Como são as
regulamentações e as lutas por direitos trabalhistas dos entregadores ao redor
do mundo?
Com
metade da aprovação no Senado de Buenos Aires, o projeto de lei para
regulamentar os aplicativos
de entrega na
província de Buenos Aires ainda está em discussão na Câmara dos Deputados.
Embora se esperasse que fosse aprovado facilmente por ter sido aprovado por
unanimidade na Câmara Alta, os partidos de direita Juntos por el Cambio e
Avanza Libertad bloquearam o debate nas comissões plenárias, forçando o
adiamento da votação.
Conforme
relatou o jornalista Emiliano Correia no El Grito del Sur, a
legislação propõe a criação de um “Registro Único e Obrigatório de
Trabalhadores de APP”; a obrigação de que empregadores e provedores registrarem
seus funcionários, aos quais o registro concederá um certificado que os
habilitará a exercer a atividade; e exige que as empresas “informem a Companhia
de Seguros de Riscos Ocupacionais à qual seus trabalhadores pertencem”, bem
como os horários de “conexão e desconexão” que compõem a jornada de trabalho.
No
entanto, o projeto tem que enfrentar o lobby habitual das não tão novas
empresas de plataforma contra os direitos
dos trabalhadores.
Seus negócios se baseiam na fraude trabalhista de rotular seus funcionários
como autônomos ou “colaboradores”, evitando assim o pagamento das contribuições
patronais e o cumprimento de suas responsabilidades legais.
A
expansão mundial dessas empresas também globalizou a luta por sua
regulamentação em face de práticas precárias, que são extremas até mesmo para o
atual estágio do capitalismo.
·
A
“Lei Rider” espanhola e sua europeização
Durante
2021 e após vários meses de negociações entre o governo, centrais sindicais e
câmaras de comércio, a chamada “Lei Rider” foi aprovada na Espanha. Pioneira em
nível europeu, ela estabeleceu a presunção de um vínculo empregatício para
todos os trabalhadores de plataformas de entrega. Também deu aos representantes
legais dos trabalhadores acesso aos algoritmos até então secretos que regem as
plataformas e que afetam o acesso e a manutenção do emprego.
A
reação das empresas foi variada. Desde a Deliveroo, que acelerou sua decisão de
parar de operar no país (embora oficialmente não tenha culpado a regulamentação
por isso); até a Glovo, que modificou suas regulamentações para cumprir a lei
de forma tímida, e a Uber Eats, que “desativou” a maioria de seus entregadores
para mudar para um sistema de subcontratação que, na verdade, implica uma
transferência ilegal de trabalhadores; até a Just Eat, que decidiu assinar um
acordo coletivo com os sindicatos, mesmo não cobrindo todos os seus
funcionários.
No
último caso, a empresa concordou com a Unión General de Trabajadores (UGT) e
Comisiones Obreras (CCOO) que seus motoristas de entrega contratados receberão
15,2 mil euros por ano, terão 30 dias de férias e uma jornada de trabalho
máxima de 9 horas. No entanto, essa medida afeta apenas cerca de 2 mil pessoas
que a empresa registrou em seu quadro de funcionários, enquanto mantém outros
em condições precárias por meio de mecanismos de subcontratação.
No
caso da Glovo, a principal empresa do setor na Espanha, que foi comprada há
pouco mais de um ano pela alemã Delivery Hero, ela continua mantendo pelo menos
8 de cada 10 trabalhadores como autônomos, ou seja, sem reconhecer o vínculo
empregatício. Isso levou a várias multas e processos trabalhistas.
No
entanto, para manter os falsos autônomos, a empresa mudou seu sistema de
faturamento, fazendo com que os próprios entregadores cobrassem a taxa de
entrega, o que – segundo a empresa – a isenta de cumprir as normas. Mas isso
poderia significar que empresas como restaurantes – alguns dos grandes
parceiros da plataforma, como o McDonald’s – se tornariam responsáveis pelo
vínculo empregatício. No final, os poucos que foram regularizados são os
entregadores de supermercado: eles trabalham 8 horas por dia, têm dois dias de
folga por semana e férias remuneradas.
Apesar
desses artifícios comerciais e da dificuldade de o Estado controlar e aplicar a
regulamentação, a União Europeia decidiu estender a regulamentação a todos os
seus países membros. Em dezembro de 2022, o Parlamento Europeu votou em um
texto semelhante ao espanhol e que estará totalmente em vigor até o final de
2023. Além disso, essa legislação não abrangerá apenas os motociclistas, mas
todos os trabalhadores de plataformas e empresas da chamada “economia
colaborativa”.
·
O
maior mercado, com mais trabalhadores, mais lucros e mais regulamentação?
Na
China, não há empresas estrangeiras competindo no setor. O mercado é controlado
por empresas nacionais, sendo as maiores a Meituan e a Ele.me (de propriedade
do Alibaba). Entre as duas, estima-se que atualmente elas tenham 2,14 milhões
de motoristas de entrega ativos, de acordo com o China Labor Bulletin (CLB).
Além
disso, de acordo com a mesma fonte, a economia de plataforma da China –
incluindo seus diferentes setores – é a maior do mundo em termos brutos e
proporcionais. Com 84 milhões de trabalhadores em 2020, ela abrangeu quase 10%
da força de trabalho do país, em comparação com 4% no Reino Unido e 1% nos EUA.
As
condições de trabalho dos entregadores na China são semelhantes às de outros
países. Em outras palavras, o vínculo com a empresa não é reconhecido e a
precariedade é a ordem do dia. Isso levou a ações de protesto em 2016 e em
2018, que registrou o maior número até agora, com 57 ações coletivas.
Diante
dessa situação, em 2021, vários ministérios publicaram uma série de “Pareceres
de orientação sobre a salvaguarda dos direitos e interesses de segurança no
trabalho de novas formas de emprego”. Contudo, esses pareceres não questionavam
a relação de emprego, mas se concentravam no controle algorítmico, e as
empresas foram obrigadas a revisar suas regras.
Como
aponta um artigo da Asian Labour Review, a Meituan e a Ele.me responderam com
mudanças em suas práticas trabalhistas. Ambas se concentraram em dar aos
motoristas de entrega mais controle sobre como recebem os pedidos e recalcular
o tempo de entrega no caso de condições anormais, incluindo restaurantes que
demoram muito para fornecer refeições, condições ruins de tráfego e acidentes.
Elas também começaram a fornecer aos ciclistas capacetes conectados, que vêm
com funções de comando de voz, para que eles não precisem verificar seus
telefones enquanto andam na rua.
No
entanto, ainda não consideram seus trabalhadores como tal, impedindo-os de ter
acesso a direitos básicos, como férias ou indenização.
·
EUA:
uma disputa de costa a costa
Em
2021, logo após a aprovação do “Rider Act” espanhol, a cidade de Nova York
aprovou uma série de leis para garantir melhores condições de trabalho para as
65 mil pessoas que trabalham para empresas de entrega. Entre os pontos mais
importantes estava um salário mínimo, que os trabalhadores exigiram que fosse
de 24 dólares por hora (atualmente eles ganham uma média de 11 dólares,
incluindo gorjetas). No entanto, até o momento, o valor ainda não foi
estabelecido e as autoridades da cidade ainda estão discutindo o assunto.
Também
foi proibido que as empresas cobrassem de seus trabalhadores o acesso ao seu
dinheiro (elas estavam deduzindo comissões deles), obrigou-as a tornar públicas
suas políticas em relação às gorjetas (em alguns casos, eles não eram
informados de quanto eram e a empresa ficava com elas) e as empresas devem
garantir materiais como mochilas ou bolsas para o transporte de mercadorias.
Por fim, as normas limitam a distância de cada viagem e garantem que os
restaurantes forneçam seus banheiros para aqueles que fazem as entregas.
Embora
a entrada em vigor dessas disposições tenha sido desigual, ela deu um impulso
ao sindicato do setor: os “Deliveristas Unidos”, criado pelo Workers Justice
Project (WJP), uma organização fundada em 2010 e que atualmente reúne cerca de
12 mil trabalhadores de diferentes áreas – a maioria migrantes – de acordo com
seu próprio site. Além de lutar para garantir os direitos básicos, os Deliveristas
e o WJP pretendem promover espaços de treinamento; o desenvolvimento de
cooperativas; e a criação de centros de descanso para os entregadores, onde
eles possam carregar seus telefones, ir ao banheiro, comer ou simplesmente
fazer uma pausa no dia de trabalho.
Em
2022, a cidade de Seattle também aprovou uma lei que entrou em vigor em 2023
para que as empresas paguem seus trabalhadores por milha e por minuto, buscando
aumentar seus salários para o salário mínimo da cidade de 17,27 dólares por
hora.
No
entanto, a batalha mais importante ocorreu no estado da Califórnia, onde em
2019 seus legisladores aprovaram a Lei AB5, que propunha o reconhecimento do
vínculo empregatício de todos os trabalhadores de plataforma. A regulamentação
deu início a uma série de ações judiciais contra as diferentes empresas, no
próprio berço desse sistema de fraude trabalhista (a Uber nasceu nesse estado).
Mas
a reação não demorou a chegar e, enquanto os americanos elegiam Joe Biden como
presidente em novembro de 2020, o povo da Califórnia votava em um referendo
sobre a Proposição 22, que acabaria sendo aprovada. Essa iniciativa foi criada
pelas empresas para se contrapor à legislação trabalhista e, com um
investimento de milhões em campanhas publicitárias, conseguiram reverter os
direitos garantidos pela AB5. Foi adotado um sistema misto, em que os
trabalhadores continuam sendo considerados autônomos e têm direitos mínimos
garantidos: um salário básico de 120% do mínimo estadual, mas que não inclui
despesas (combustível, reparos, mochila etc.) e uma pequena ajuda de custo para
pagar o seguro-saúde, desde que trabalhem 15 horas líquidas por semana. Ou
seja, o tempo de viagem com passageiros ou mercadorias, sem contar o tempo de
espera.
·
Lutas
sindicais na Coreia do Sul e na Rússia
Em
28 de setembro de 2022, vários sindicatos de plataforma da Coreia do Sul
realizaram a primeira Conferência de Trabalhadores de Plataforma do país.
Embora o setor e o trabalho que realizam sejam diferentes, todos são
“trabalhadores de plataforma”. O ponto em comum mais significativo entre eles é
que “as empresas que lucram com o trabalho deles não assumem a responsabilidade
pelos trabalhadores”, escreveu Min-gyu Oh, diretor executivo da Finding Hope
for Platform Labour e pesquisador sênior do Labor Research Institute
Emancipation.
Um
precursor dessa reunião ocorreu em 2021, quando os vários grupos trabalhistas
se reuniram para se opor ao Projeto de Lei da Plataforma Trabalhista
apresentado pelo então primeiro-ministro Moon Jae-in. O projeto de lei buscava
manter o status quo das violações dos direitos trabalhistas, legalizando-as.
Entretanto, a oposição à iniciativa fez com que ela nunca fosse aprovada.
Após
as eleições gerais de 2022, os sindicatos conseguiram um pequeno avanço
legislativo. Até então, a Lei de Seguro de Compensação de Acidentes Industriais
da Coreia cobria apenas aqueles que tinham um empregador. Mas a maioria dos
motoristas de entrega trabalha para várias plataformas, como Baemin (de
propriedade da Delivery Hero) e CoupangEats, o que os tornava inelegíveis a
esses direitos. Esses artigos acabaram sendo abolidos.
Os
trabalhadores também ganharam negociações coletivas entre os principais
sindicatos e as respectivas empresas, como o Rider Union com a CoupangEats e o
Daeri Drivers Union com a Kakao Mobility. No entanto, eles continuam lutando
por demandas comuns nesse setor: que a legislação trabalhista seja totalmente
aplicada, que um salário mínimo seja estabelecido e que seja explicitado como o
algoritmo funciona, entre outros.
Na
Rússia, após a invasão da Ucrânia, as empresas estrangeiras deixaram o país
como resultado das sanções dos EUA e da UE, deixando o mercado nas mãos da
Yandex. De 20 a 25 de dezembro de 2022, o sindicato Courier organizou uma greve
de motoristas de entrega em 15 cidades.
As
demandas eram as usuais, agravadas pelo fato de que a empresa também não
aceitava nenhum acordo coletivo. Além disso, a greve acrescentou à sua lista de
exigências o fato de que, depois de adquirir um de seus concorrentes (Delivery
Club), a Yandex reduziu os salários de 110 rublos ( 1,35 dólar) para 70 rublos
(87 centavos de dólar) por pedido.
Conforme
apontado em um artigo da revista Jacobin, a política de ajuste sobre os
trabalhadores não é proporcional aos lucros das empresas. A receita da divisão
de tecnologia de alimentos da Yandex – incluindo o Yandex.Eats, que gerencia os
motoristas de entrega – bem como o serviço de compras on-line como o
Yandex.Market, aumentou 124% em relação ao ano anterior no terceiro trimestre
de 2022, atingindo 9,8 bilhões de rublos. Enquanto isso, a receita total da
Yandex no mesmo período aumentou 52% em relação ao ano anterior, para 91,3
bilhões de rublos.
A
greve do sindicato Courier assume um significado diferente em vista da
perseguição do governo à organização. O principal líder, Kirill Ukraintsev, que
ganhou fama como YouTuber de esquerda antes de liderar o sindicato, foi preso
em abril do ano passado sob a acusação de “violar as regras de reunião” e
permanece na prisão. Além disso, um mês antes da greve, a polícia prendeu o
co-presidente do sindicato Courier, Said Shamhalova, sob suspeita de “intenção
de cometer roubo”, mas ele foi liberado posteriormente.
Esta
é uma revisão geral extensa, mas ainda incompleta, de uma dinâmica global que
afeta os trabalhadores das plataformas de entrega em domicílio de maneiras
semelhantes – em diferentes países –, mas que se estende a outros lugares.
Apesar das constantes tentativas de fragmentar a classe trabalhadora, as
lógicas compartilhadas da exploração global dos empregadores continuam a
unificar as suas lutas e demandas.
Fonte: Primeira Linea - Tradução por Pedro Marin,
da Revista Opera
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