos compreenderam a minha missão
e deram o crédito de confiança. A Câmara tem colaborado, a despeito do tamanho
da base, com aquilo que é fundamental para o governo Lula, que é a reconstrução
do Brasil. Fizemos um trabalho bem concatenado, nunca teve divergência
fundamental entre mim e o ministro (Alexandre) Padilha. Sempre dialogando e
está aí o resultado.
• O Palácio do Planalto entendeu o recado
do decreto do saneamento?
Na
política sempre tem recados, encaro isso com a maior naturalidade. Até nós do
PT damos recados, desde que os recados sejam feitos com transparência.
• Um parlamentar do Centrão nos falou
sobre a importância de o governo ampliar a base para evitar surpresas. Isso é
tão importante assim para evitar surpresas no próximo semestre?
Depende
da matéria. Vou exemplificar: colocamos para votar uma matéria de costumes. A
gente leva lapada. Tem uma maioria aqui que é de outro padrão ideológico, mas
nas questões centrais do governo, que são econômicas, estamos dando de 13 a
zero. O país mudou muito, o governo é outro, a Câmara é outra, o presidente é
outro e temos um ministro com muita credibilidade, o (Fernando) Haddad.
• O senhor pode ganhar o reforço da
ministra demissionária do Turismo, Daniela Carneiro...
Um
governo de coalizão sempre está em processo de avaliação dos seus ministros e
ministérios, é natural. Encaro eventuais trocas como naturais, não tem nada de
crise. A bancada do União Brasil é grande, 59 deputados. Não conheço tanto a
Daniela, mas esteve com Lula e ajudou bastante (na eleição). Se ela voltar para
a Câmara, vou convidá-la para ser minha vice-líder.
• Essa é a moeda de troca que haverá com o
União?
Não,
eu quero convidá-la. O (Celso) Sabino é um excelente deputado, presidiu a
Comissão Mista do Orçamento, é muito republicano na conduta, contribuiu para
aprovar as contas da (ex-presidenta) Dilma (Rousseff). São dois bons quadros que
temos na câmara, independentemente de ser partido A ou partido B. Essas trocas
precisam ser encaradas como naturais.
• Uma queixa que os deputados tinham era o
"chá de cadeira" para conversar com os ministros para o
encaminhamento de demandas. Está resolvido?
Isso
acontece em todos os quadrantes da República, aconteceu no passado e acontece
no presente. Tem ministro com 80 pedidos para atender deputados. Acho que o
melhor para a relação é o ministro vir aqui, na liderança do governo na câmara.
Camilo (Santana, da Educação) já veio, Juscelino (Filho, Comunicações), Simone
(Tebet, Orçamento e Planejamento) — estou sugerindo que venham atender uma vez
por semana aqui. Atende 30, 40 deputados. Não pode é deixar de atender. Isso é
um desrespeito àqueles que estão aqui porque têm voto.
• Desde a MP da Esplanada, a articulação
do governo melhorou?
Tem
evoluído. Primeiro, pelo diálogo que a gente faz todos os dias. Isso aqui é uma
máquina de moer gente porque, a toda hora, tem que estar ligado, conversando,
negociando. Em segundo lugar, o governo está agilizando os pleitos, a
composição do governo, as emendas. Quando se fala em emenda, todo mundo se
arrepia. O deputado tem direito, é só botar no Portal da Transparência. Minhas
emendas estão no sistema, quem quiser ver vê. Boto todas para o Ceará.
• Há pouco mais de um mês, o senhor foi
defendido publicamente pelo presidente da Câmara, Arthur Lira, durante uma
crítica que ele fez à articulação política do governo, que vinha capengando.
Como o senhor recebeu isso?
Tem
algum líder de governo que não dialogue com o presidente da Câmara? Fui líder
da Dilma na presidência de Eduardo Cunha. Tomava café duas três vezes por
semana com ele para discutir a pauta do governo. Estou praticamente todo dia na
residência oficial do presidente da Câmara porque sou líder do governo. Minha
missão é arrumar voto para o governo.
• Sobre as pautas que são vistas como
ideológicas pela oposição e pelo Centrão — as ambientais e sobre a questão
indígena —, como ajustar para que não sejam derrubadas?
No
governo, a questão ambiental é estratégica e a indígena é importante. Essa é a
agenda do mundo. Quem está contra é porque foi contra o programa do Lula. A
mudança da questão indígena que teve para mim não altera em nada. Tirar a
demarcação do Ministério dos Povos Indígenas e botou no da Justiça. Será que o
Flávio Dino vai fazer sacanagem com os indígenas? Claro que não. A questão
ambiental é compromisso do mundo inteiro e qualquer coisa contradiga isso, o
mundo reage. Afinal, o Brasil sediará a COP30.
Nordeste vai pressionar Senado para
definir divisão de verbas na reforma
A
Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da reforma tributária aprovada pela
Câmara na madrugada desta sexta, 7, inflamou a disputa entre Estados do
Nordeste e do Sudeste em torno da divisão de recursos do bilionário Fundo
Nacional de Desenvolvimento Regional (FNDR), que deve ter patrimônio de pelo
menos R$ 40 bilhões e ser usado para diminuir as disparidades regionais.
Insatisfeitos
com o texto, os Estados do Nordeste vão buscar o apoio do Norte e do
Centro-Oeste para pressionar pela definição dos critérios de divisão do
dinheiro do fundo, no que promete ser um dos principais embates em torno da
reforma no Senado – onde o projeto passará a tramitar após o recesso parlamentar.
Os
governadores do Nordeste se sentiram traídos nas negociações porque o
presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que é uma liderança política da
região, aceitou que o modelo de partilha só seja definido em legislação
complementar, ou seja, fora do texto da Constituição. Segundo apurou o Estadão,
esse foi um pedido do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas
(Republicanos), abraçado por Lira.
A
insatisfação foi maior porque, para atender Tarcísio, foi incluído no texto um
modelo de governança do Conselho Federativo, instância que vai gerir o Imposto
sobre Bens e Serviços (IBS). O novo tributo vai unificar o ICMS (estadual) e o
ISS (municipal). Para os representantes do Nordeste, não há justificativa para
a governança do conselho ter ficado no texto constitucional, e a partilha do
fundo, fora.
Lira
acenou que vai resolver a divisão de recursos na legislação complementar, e
prometeu a líderes e governadores garantir o apoio de um quórum de PEC, ou
seja, de 308 votos a favor – sendo que a aprovação de uma lei exige 257 votos.
Os Estados do Nordeste querem, no entanto, resolver a fatura ainda na reforma
tributária, durante a tramitação no Senado, e desejam também pressionar a União
a elevar o valor reservado ao fundo da previsão atual de R$ 40 bilhões para R$
75 bilhões.
Uma
das saídas aventadas para isso seria deslocar parte do valor de um outro fundo
previsto na PEC – para compensar o fim de benefícios fiscais – para o fundo de
desenvolvimento. Pelo texto que passou na Câmara, esse fundo de compensação vai
vigorar de 2025 a 2032, também será financiado pela União e terá, no total, R$
160 bilhões.
Até
pouco antes do início da votação, ainda na noite de quinta-feira, os Estados do
Nordeste contavam que a divisão do dinheiro do fundo de desenvolvimento ficaria
no texto. Mas o relator da reforma, Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), acabou retirando
esse ponto da proposta para não prejudicar o andamento da votação, uma vez que
não havia consenso sobre os critérios de divisão.
• Impasse
Os
Estados do Nordeste tentam emplacar a divisão usando como critério o chamado
“PIB invertido”, pelo qual os Estados mais pobres receberiam mais. Os
governadores do Sul e Sudeste admitem receber menos, mas querem inserir algum
tipo de mecanismo adicional que permita o acesso a uma fatia maior de recursos
do que se fosse utilizado apenas o critério da renda. O impasse, que já dura
meses, não cessou até a votação, o que desagradou aos nordestinos.
“Vamos
buscar colocar na PEC, durante a votação no Senado, os critérios de divisão do
fundo de desenvolvimento do mesmo jeito que colocaram a demanda dos Estados do
Sul e Sudeste”, disse o governador do Piauí, Rafael Fonteles (PT).
No
dia seguinte, Raquel Lyra (PSDB), governadora de Pernambuco, endossou a fala de
Fonteles. “É necessário que o critério de distribuição do fundo seja
inversamente proporcional ao PIB per capita de cada Estado. É claro que, quem
tem menos, precisa de mais. Caso contrário, não falaremos de incentivar o
desenvolvimento regional, mas da manutenção das desigualdades existentes”,
disse. “Não descansarei até garantir que sejamos colocados na posição
necessária e justa.”
Nesse
caldo de insatisfações, sobrou até para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva,
que optou por tomar distância da reforma tributária. Os nordestinos esperavam
que ele se empenhasse pelo menos para ajudar nesse ponto na negociação com o
ministro da Fazenda, Fernando Haddad.
Os
Estados do Nordeste, Norte e Centro-Oeste temem que, além de “mandar” no
Conselho Federativo, os Estados mais populosos do Sul e Sudeste também fiquem
com os recursos do FNDR, que levou à inclusão do nome “nacional” no título –
justamente para possibilitar a divisão entre todos as unidades federativas.
• Emenda ‘Cavalo de Troia’ autoriza
Estados e DF a criar novo tributo
A
proposta de reforma tributária aprovada na madrugada de ontem na Câmara
autoriza os Estados e o Distrito Federal a criar um novo tributo local para
financiar investimentos até 2043. A autorização foi incluída na “emenda
aglutinativa” apresentada em plenário durante a votação.
Essa
emenda atendia a diversos pedidos de setores e até mesmo do governo Lula.
Apelidada de “Cavalo de Troia”, tem 34 páginas e artigos que beneficiam de
igrejas a clubes esportivos.
Permite,
por exemplo, que governadores criem uma contribuição sobre produtos primários e
semielaborados produzidos em seus Estados. Esse tipo de contribuição, até
agora, era prerrogativa da União.
Para
o tributarista Luiz Bichara, do escritório Bichara Advogados, a emenda cria uma
nova competência constitucional, dando autorização para que os Estados criem
tributos novos. Seria, diz, um “descompromisso” da Proposta de Emenda à
Constituição (PEC) aprovada na Câmara com a manutenção da carga tributária.
“Certamente
estamos diante de um dispositivo que vai onerar exportações”, disse. “Amanhã os
Estados poderão tributar com essa nova contribuição petróleo, energia,
minério…”, afirmou.
• Imunidade
A
PEC da reforma tributária também ampliou a imunidade tributária de “templos de
qualquer culto”, incluindo “suas organizações assistenciais e beneficentes”, na
contramão da tentativa feita pela Receita Federal nos últimos anos de diminuir
essas isenções.
O
texto também prevê novas hipóteses de alíquotas reduzidas em 60% do novo
imposto para produtos e insumos aquícolas, atividades desportivas e
cibersegurança.
Tributaristas
alertam que, quanto maior o número de atividades beneficiadas por alíquotas
reduzidas, maior será a alíquota padrão.
Além
disso, estabelece a volta do programa emergencial de retomada do setor de
eventos (Perse); a isenção para reabilitação urbana de zonas históricas e
reconversão urbanística; e a obrigatoriedade para que o ministro da Fazenda
compartilhe dados e informações, inclusive as protegidas por sigilo fiscal,
para cálculo das alíquotas de referência pelo Senado.
Fonte:
Correio Braziliense/Agencia Estado
Nenhum comentário:
Postar um comentário