quinta-feira, 6 de julho de 2023

Cisjordânia: o que explica pior onda de violência entre Israel e palestinos em 20 anos

Israel iniciou na segunda-feira (3/7), no campo de refugiados de Jenin, a maior operação militar na Cisjordânia nos últimos 20 anos, o que resultou na morte de pelo menos 12 palestinos e um soldado israelense, além de dezenas de feridos.

Após dois dias de conflitos, fontes afirmaram à BBC na noite de terça-feira (4) que Israel começou a se retirar do local.

Antes, centenas de soldados israelenses foram mobilizados, e combates forçaram a evacuação de ao menos 3 mil palestinos, segundo a organização humanitária Crescente Vermelho.

As tropas israelenses enfrentaram as Brigadas de Jenin, unidade formada por diferentes milícias palestinas, sediadas no campo de refugiados que fica no centro da cidade.

Nesse campo, pessoas vivem em condição de superlotação: há cerca de 14 mil moradores em menos de meio quilômetro quadrado, segundo a Agência das Nações Unidas para os Refugiados da Palestina no Oriente Médio (UNRWA, na sigla em inglês). O local se converteu num campo de batalhas.

Segundo o exército israelense, o objetivo foi destruir "infraestrutura terrorista" e desarmar as milícias.

Mas a correspondente da BBC em Jerusalém, Yolande Knell, alertou que "existe o risco de mais respostas palestinas, inclusive a partir de Gaza".

Nesta terça-feira, um veículo atropelou sete pessoas na cidade israelense de Tel Aviv, ferindo gravemente três. O ataque foi classificado como "heróico" pela organização islâmica Hamas, que afirmou que a ação seria uma resposta à operação militar em Jenin.

·         O que desencadeou a operação militar em Jenin?

Nas últimas semanas, a violência aumentou no campo de refugiados.

Em 20 de junho, sete palestinos foram mortos em um ataque israelense a Jenin, no qual o Exército usou um helicóptero de combate.

No dia seguinte, dois militantes do Hamas mataram a tiros quatro israelenses em um posto de gasolina e em um restaurante perto do assentamento de Eli, 40 km ao sul de Jenin.

Após o ataque, centenas de colonos israelenses queimaram casas e carros na cidade vizinha de Turmusaya, onde um palestino foi morto a tiros.

Pouco tempo depois, um drone israelense matou três militantes palestinos em Jenin, depois que eles supostamente realizaram disparos em um posto de controle militar perto da cidade.

A espiral de violência resultou nessa operação militar, a maior dos últimos anos na Cisjordânia.

Israel afirmou que os palestinos não eram um alvo, e sim "milícias financiadas pelo Irã", como o Hamas e a Jihad Islâmica - e que o ministro das Relações Exteriores de Israel, Eli Cohen, define como "organizações terroristas".

Para o primeiro-ministro palestino, Mohammad Shtayyeh, a operação foi "uma nova tentativa de destruir o campo e deslocar seu povo".

"Os membros da linha dura do governo de direita de Israel têm pressionado há meses para que o Exército tomasse medidas enérgicas", diz Paul Adams, correspondente de diplomacia da BBC.

Ele afirma, no entanto, que alguns dentro do exército israelense temem que os conflitos possam inflamar ainda mais uma situação já volátil.

Adams lembra que, no passado, ataques em larga escala foram realizados contra grupos militantes em Jenin e em outros lugares, mas acrescenta que essas operações "têm pouco efeito para resolver os problemas subjacentes e geralmente servem como gatilhos para mais violência".

·         Por que Jenin é um ponto de tensão?

Jenin é um dos lugares na Cisjordânia onde uma nova geração de militantes palestinos se estabeleceu, argumenta Adams.

“Esses jovens militantes nunca conheceram um processo de paz. Eles não têm perspectiva de uma resolução diplomática do conflito. Eles não têm absolutamente nenhuma fé em seus próprios líderes políticos. Então estão lutando contra a ocupação da única maneira que acham que podem."

O campo de Jenin também tem uma das maiores taxas de pobreza e desemprego dos 19 campos de refugiados da Cisjordânia, segundo dados da ONU.

Diante desse cenário de desesperança, a resistência armada às medidas de segurança de Israel cresceu rapidamente na Cisjordânia, diz Alaa Daraghme, correspondente do serviço árabe da BBC, que viu o número de militantes em Jenin aumentar de dezenas para centenas em apenas dois anos.

Os palestinos insistem que Israel deve interromper a construção de assentamentos na Cisjordânia, que se multiplicaram nos últimos anos e que o atual governo israelense não tem planos de proibir.

Segundo Mustafa Barghouti, que lidera o partido Iniciativa Nacional Palestina, "a grande questão é: por que esses jovens estão seguindo esse caminho?"

"É porque estamos sob ocupação militar [israelense] há 56 anos, enquanto o mundo não fez nada para detê-la... Esses jovens estão desesperados porque a comunidade internacional permitiu que Israel continuasse a ocupação", disse o político palestino à BBC.

A Autoridade Palestina (AP), que tem algumas responsabilidades administrativas e de segurança em partes dos territórios ocupados, também perdeu o controle do campo de refugiados de Jenin, afirma o editor internacional da BBC, Jeremy Bowen.

Para muitos palestinos, diz Bowen, a AP, liderada pelo presidente Mahmoud Abbas, que não realiza eleições há anos, perdeu a autoridade.

“Não há nada que a AP possa fazer agora para proteger os palestinos das atividades das forças de segurança israelenses e, mais especificamente, dos colonos que vivem em assentamentos patrocinados pelo Estado, que violam o direito internacional”, analisa Bowen.

·         Qual é a história do campo de refugiados de Jenin?

O campo foi criado no início dos anos 1950 para os palestinos deslocados durante a guerra de 1948-49, em que o recém-nascido Estado de Israel lutou contra seus vizinhos árabes.

À época, pelo menos 750 mil pessoas tiveram que abandonar suas casas, no que os palestinos chamam de Nakba ou "catástrofe".

Durante a Segunda Intifada, onda de violência que ocorreu em Israel e nos territórios palestinos entre 2000 e 2005, o campo de Jenin tornou-se um dos maiores focos de tensão.

Em abril de 2002, após uma campanha de atentados suicidas em Israel, na qual muitos dos perpetradores eram de Jenin, as forças israelenses lançaram um ataque em grande escala à cidade que durou 10 dias e ficou conhecido como a Batalha de Jenin.

Pelo menos 52 palestinos, metade deles civis, foram mortos nos combates, assim como 23 soldados israelenses. Cerca de 400 casas foram destruídas, e um quarto da população perdeu suas casas.

Um relatório das Nações Unidas criticou Israel por não permitir a entrada de ajuda humanitária no campo de refugiados, e o lado palestino por esconder militantes em casas de civis.

 

Ø  Cisjordânia: 'Havia dezenas de homens armados — agora há centenas'

 

Dois anos atrás, quando chegávamos a Jenin, era possível ver dezenas de homens armados reunidos em grupos. Agora, há centenas.

A resistência à operação militar israelense na Cisjordânia, onde fica a cidade de Jenin, cresceu rapidamente.

Passamos por postos de controle do exército israelense a caminho de Jenin, tentando fazer imagens algumas horas depois que Israel iniciou ataques intensos na cidade da Cisjordânia. Vários palestinos foram mortos e muitos outros feridos.

Vimos a fumaça subindo dos telhados — resultado do mais pesado bombardeio da área em anos. É um ciclo vicioso de violência.

Mais e mais palestinos passaram a acreditar que sua única saída é lutar. Eles acham que, se não brigarem, não terão mais nada no futuro.

No momento, eles não têm água encanada ou rede de esgoto — e temem que a situação fique ainda pior.

·         Memórias da Batalha de Jenin

Encontramos um dos moradores no campo de refugiados de Jenin, Ahmad Jaradat.

Segundo ele, os moradores não viam uma ação de tamanha dimensão desde 2002, quando Israel montou uma grande operação que ficou conhecida como a Batalha de Jenin.

Minha colega, a correspondente Eman Eriqat, diz que consegue ouvir drones sobrevoando a cidade. Ela afirma que os ataques aéreos e os tiroteios estão lembrando os palestinos dos "dias ruins" que viveram na batalha de 2002, durante a Segunda Intifada.

Naquele ano, mais de 50 palestinos e 23 soldados israelenses foram mortos em mais de uma semana de combates. Depois, houve uma sequência de atentados suicidas palestinos em Israel.

Para o atual prefeito de Jenin, Nidal Al Ebaidi, na nova ofensiva o exército israelense pretende destruir o campo de refugiados.

Danny Danon, membro do parlamento do partido israelense Likud, nega que haja alvos civis. "Estamos operando há algumas horas em Jenin e você viu que até mandamos mensagens de texto avisando aos moradores para não saírem de casa. Estamos mirando apenas nos militantes", disse à BBC.

Equipes médicas palestinas estão pedindo o fim da violência para que possam levar os feridos do campo de refugiados para os hospitais.

·         Jovens palestinos

Os palestinos insistem que Israel deve parar de construir assentamentos na Cisjordânia.

À medida que construções e operações militares continuam, muitos jovens palestinos estão se tornando ainda mais impacientes que seus pais.

Mustafa Barghouti, que lidera o Partido da Iniciativa Nacional, disse ao programa BBC Newsday que os palestinos estão ficando desesperados com a situação política.

"A grande questão é por que esses jovens estão indo nessa direção [de revolta]?" ele indaga. "É porque estamos sob ocupação militar [israelense] há 56 anos e o mundo não fez nada para acabar com essa ocupação... Os jovens estão ficando sem esperança porque a comunidade mundial permitiu que Israel continuasse essa ocupação. "

·         A mobilização israelense

As forças israelenses estão atacando o campo de refugiados de Jenin a partir do ar e de operações terrestres.

A Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina (UNRWA, na sigla em inglês) diz que o campo é lar para 14 mil pessoas, que vivem em uma área de apenas 0,42 km².

Israel diz que tem como alvo militantes palestinos que conduziram ataques contra seus cidadãos.

As Forças de Defesa israelenses afirmaram em um comunicado que atacaram um "centro de operações conjuntas" que reunia diferentes grupos armados palestinos — formando a Brigada de Jenin.

O local, segundo os militares israelenses, era um ponto de observação, comunicação e armazenamento de armas e explosivos de combatentes palestinos.

No ano passado, Jenin foi alvo de vários ataques israelenses. Enquanto isso, as forças de segurança israelenses culparam vários palestinos por ataques a tiros contra israelenses.

O porta-voz das Forças de Defesa de Israel, Maj Nir Dina, disse a jornalistas que Jenin é um esconderijo para terroristas.

"Algumas semanas atrás, houve uma tentativa de lançar um foguete de Jenin para Israel. Ele falhou e caiu dentro da Cisjordânia", disse ele. "Estamos muito preocupados [que] isso se repita."

·         A mobilização palestina

Em Jenin, vários grupos declararam sua determinação de resistir às forças israelenses.

Atta Abu Rmeileh, o secretário do movimento político Fatah em Jenin, disse à BBC que todos os grupos armados presentes no campo de refugiados estão à disposição para proteger a área das forças israelenses.

Ele disse que os combatentes não levantarão a bandeira branca de rendição e continuarão lutando.

Combatentes de vários grupos diferentes se juntaram na cidade, chamando a si mesmos de Brigadas de Jenin. O que os une é a determinação de resistir à ocupação e a falta de fé na capacidade da Autoridade Palestina de fazer isso em seu nome.

Um militante das Brigadas de Jenin enviou uma gravação de voz para um grupo do Telegram dizendo que a confiança dos combatentes está muito alta e que eles continuariam lutando até morrer.

 

Ø  Israel encerra operação na Cisjordânia ocupada, mas avisa que não será a última

 

Israel anunciou nesta quarta-feira (5) o fim de sua incursão ao campo de refugiados Jenin, no norte da Cisjordânia ocupada, iniciada no começo da semana. A operação -a maior do tipo em quase 20 anos- resultou na morte de 12 palestinos e de um soldado israelense, além de ter se desdobrado em novos confrontos na Faixa de Gaza e motivado um ataque terrorista do grupo islâmico radical Hamas em Tel Aviv.

Segundo um porta-voz do Exército de Tel Aviv, as tropas do país começaram a deixar a região ainda na terça-feira à noite. O campo abriga cerca de 18 mil palestinos, dos quais cerca de cem ficaram feridos nos enfrentamentos, segundo o Ministério da Saúde da Autoridade Palestina.

O órgão, aliás, concebido como um governo de transição até o estabelecimento de um Estado na área, foi alvo de protestos após a saída dos israelenses. Três membros da administração foram expulsos pela multidão que participava do funeral de dez dos mortos nos enfrentamentos aos gritos de "saiam daqui!", "saiam daqui!".

Vídeos nas redes sociais também mostraram centenas de manifestantes lançando pedras contra o muro de cinco metros de altura que cerca a sede local da autoridade em Jenin, no início da manhã.

As manifestações chamam a atenção para a crescente falta de protagonismo da entidade que, estabelecida há quase 30 anos como parte dos Acordos de Oslo, parece não conseguir fazer frente nem aos militantes de Jenin e Nablus, outro grande reduto de grupos armados na Cisjordânia ocupada, nem a Israel.

Pesquisas indicam que cerca de 80% dos palestinos são a favor da renúncia de Mahmoud Abbas, 87, atual líder da Autoridade Palestina. Ele também é constantemente criticado por Tel Aviv, que o acusa de ser incapaz de controlar as facções armadas de seus territórios o órgão retruca dizendo que isso é impossível com Israel desrespeitando-o constantemente. Ao mesmo tempo, eleições não são realizadas há quase 20 anos, e ninguém se apresentou como um possível sucessor de Abbas.

A quarta-feira também foi usada pelos locais para avaliar os danos gerados pelas ações dos últimos dias, que incluíam casas totalmente destruídas, carros queimados, e ruas cobertas de escombros, cacos de vidro e cápsulas de balas.

Residente do acampamento, Mohammad Mansour relatou à agência de notícias Reuters ter ficado sem eletricidade e água durante a incursão retroescavadeiras do Exército israelense foram rasgando as ruas para expor minas, cortando cabos de energia e tubulações de água à medida que avançavam. "Acabamos sem pão ou suprimentos, estávamos famintos. Nunca tinha passado por isso", disse ele.

Siham al Naaja contou à AFP que nem a água, nem a eletricidade tinham voltado à sua casa mesmo após a saída das tropas. Suas janelas estavam quebradas, os móveis, tombados, e o piso coberto por destroços. Ela ainda acusou membros do Exército israelense de terem roubado dinheiro e ouro que pertenciam à sua família contatadas pela agência, as forças não se pronunciaram sobre as acusações.

O governo de Binyamin Netanyahu, o mais à direita da história de Israel, defende que a operação militar era necessária para desmantelar o "ninho de vespas" que o campo de Jenin se tornou, no qual militantes palestinos conduziam atividades criminosas livremente. O Exército israelense diz ter atingido o centro de operações de um grupo armado local e unidades de fabricação de explosivos, além de ter detido 30 suspeitos e apreendido armas e dinheiro destinados ao financiamento de atividades terroristas.

Na terça, Bibi, como o primeiro-ministro é conhecido, declarou que a incursão não era um evento isolado, e que a operação do início desta semana representava o "início de incursões regulares". As Brigadas de Al-Quds, braço militar da facção palestina Jihad Islâmica, reagiram afirmando que "cada beco e rua logo se transformarão em campos de batalha".

A incursão ainda reverberou na Faixa de Gaza, da onde os palestinos lançaram uma rajada de foguetes contra Israel à noite, no mesmo momento em que as tropas do Estado hebreu deixavam Jenin. Os mísseis foram derrubados pela Força Aérea israelense, que por sua vez atingiu alguns alvos do Hamas, grupo islâmico extremista que controla a área nenhuma morte foi registrada, no entanto.

Balanço da AFP baseado em informações divulgadas por fontes oficiais indica que, desde o início do ano, a violência relacionada ao conflito israelense-palestino já matou pelo menos 190 palestinos, 26 israelenses, uma ucraniana e um italiano.

 

Fonte: BBC News Mundo/FolhaPress

 

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