Como fim do acordo de grãos na Ucrânia pode afetar o Brasil
A saída da Rússia do acordo que viabilizava a
exportação, pelo Mar Negro, de grãos produzidos na Ucrânia pode ter um impacto
global nos preços dos grãos que eram exportados, afetando também o Brasil.
De fato, os preços do milho e do trigo tiveram alta nas
bolsas de valores internacionais na semana seguinte ao fim do acordo.
Porém, ainda é cedo para saber qual o impacto de
longo prazo que a decisão russa terá, até porque o próprio presidente Vladimir
Putin não descartou a possibilidade de rever a decisão se as reivindicações
dele forem atendidas.
O presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan,
disse acreditar que Putin quer manter o acordo e que ambos vão debater a
questão em agosto.
Alguns especialistas ponderam ainda que a Ucrânia
está na entressafra e que a safra passada já foi quase totalmente vendida.
Assim, o impacto imediato do fim do acordo seria limitado.
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Volta da inflação de
alimentos
No caso do Brasil, à semelhança do início da guerra
na Ucrânia, dois aspectos são lembrados: o possível impacto para o consumidor,
com a inflação, e os possíveis efeitos para as exportações do agronegócio
brasileiro.
Alimentação e bebidas representaram quase metade da
inflação de 2022 no Brasil, que foi de 5,8%, segundo o IPCA. A situação
melhorou em 2023, mas o fim do acordo de grãos tem potencial para mexer no
mercado internacional, elevando preços de produtos agrícolas e gerando inflação
- também no Brasil.
A cotação do trigo, do qual o Brasil é um grande
importador, afeta diretamente o preço de produtos como pão e farinha, que fazem
parte da cesta básica de alimentos do Dieese, e também do macarrão.
Já o milho é muito usado como ração para a produção
de carne, principalmente de frango, mas também bovina e suína.
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Exportações do
agronegócio
Alguns especialistas avaliam que as exportações
brasileiras, sobretudo de milho, podem se beneficiar com o fim do acordo, pois
a Ucrânia é a quarta maior exportadora mundial de milho.
Essa é a avaliação da própria Associação Brasileira
do Agronegócio (Abag), cujo vice-presidente, Ingo Plöger, declarou ao Estadão que, no
longo prazo, o fim do acordo pode levar países compradores desses grãos a
buscarem parceiros mais estáveis na América Latina.
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Dólar mais caro?
Um outro possível efeito indireto está no câmbio. O
retorno da inflação de alimentos nos países ricos, sobretudo nos Estados
Unidos, pode levar bancos centrais como o Fed a elevarem os juros básicos.
Quando estes sobem, ficam mais atraentes para os
investidores, que acabam retirando dólares de países emergentes, como o Brasil,
o que desvaloriza o real e também as ações das empresas listadas nas bolsas de
valores brasileiras.
Se o dólar sobe, tudo o que é cotado em dólar fica
mais caro, o que também pode pressionar a inflação.
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Efeitos não são imediatos
Mas a maioria dos especialistas ressalta que se
trata de projeções que somente poderiam se concretizar se as exportações
ucranianas de grãos forem prejudicadas durante um período mais longo.
Quem se mostra cauteloso sobre os possíveis efeitos
negativos lembra ainda que, apesar dos recentes bombardeios russos, a Ucrânia tem outras opções para exportar, por exemplo pelo rio Danúbio,
na Romênia, ou pela Polônia e países do Báltico.
Além disso, o fim do acordo não afeta as
exportações russas de grãos, que são muito maiores do que as ucranianas.
E as atuais boas safras brasileiras também
contribuem para conter os preços internos do milho e do trigo.
Ø As consequências da suspensão do acordo de grãos pela Rússia
A Rússia suspendeu o acordo para o transporte marítimo de grãos produzidos na Ucrânia, que contribuía para o equilíbrio no preço
global de alimentos e o combate à fome no mundo.
O porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, anunciou que
o acordo seria interrompido até que as exigências da Rússia para garantir suas
próprias exportações agrícolas fossem atendidas. "Quando a parte do acordo
do Mar Negro relacionada à Rússia for implementada, a Rússia retomará
imediatamente à implementação do acordo", disse.
A Rússia tem se queixado de que as restrições ao
transporte marítimo e ao seguro estariam prejudicado suas exportações de
alimentos e fertilizantes. No entanto, o país vem exportando quantidades
recordes de trigo, e seus fertilizantes seguem fluindo para o comércio externo.
O acordo havia sido fechado no ano passado, com a
intermediação da ONU e da Turquia, e garantiu que os navios não seriam atacados
ao entrar e sair dos portos ucranianos. Um acordo separado facilitou o
movimento de alimentos e fertilizantes russos em meio às sanções do Ocidente
pela guerra na Ucrânia.
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Por que o acordo é
importante
A Rússia e a Ucrânia são dois dos maiores
produtores agrícolas do mundo e os principais atores nos mercados externos de
trigo, cevada, milho, canola, óleo de canola, semente de girassol e óleo de
girassol. A Rússia também é dominante no mercado de fertilizantes, que
são muito utilizados pelo agronegócio brasileiro.
Segundo a ONU, os grãos produzidos na Ucrânia se
transformam em alimento para 400 milhões de pessoas em todo o mundo. Por isso,
quando a Rússia invadiu o país vizinho em fevereiro de 2022, muitos países
apontaram o risco de aumento da fome, e a insegurança alimentar se acentuou
especialmente na África e no Oriente Médico.
Os preços dos alimentos já haviam subido antes do
início da guerra na Ucrânia, mas a invasão russa fez com que eles disparassem
em todo o mundo. Além disso, o bloqueio russo do Mar Negro fez com que milhões
de toneladas de grãos ficassem presas nos silos ucranianos, correndo o risco de
apodrecer.
De acordo com a União Europeia (UE), "manter
os suprimentos de grãos ucranianos continua sendo fundamental para a segurança
alimentar global".
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O que acontece agora
É incerto se a Ucrânia continuará a enviar as
mesmas quantidades de grãos para o mundo. O alto custo do seguro dos navios
pode ser um grande problema. Os navios que desejam atravessar o Mar Negro já
precisam fazer um seguro de milhares de dólares. As empresas de navegação podem
relutar em enviar seus navios pela zona de guerra se não houver o aval russo.
O transporte de grãos por terra também pode se
tornar difícil. Desde o início da guerra, a Ucrânia tem exportado grandes
quantidades de grãos por meio dos países do leste europeu, mas há poucos vagões
de carga para exportar todos os grãos da Ucrânia por via terrestre.
Além disso, os agricultores de alguns países do
leste da UE se ressentem do fato de os suprimentos ucranianos serem enviados
por meio de seus países, dizendo que isso prejudica a produção local e tira o
mercado de suas próprias colheitas. Em resposta, o bloco europeu impôs no
início deste mês restrições à importação de grãos ucranianos, estipulando que
eles podem ser transportados pela Bulgária, Hungria, Polônia, Romênia e
Eslováquia, mas não podem ser vendidos nesses países.
A reação imediata do mercado de grãos à suspensão
do acordo pela Rússia foi modesta, com os preços subindo cerca de 3% nos
Estados Unidos e 2% na Europa, disse um negociador alemão à agência de notícias
Reuters. "Creio que há uma crença no mercado que a Rússia e a UE têm
grandes suprimentos de trigo que poderão fazer frente à demanda mundial nos
próximos meses, com a chegada das colheitas", afirmou.
No entanto, Hasnain Malik, chefe de pesquisa da
Tellimer Research, disse: "A suspensão do acordo do Mar Negro não é não é
inesperada e pode pôr fim ao recente abrandamento dos preços dos grãos. Essa é
uma má notícia para os importadores menores e mais pobres dos mercados
emergentes, como o Egito."
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Como funciona o acordo
O acordo regula as exportações de grãos dos portos
do Mar Negro de Odesa, Chornomorsk e Pivdenny, controlados pela Ucrânia. Os
navios devem atravessar o Mar Negro ao longo de um corredor marítimo
humanitário em direção a Istambul.
Os navios em rota para e dos portos ucranianos são
verificados em uma base controlada pela Turquia por uma equipe especial de
inspetores russos, turcos, ucranianos e da ONU.
Duas forças-tarefa da ONU garantem que os grãos
ucranianos possam ser transportados pelo Mar Negro e também facilitam a
exportação de produtos alimentícios e fertilizantes russos.
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O acordo foi bem-sucedido?
A iniciativa contribuiu para a queda e a estabilização
dos preços dos alimentos. Mais de 30 milhões de toneladas de grãos e outros
produtos alimentícios foram exportados até maio de 2023 graças ao acordo.
Os países mais pobres, em particular, foram
beneficiados: Cerca de 64% do trigo foi para países em desenvolvimento,
enquanto o milho foi exportado quase igualmente para países desenvolvidos e em
desenvolvimento. Em março, porém, vários meios de comunicação informaram que
cada vez menos grãos estavam sendo enviados da Ucrânia.
As exportações totais de alimentos viabilizadas
pelo acordo diminuíram em cerca de três quartos em maio, em comparação com
outubro do ano passado, já que mais empresas de navegação evitaram enviar
navios pela rota perigosa. Mas as regulamentações rígidas também dificultam a
rápida passagem dos navios.
"O secretário-geral da ONU está desapontado
com o ritmo lento das inspeções e a exclusão do porto de Yuzhny/Pivdennyi da
Iniciativa do Mar Negro", disse Farhan Haq, porta-voz adjunto do
secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, em um comunicado na última
terça-feira.
O lado russo tem reclamado que suas demandas não
estão sendo atendidas e que as sanções ocidentais estão impedindo a exportação
de seus próprios produtos agrícolas. O presidente Vladimir Putin argumentou a
uma delegação de paz africana neste mês que o acordo de grãos não resolveu
os problemas que os países africanos tinham com os altos preços globais dos
alimentos, porque apenas 3% das exportações de grãos da Ucrânia estariam indo
para os países mais pobres.
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A importância do Mar Negro
O Mar Negro é uma região estratégica entre o
sudeste da Europa e a Ásia, onde interesses marítimos, continentais,
geoestratégicos e econômicos se conectam.
É o único canal para a Ucrânia exportar seus grãos
para o mundo por via marítima. O acesso ao mar aberto e, portanto, à
oportunidade de acessar outras rotas de exportação, só é possível por meio dos
estreitos de Dardanelos e de Bósforo, ambos controlados pela Turquia.
<><> ONU: "Milhões pagarão" pela saída russa do
acordo de grãos
O secretário-geral das Nações Unidas "lamentou
profundamente" a decisão da Rússia de se retirar do acordo de grãos do Mar Negro. Segundo Guterres, centenas de milhões de pessoas mundo afora que já
sofrem com a inflação de alimento "vão pagar o preço" dessa decisão.
"Lamento profundamente a decisão da Federação
Russa de encerrar a implementação da Iniciativa do Mar Negro – incluindo a retirada
das garantias de segurança russas para a navegação na parte noroeste do Mar
Negro", disse o líder da ONU, em comunicado.
"Centenas de milhões de pessoas passam fome, e
os consumidores enfrentam uma crise global de custo de vida. Elas vão pagar o
preço", afirmou Guterres, acrescentando que a decisão do governo russo
"será um golpe para as pessoas necessitadas em todos os lugares".
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Saída russa
O Centro Conjunto de Coordenação estabelecido em
Istambul para gerir o acordo para a exportação de grãos da Ucrânia através do
Mar Negro foi notificado de que a Rússia estava se retirando de "forma
imediata" dessa iniciativa, que permitiu a exportação de mais de 32
milhões de toneladas de grãos da Ucrânia para 45 países em três continentes
enquanto o país era acossado pelas forças invasoras russas.
Segundo a ONU, os grãos produzidos na Ucrânia se
transformam em alimento para 400 milhões de pessoas em todo o mundo. Por isso,
quando a Rússia invadiu o país vizinho em fevereiro de 2022, muitos países
apontaram o risco de aumento da fome, e a insegurança alimentar se acentuou
especialmente na África e no Oriente Médio.
A Rússia e a Ucrânia chegaram a esse acordo há um
ano com a mediação da ONU e da Turquia, que nas últimas semanas multiplicaram os seus esforços para
conseguir uma nova prorrogação do acordo. O pacto expirou nesta
segunda-feira após duas prorrogações, nos meses de março e maio.
O presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, havia
dito na semana passada que discutiu e concordou com o mandatário russo,
Vladimir Putin, sobre a necessidade de estender o acordo, em meio a críticas de
representantes do Kremlin de que a parte do pacto que deveria facilitar a
exportação de alimentos e fertilizantes russos foi sistematicamente
negligenciada.
O acordo foi negociado em meio à crise alimentar
desencadeada pela interrupção, como resultado da guerra, da queda de produção
de produtos agrícolas – especialmente grãos e certos derivados, além de
fertilizantes – de ambos os países, que estão entre os maiores exportadores de
grãos do mundo.
Os países mais pobres, em particular, foram
beneficiados: cerca de 64% do trigo foi para países em desenvolvimento,
enquanto o milho foi exportado quase igualmente para países desenvolvidos e em
desenvolvimento.
A iniciativa incluía partidas de carga dos portos
ucranianos de Odessa, Chornomorsk, Yuzhny/Pivdennyi. No entanto, as inspeções
de navios com destino à Ucrânia para carregamento de produtos diminuíram
consideravelmente desde março, fazendo cair o ritmo das exportações.
Essas inspeções foram realizadas principalmente por agentes russos para
garantir que mercadorias não autorizadas não fossem transportadas.
As principais reivindicações que a Rússia considera
não satisfeitas são a reconexão de seu banco agrícola, o Rosselkhozbank, ao
sistema bancário internacional Swift, o fim das sanções sobre peças
sobressalentes para máquinas agrícolas, o desbloqueio de logística e seguros de
transporte e o descongelamento de ativos.
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Rússia nega que saída
tenha relação com ataque
Após a ONU se manifestar, a Rússia confirmou a
decisão de se retirar do acordo. "Na verdade, os acordos do Mar Negro
deixaram de ser válidos hoje", disse o porta-voz do Kremlin, Dmitry
Peskov, a repórteres. "Infelizmente, a parte desses acordos do Mar Negro
em relação à Rússia não foi implementada até agora, então seu efeito foi
encerrado."
"Assim que a parte russa dos acordos for
cumprida, o lado russo retornará à implementação deste acordo,
imediatamente", completou Peskov. O porta-voz negou que a decisão de não
renovar o acordo esteja relacionada a um ataque contra a ponte entre a Rússia e
a Crimeia ocupada, que foi atribuído às forças ucranianas.
O chefe das Nações Unidas cita que havia discussões
em curso sobre alternativas para sanções impostas, parte das exigências do
governo russo para renovação do acordo.
Fonte: Deutsche Welle
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