terça-feira, 11 de julho de 2023

José Guimarães, líder do governo: "Desmontamos a bagunça de Bolsonaro"

O líder do governo na Câmara, deputado José Guimarães (PT-CE), segue para o recesso legislativo com a sensação de "dever cumprido". Ele foi um dos arquitetos da aprovação da reforma tributária — uma exigência de diversos setores produtivos há quase seis décadas — e do projeto de lei que restaura o voto de qualidade no Conselho de Administração de Recursos Fiscais (Carf) em favor da União. Mas, em maio, foi necessário que o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), o defendesse publicamente para que não fosse tragado pelas críticas à articulação política do governo. Nos bastidores, interlocutores do Congresso com o Palácio do Planalto garantiam que o entendimento entre Guimarães e os ministros Alexandre Padilha (Relações Institucionais) e Rui Costa (Casa Civil) era difícil. Para o líder, porém, esta fase está superada. "Fizemos um trabalho bem concatenado, nunca teve divergência fundamental entre mim e o ministro Padilha", assegurou.

>>> Confira os principais pontos da entrevista.

•        Qual o balanço que o senhor faz da articulação do governo neste primeiro semestre, de muito tumulto para o país?

Conseguimos votar a PEC da reforma tributária, o PL do Carf, o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e deixamos encaminhado o marco fiscal. Votamos todas as matérias de interesse do governo, não sobrou uma. Nem nos tempos áureos do primeiro para o segundo mandato do presidente Lula votamos tanta coisa consistente para o país. Nunca vi, em um semestre, votar matérias tão decisivas para a reconstrução da economia. A reforma tributária estava dormindo há 40 anos nas gavetas da Câmara. Desmontamos a bagunça fiscal feita pela turma do (ex-presidente Jair) Bolsonaro e aprovamos uma regra consistente, que garante a previsibilidade.

•        Qual a importância do PL do Carf para a pauta econômica?

Fundamental para elevar as receitas, é um complemento do arcabouço (fiscal). Essa conversa de que o voto de qualidade do Carf tem que ser mantido a favor do contribuinte, é preciso lembrar que esse contribuinte não é pequeno, médio ou grande. É o super-rico! É ele que detém esse volume enorme de recursos.

•        Na articulação para a aprovação da reforma, a participação do governador paulista, Tarcísio de Freitas (Republicanos), foi importante. Como o senhor a avalia?

Coitado do Tarcísio, foi até vaiado (na reunião do PL, da qual participou para tentar convencer deputados do partido a votarem a favor da reforma). A vitória da PEC é uma vitória coletiva: do governo, da Câmara e de todos que participaram do esforço pela aprovação.

•        A oposição baixou o tom depois do apoio do Tarcísio?

Aquele encontro dele com o Haddad foi decisivo para a recomposição das bases para votar a reforma. Cada qual lida com as consequências.

•        Essas últimas liberações de emendas foram recorde. Isso ajudou na aprovação da reforma tributária e no PL o Carf?

Não tem nada a ver. Isso é um processo cumulativo. Chegou a hora, o sistema despacha. É um processo natural.

•        O arcabouço está azeitado para ser votado?

O senado fez quatro pequenas mudanças, o que não tem problema nenhum. Mas tem uma divergência, que não é nem no governo, sobre o Fundo Constitucional do Distrito Federal. Se quiser tirar (do arcabouço), a gente tira. Não vou mexer no Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação). Estamos dispostos a votar o texto do Senado para não ter nem destaque. É o que eu vou defender.

•        Mas nem tudo foi vitória. Teve o desgaste de rever o marco do saneamento básico, a medida provisória da formatação da Esplanada dos Ministérios…

Foi a mais doída. A maioria dos líderes não queria votar e o governo estava emperrado na agilização dos pleitos dos parlamentares. Mas superamos esta fase. Foi no gogó, foi com a palavra, com credibilidade, comprovando. Foi exaustivo, mas venceu o espírito colaborativo da Casa. Todos compreenderam a minha missão e deram o crédito de confiança. A Câmara tem colaborado, a despeito do tamanho da base, com aquilo que é fundamental para o governo Lula, que é a reconstrução do Brasil. Fizemos um trabalho bem concatenado, nunca teve divergência fundamental entre mim e o ministro (Alexandre) Padilha. Sempre dialogando e está aí o resultado.

•        O Palácio do Planalto entendeu o recado do decreto do saneamento?

Na política sempre tem recados, encaro isso com a maior naturalidade. Até nós do PT damos recados, desde que os recados sejam feitos com transparência.

•        Um parlamentar do Centrão nos falou sobre a importância de o governo ampliar a base para evitar surpresas. Isso é tão importante assim para evitar surpresas no próximo semestre?

Depende da matéria. Vou exemplificar: colocamos para votar uma matéria de costumes. A gente leva lapada. Tem uma maioria aqui que é de outro padrão ideológico, mas nas questões centrais do governo, que são econômicas, estamos dando de 13 a zero. O país mudou muito, o governo é outro, a Câmara é outra, o presidente é outro e temos um ministro com muita credibilidade, o (Fernando) Haddad.

•        O senhor pode ganhar o reforço da ministra demissionária do Turismo, Daniela Carneiro...

Um governo de coalizão sempre está em processo de avaliação dos seus ministros e ministérios, é natural. Encaro eventuais trocas como naturais, não tem nada de crise. A bancada do União Brasil é grande, 59 deputados. Não conheço tanto a Daniela, mas esteve com Lula e ajudou bastante (na eleição). Se ela voltar para a Câmara, vou convidá-la para ser minha vice-líder.

•        Essa é a moeda de troca que haverá com o União?

Não, eu quero convidá-la. O (Celso) Sabino é um excelente deputado, presidiu a Comissão Mista do Orçamento, é muito republicano na conduta, contribuiu para aprovar as contas da (ex-presidenta) Dilma (Rousseff). São dois bons quadros que temos na câmara, independentemente de ser partido A ou partido B. Essas trocas precisam ser encaradas como naturais.

•        Uma queixa que os deputados tinham era o "chá de cadeira" para conversar com os ministros para o encaminhamento de demandas. Está resolvido?

Isso acontece em todos os quadrantes da República, aconteceu no passado e acontece no presente. Tem ministro com 80 pedidos para atender deputados. Acho que o melhor para a relação é o ministro vir aqui, na liderança do governo na câmara. Camilo (Santana, da Educação) já veio, Juscelino (Filho, Comunicações), Simone (Tebet, Orçamento e Planejamento) — estou sugerindo que venham atender uma vez por semana aqui. Atende 30, 40 deputados. Não pode é deixar de atender. Isso é um desrespeito àqueles que estão aqui porque têm voto.

•        Desde a MP da Esplanada, a articulação do governo melhorou?

Tem evoluído. Primeiro, pelo diálogo que a gente faz todos os dias. Isso aqui é uma máquina de moer gente porque, a toda hora, tem que estar ligado, conversando, negociando. Em segundo lugar, o governo está agilizando os pleitos, a composição do governo, as emendas. Quando se fala em emenda, todo mundo se arrepia. O deputado tem direito, é só botar no Portal da Transparência. Minhas emendas estão no sistema, quem quiser ver vê. Boto todas para o Ceará.

•        Há pouco mais de um mês, o senhor foi defendido publicamente pelo presidente da Câmara, Arthur Lira, durante uma crítica que ele fez à articulação política do governo, que vinha capengando. Como o senhor recebeu isso?

Tem algum líder de governo que não dialogue com o presidente da Câmara? Fui líder da Dilma na presidência de Eduardo Cunha. Tomava café duas três vezes por semana com ele para discutir a pauta do governo. Estou praticamente todo dia na residência oficial do presidente da Câmara porque sou líder do governo. Minha missão é arrumar voto para o governo.

•        Sobre as pautas que são vistas como ideológicas pela oposição e pelo Centrão — as ambientais e sobre a questão indígena —, como ajustar para que não sejam derrubadas?

No governo, a questão ambiental é estratégica e a indígena é importante. Essa é a agenda do mundo. Quem está contra é porque foi contra o programa do Lula. A mudança da questão indígena que teve para mim não altera em nada. Tirar a demarcação do Ministério dos Povos Indígenas e botou no da Justiça. Será que o Flávio Dino vai fazer sacanagem com os indígenas? Claro que não. A questão ambiental é compromisso do mundo inteiro e qualquer coisa contradiga isso, o mundo reage. Afinal, o Brasil sediará a COP30.

 

       Nordeste vai pressionar Senado para definir divisão de verbas na reforma

 

A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da reforma tributária aprovada pela Câmara na madrugada desta sexta, 7, inflamou a disputa entre Estados do Nordeste e do Sudeste em torno da divisão de recursos do bilionário Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional (FNDR), que deve ter patrimônio de pelo menos R$ 40 bilhões e ser usado para diminuir as disparidades regionais.

Insatisfeitos com o texto, os Estados do Nordeste vão buscar o apoio do Norte e do Centro-Oeste para pressionar pela definição dos critérios de divisão do dinheiro do fundo, no que promete ser um dos principais embates em torno da reforma no Senado – onde o projeto passará a tramitar após o recesso parlamentar.

Os governadores do Nordeste se sentiram traídos nas negociações porque o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que é uma liderança política da região, aceitou que o modelo de partilha só seja definido em legislação complementar, ou seja, fora do texto da Constituição. Segundo apurou o Estadão, esse foi um pedido do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), abraçado por Lira.

A insatisfação foi maior porque, para atender Tarcísio, foi incluído no texto um modelo de governança do Conselho Federativo, instância que vai gerir o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS). O novo tributo vai unificar o ICMS (estadual) e o ISS (municipal). Para os representantes do Nordeste, não há justificativa para a governança do conselho ter ficado no texto constitucional, e a partilha do fundo, fora.

Lira acenou que vai resolver a divisão de recursos na legislação complementar, e prometeu a líderes e governadores garantir o apoio de um quórum de PEC, ou seja, de 308 votos a favor – sendo que a aprovação de uma lei exige 257 votos. Os Estados do Nordeste querem, no entanto, resolver a fatura ainda na reforma tributária, durante a tramitação no Senado, e desejam também pressionar a União a elevar o valor reservado ao fundo da previsão atual de R$ 40 bilhões para R$ 75 bilhões.

Uma das saídas aventadas para isso seria deslocar parte do valor de um outro fundo previsto na PEC – para compensar o fim de benefícios fiscais – para o fundo de desenvolvimento. Pelo texto que passou na Câmara, esse fundo de compensação vai vigorar de 2025 a 2032, também será financiado pela União e terá, no total, R$ 160 bilhões.

Até pouco antes do início da votação, ainda na noite de quinta-feira, os Estados do Nordeste contavam que a divisão do dinheiro do fundo de desenvolvimento ficaria no texto. Mas o relator da reforma, Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), acabou retirando esse ponto da proposta para não prejudicar o andamento da votação, uma vez que não havia consenso sobre os critérios de divisão.

•        Impasse

Os Estados do Nordeste tentam emplacar a divisão usando como critério o chamado “PIB invertido”, pelo qual os Estados mais pobres receberiam mais. Os governadores do Sul e Sudeste admitem receber menos, mas querem inserir algum tipo de mecanismo adicional que permita o acesso a uma fatia maior de recursos do que se fosse utilizado apenas o critério da renda. O impasse, que já dura meses, não cessou até a votação, o que desagradou aos nordestinos.

“Vamos buscar colocar na PEC, durante a votação no Senado, os critérios de divisão do fundo de desenvolvimento do mesmo jeito que colocaram a demanda dos Estados do Sul e Sudeste”, disse o governador do Piauí, Rafael Fonteles (PT).

No dia seguinte, Raquel Lyra (PSDB), governadora de Pernambuco, endossou a fala de Fonteles. “É necessário que o critério de distribuição do fundo seja inversamente proporcional ao PIB per capita de cada Estado. É claro que, quem tem menos, precisa de mais. Caso contrário, não falaremos de incentivar o desenvolvimento regional, mas da manutenção das desigualdades existentes”, disse. “Não descansarei até garantir que sejamos colocados na posição necessária e justa.”

Nesse caldo de insatisfações, sobrou até para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que optou por tomar distância da reforma tributária. Os nordestinos esperavam que ele se empenhasse pelo menos para ajudar nesse ponto na negociação com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad.

Os Estados do Nordeste, Norte e Centro-Oeste temem que, além de “mandar” no Conselho Federativo, os Estados mais populosos do Sul e Sudeste também fiquem com os recursos do FNDR, que levou à inclusão do nome “nacional” no título – justamente para possibilitar a divisão entre todos as unidades federativas.

•        Emenda ‘Cavalo de Troia’ autoriza Estados e DF a criar novo tributo

A proposta de reforma tributária aprovada na madrugada de ontem na Câmara autoriza os Estados e o Distrito Federal a criar um novo tributo local para financiar investimentos até 2043. A autorização foi incluída na “emenda aglutinativa” apresentada em plenário durante a votação.

Essa emenda atendia a diversos pedidos de setores e até mesmo do governo Lula. Apelidada de “Cavalo de Troia”, tem 34 páginas e artigos que beneficiam de igrejas a clubes esportivos.

Permite, por exemplo, que governadores criem uma contribuição sobre produtos primários e semielaborados produzidos em seus Estados. Esse tipo de contribuição, até agora, era prerrogativa da União.

Para o tributarista Luiz Bichara, do escritório Bichara Advogados, a emenda cria uma nova competência constitucional, dando autorização para que os Estados criem tributos novos. Seria, diz, um “descompromisso” da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) aprovada na Câmara com a manutenção da carga tributária.

“Certamente estamos diante de um dispositivo que vai onerar exportações”, disse. “Amanhã os Estados poderão tributar com essa nova contribuição petróleo, energia, minério…”, afirmou.

•        Imunidade

A PEC da reforma tributária também ampliou a imunidade tributária de “templos de qualquer culto”, incluindo “suas organizações assistenciais e beneficentes”, na contramão da tentativa feita pela Receita Federal nos últimos anos de diminuir essas isenções.

O texto também prevê novas hipóteses de alíquotas reduzidas em 60% do novo imposto para produtos e insumos aquícolas, atividades desportivas e cibersegurança.

Tributaristas alertam que, quanto maior o número de atividades beneficiadas por alíquotas reduzidas, maior será a alíquota padrão.

Além disso, estabelece a volta do programa emergencial de retomada do setor de eventos (Perse); a isenção para reabilitação urbana de zonas históricas e reconversão urbanística; e a obrigatoriedade para que o ministro da Fazenda compartilhe dados e informações, inclusive as protegidas por sigilo fiscal, para cálculo das alíquotas de referência pelo Senado.

 

Fonte: Correio Braziliense/Agencia Estado

 

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