Centrão bolsonarista pressiona Lula por mais cargos no primeiro escalão
do governo
O presidente Luiz Inácio
Lula da Silva vai cada vez mais cedendo aos avanços do Centrão para ocupar o
governo. O Ministério do Turismo deve ter a porteira fechada com um cadeado do
União Brasil, partido do recém-nomeado ministro, Celso Sabino. Entre as
indicações para a pasta, o alvo principal é a Embratur, hoje presidida por
Marcelo Freixo, importante quadro da esquerda e filiado ao PT nos últimos
meses.
O presidente da Câmara,
Arthur Lira (PP-AL), era aguardado para conversar com o presidente Lula na
semana passada, mas o encontro não ocorreu. Lira é o principal articulador do
Centrão com deputados de diversas legendas partidárias. Como não teve a
reunião, o andamento das articulações vem correndo mais nos bastidores e ainda
no campo das possibilidades.
Lula tentou resistir às
investidas sobre a autarquia, mas a tendência é que mais cedo ou mais tarde a
vaga seja passada ao União Brasil. Internamente, o governo analisa uma
despedida honrosa para Freixo e já estuda outro órgão para colocá-lo. O
ex-deputado federal não tem mandato. No ano passado, perdeu eleições ao governo
do Rio para Cláudio Castro.
Partidos do Centrão que
nos últimos anos eram aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro articulam uma
pulada de muro para compor a gestão de Lula. Com grande influência do
presidente da Câmara, principalmente Progressistas (PP) e Republicanos passaram
a pleitear espaço na Esplanada. Ambas as legendas deram votos significativos
para a aprovação das medidas provisórias da reorganização do governo, do
arcabouço fiscal e da reforma tributária. Agora, cobram uma espécie de
"agradecimento".
O líder do governo na
Câmara, deputado José Guimarães (PT-CE), já dá como certa a entrada das duas
legendas no governo, mas afirma que a decisão é de Lula. Os deputados Silvio
Costa Filho (Republicanos-PE) e o líder do PP, André Fufuca (MA), são cotados,
respectivamente, para os ministérios do Esporte e Portos e Aeroportos. Lira
chegou a articular para ocupar o Ministério da Saúde e, depois, o
Desenvolvimento Social, mas recebeu negativas mais incisivas de Lula sobre as
duas pastas.
O PP quer também indicar
a presidência da Caixa Econômica Federal. O nome forte era de Gilberto Occhi,
que já presidiu o banco. No entanto, o movimento de reduzir o número de
mulheres na administração federal pode ser negativo para a imagem do PT. Com
isso, o nome da ex-vice-governadora do Piauí e diretora do Serviço Brasileiro
de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), Margarete Coelho, passou a
ganhar força para ocupar a vaga que atualmente é de Rita Serrano.
A tendência é que, com o
passar do tempo, o presidente da República faça as nomeações em doses
homeopáticas e em ritmo lento, como ocorreu a troca entre Sabino e Daniela
Carneiro no Turismo. Fontes palacianas e parlamentares ligadas a Lula apontam
que o petista não quer ceder tão fácil ao Centrão para não perder
contrapartidas logo no começo do mandato.
No segundo semestre, o
governo terá como prioridade, na Câmara dos Deputados, o programa de
renegociação de dívidas Desenrola Brasil, as votações referentes ao Orçamento
de 2024, o terceiro round do arcabouço fiscal e um possível retorno da reforma
tributária, que deve sofrer alterações no Senado. Já o Carf pode ser aprovado
pelos senadores sem mudanças.
·
Ideia é evitar
negociações pontuais
Com o avanço das
tratativas com União, PP e Republicanos, o governo quer firmar uma base confiável
na Câmara para aprovar propostas com maior tranquilidade e não precisar fazer
negociações pontuais, de pauta em pauta, que geram desgaste e risco de rejeição
ainda maior. Com essa estrutura, Lula também se protegerá de surpresas
negativas no parlamento, como o Projeto de Decreto Legislativo (PDL) que
derrubou decretos do presidente no marco do saneamento.
A minirreforma
ministerial entregará somente parte do apoio que Lula busca, já que líderes das
siglas dizem nos bastidores que querem decidir os posicionamentos de acordo com
cada matéria, seguindo o exemplo do União Brasil que, mesmo com três
ministérios, permite que a bancada vote de forma independente.
A atuação do governo via
Congresso deve seguir focada em pautas econômicas e não deve tratar de propostas
vistas como ideológicas da esquerda. Mesmo que Lula consiga acordos, a Câmara é
formada majoritariamente por parlamentares de centro, mais identificados com
pautas conservadoras.
Além dos partidos que têm
cargos em ministérios, como PSD, MDB e União Brasil, o governo teve que ir a
campo para buscar apoio de PP, Republicanos e até mesmo de parlamentares mais
de centro do PL. Sejam projetos de quórum de maioria simples, absoluta — o
equivalente a metade mais um, no caso da Câmara 257 deputados — ou qualificado
— em que se exige três quintos ou dois terços dos votos para aprovação —, as
tramitações do arcabouço fiscal, da medida provisória da Esplanada, da reforma
tributária e o voto de qualidade do Conselho de Administração de Recursos
Fiscais (Carf) foram cercadas por novelas, articulações e costuras até o último
momento.
O maior problema do
governo foi o União Brasil. Apesar de ter sido o segundo partido a dar mais
apoio ao governo no total de votos, a legenda de Luciano Bivar deixou a desejar
no percentual. Dos 59 deputados do partido, menos de 60% concederam ao governo
votos para manter sua estrutura ministerial, mesmo que uma derrota significasse
a perda de pastas. Além disso, os integrantes do União Brasil também deram
votos significativos para a derrubada de decretos do presidente Lula no marco
do saneamento. Apesar dos percalços, o partido deu votos importantes nas pautas
econômicas.
·
Além de ministérios,
União Brasil quer apoio do governo na sucessão de Arthur Lira, diz colunista
O deputado baiano Elmar
Nascimento (União) é considerado nas casas de apostas de Brasília como o
principal candidato para substituir Arthur Lira (PP) no comando da Câmara. O
partido dele já começou uma campanha informal na casa, tentando conquistar
apoio antecipado, sobretudo do governo.
Com três vagas na
Esplanada dos Ministérios, o União Brasil quer agora mostrar mais proatividade
para com o governo Lula. A boa vontade terá que ser colocada a mostra no
segundo semestre, já que a sigla foi uma das mais "infiéis" em votações
importantes na Câmara.
Para dirigentes do União
Brasil, "entrar na base" do governo será mais fácil agora com Celso
Sabino como ministro do Turismo. Também avaliam que o movimento será mais
natural que o do Republicanos, que segue irredutível em apoiar pautas de
costumes.
Por isso, Elmar sai na
frente de Marcos Pereira (Republicanos), outro “herdeiro” natural para a vaga
de Lira. O Republicanos tem mostrado mais boa vontade a Lula e votou quase que
integralmente a favor nos projetos econômicos do primeiro semestre.
Há também um forte
descontentamento, principalmente no Senado, de bolsonaristas populares como
Damares Alves (DF) e Hamilton Mourão (RS). Os dois são contra o desembarque do
Republicanos no governo. Em São Paulo, Tarcísio de Freitas também é contrário.
A bancada do governo tem
81 congressistas na Câmara (PT, PCdoB e PV) e pode desequilibrar a disputa, mas
a tendência é que o bloco feche questão com o blocão (União, PP, PSDB,
Cidadania, PDT, PSB, Avante, Solidariedade, Patriota), que tem 173 deputados. E
esse grupo vai apoiar quem Lira decidir apoiar.
Ø Haddad fecha acordo com Centrão
Ao abrir o gabinete para
receber parlamentares e participar das reuniões de líderes, o ministro da
Fazenda, Fernando Haddad (PT), se aproximou do presidente da Câmara, Arthur
Lira (PP-AL), ampliou o capital político e protagonizou o caminho para a
formação de uma possível base aliada no Congresso, com adesão do centrão.
Haddad recebeu uma missão
crucial para o governo Lula dar certo, logo após a posse do presidente. A
avaliação era que somente com a economia voltando a crescer haveria sucesso na
gestão petista.
A prioridade era emplacar
propostas econômicas no Congresso. Seria necessário aprovar novas regras para
gastos, aumentar o caixa com a volta do voto de qualidade do Carf (Conselho
Administrativo de Recursos Fiscais) — ou seja, em casos de empate, o presidente
do colegiado deve desempatar — e a reforma tributária.
Projetos importantes
avançaram no Congresso, mas não foram totalmente aprovados. O novo arcabouço fiscal
já foi aprovado na Câmara, mas senadores fizeram alterações e os deputados
analisarão as mudanças na volta do recesso. Tanto a reforma tributária como o
Carf já saíram da Câmara e ainda devem ser analisados pelo Senado.
Durante as negociações
para a reforma tributária, o governo Lula liberou valor recorde em emendas
parlamentares: R$ 7,5 bilhões em dois dias. Só o PL, partido do ex-presidente
de Jair Bolsonaro, ganhou R$ 699,8 milhões. O PP, de Lira, recebeu R$ 660 mi e
o PSD, terceiro partido que levou mais recursos, ganhou R$ 611,2 milhões.
Ativou o modo de
“escuta”. O cortejo de Haddad começou ainda na transição, quando o governo
recém-eleito se empenhou para aprovar em dezembro a PEC (proposta de emenda à
Constituição) que ampliou o teto de gastos por um ano.
Começou a articulação
política enquanto ainda escolhia os nomes para integrar a pasta. Segundo
aliados, Haddad se dividia entre o CCBB (Centro Cultural Banco do Brasil) e as
residências oficiais da Câmara e do Senado.
Dividiu os louros com
deputados, o que foi apontado como primeiro acerto. Após a aprovação da emenda
que garantiu o pagamento de R$ 600 para o Bolsa Família, Haddad agradeceu a
deputados que ajudaram a costurar a votação e frisou em mensagens se tratar de
“vitória compartilhada” — gesto considerado o pontapé para estreitar a relação.
Tomou iniciativa de ir a
campo para atuar na parte política. Durante tratativas pelas propostas
econômicas, ele agiu na negociação enquanto secretários e assessores da Fazenda
trabalhavam nos textos.
Barganhou por conta
própria com o centrão. Haddad deixou para trás a fama de não ser um bom
articulador e acabou conhecido como “cumpridor de acordos”. Isso aconteceu
principalmente quando houve um “gargalo” na ala da articulação política do
Planalto, alvo de críticas.
Negociou com Lira e
líderes partidários. Na votação do Carf, funcionários da Fazenda já haviam
desistido da aprovação do texto. Interlocutores contam que o clima era de
pessimismo — até que Haddad foi à residência oficial do presidente da Câmara
negociar com Lira e com os líderes partidários.
Comemorou aprovação da
reforma em aeroporto. Quando começou a votação da reforma tributária, o
ministro da Fazenda estava sem sinal, em voo, rumo a São Paulo. Só soube da
aprovação quando chegou. De acordo com aliados, a vitória foi comemorada em
solo paulista, com muita interação no WhatsApp.
As conversas entre
técnicos do governo e da Câmara sobre a reforma tributária tomavam toda a
semana do ministro. Às segundas-feiras, Haddad se reunia com as lideranças para
tomar decisões políticas em pontos que os assessores divergiam.
Em alguns casos, ele foi
contra os pareceres de técnicos do governo. Secretário da Reforma, Bernardo
Appy não queria que houvesse mais de uma alíquota. Os deputados não aceitavam
que educação, saúde e transporte pagassem o mesmo imposto que o restante dos
setores.
Haddad considerou a
posição dos parlamentares correta e autorizou percentual diferente. Avaliar
sugestões e ceder quando convencido fez o ministro da Fazenda ganhar pontos com
deputados.
As aprovações de projetos
econômicos só foram possíveis porque Haddad percebeu que a relação entre
Executivo e Legislativo mudou, afirmou um deputado governista à reportagem.
Na avaliação dele, a
Câmara não age mais como uma Casa carimbadora dos projetos do governo federal.
Ou seja, o Planalto apresenta “parâmetros”, mas a proposta é construída pelos
parlamentares — sobretudo do centrão, que integram a maioria das bancadas.
Além de Haddad, a
ministra do Planejamento, Simone Tebet (MDB), também é citada como um destaque
na relação com o Congresso.
A frequência dos
encontros ajudou na quebra do gelo existente por causa das resistências do
centrão, sobretudo no início do governo Lula.
Deputados ganhavam chá de
cadeira na sala do ministro da Casa Civil, Rui Costa (PT). O presidente falava
em cancelar privatizações e mudar o Marco do Saneamento, medidas feitas no
governo passado com aval dos deputados.
Haddad marcou posição
fazendo o contrário e mostrando disposição para conversar. Um deputado conta
que é normal a área econômica ter interlocução com deputados, mas lembra que na
época de Jair Bolsonaro (PL) era diferente.
O então ministro da
Economia, Paulo Guedes, enviava assessores e era refratário a mudanças
sugeridas no Congresso. O líder do PSD na Câmara, o deputado Antonio Brito
(BA), afirmou que o atual ministro tem postura diferente: “O Haddad é outra
coisa”.
Passado o primeiro
semestre, Haddad avançou em reconhecimento. Pesquisa divulgada pela Quaest
semana passada mostrou que 78% das menções a Haddad nas redes sociais foram
positivas. No primeiro levantamento, o índice ficou em 10%.
Um deputado governista
afirmou à reportagem que o “casamento” do centrão com o Planalto tinha como
requisitos básicos: ceder ministérios, cargos de segundo e terceiro escalão e
liberar emendas a deputados do bloco.
A costura política para a
eventual formação da base aliada se deu em paralelo às conversas com Haddad — e
foram feitas com os ministros palacianos.
Mas ainda que essa união
não tenha sido celebrada com Haddad, a aproximação do ministro com Lira mostrou
que é possível uma relação de confiança do governo com o centrão, segundo
relatos de aliados de Lula.
Um deputado petista que
conversou com o UOL declarou que a economia ajudou Haddad e no casamento com o
centrão. A inflação em junho foi de – 0,08%, existem elementos para queda dos
juros e a retomada econômica é uma possibilidade palpável.
Isto significa
expectativa de aumento da popularidade do governo, o que se traduziria em votos
nas eleições do ano que vem.
Fonte: Correio
Braziliense/BN/UOL
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