terça-feira, 25 de julho de 2023

Centrão bolsonarista pressiona Lula por mais cargos no primeiro escalão do governo

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva vai cada vez mais cedendo aos avanços do Centrão para ocupar o governo. O Ministério do Turismo deve ter a porteira fechada com um cadeado do União Brasil, partido do recém-nomeado ministro, Celso Sabino. Entre as indicações para a pasta, o alvo principal é a Embratur, hoje presidida por Marcelo Freixo, importante quadro da esquerda e filiado ao PT nos últimos meses.

O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), era aguardado para conversar com o presidente Lula na semana passada, mas o encontro não ocorreu. Lira é o principal articulador do Centrão com deputados de diversas legendas partidárias. Como não teve a reunião, o andamento das articulações vem correndo mais nos bastidores e ainda no campo das possibilidades.

Lula tentou resistir às investidas sobre a autarquia, mas a tendência é que mais cedo ou mais tarde a vaga seja passada ao União Brasil. Internamente, o governo analisa uma despedida honrosa para Freixo e já estuda outro órgão para colocá-lo. O ex-deputado federal não tem mandato. No ano passado, perdeu eleições ao governo do Rio para Cláudio Castro.

Partidos do Centrão que nos últimos anos eram aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro articulam uma pulada de muro para compor a gestão de Lula. Com grande influência do presidente da Câmara, principalmente Progressistas (PP) e Republicanos passaram a pleitear espaço na Esplanada. Ambas as legendas deram votos significativos para a aprovação das medidas provisórias da reorganização do governo, do arcabouço fiscal e da reforma tributária. Agora, cobram uma espécie de "agradecimento".

O líder do governo na Câmara, deputado José Guimarães (PT-CE), já dá como certa a entrada das duas legendas no governo, mas afirma que a decisão é de Lula. Os deputados Silvio Costa Filho (Republicanos-PE) e o líder do PP, André Fufuca (MA), são cotados, respectivamente, para os ministérios do Esporte e Portos e Aeroportos. Lira chegou a articular para ocupar o Ministério da Saúde e, depois, o Desenvolvimento Social, mas recebeu negativas mais incisivas de Lula sobre as duas pastas.

O PP quer também indicar a presidência da Caixa Econômica Federal. O nome forte era de Gilberto Occhi, que já presidiu o banco. No entanto, o movimento de reduzir o número de mulheres na administração federal pode ser negativo para a imagem do PT. Com isso, o nome da ex-vice-governadora do Piauí e diretora do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), Margarete Coelho, passou a ganhar força para ocupar a vaga que atualmente é de Rita Serrano.

A tendência é que, com o passar do tempo, o presidente da República faça as nomeações em doses homeopáticas e em ritmo lento, como ocorreu a troca entre Sabino e Daniela Carneiro no Turismo. Fontes palacianas e parlamentares ligadas a Lula apontam que o petista não quer ceder tão fácil ao Centrão para não perder contrapartidas logo no começo do mandato.

No segundo semestre, o governo terá como prioridade, na Câmara dos Deputados, o programa de renegociação de dívidas Desenrola Brasil, as votações referentes ao Orçamento de 2024, o terceiro round do arcabouço fiscal e um possível retorno da reforma tributária, que deve sofrer alterações no Senado. Já o Carf pode ser aprovado pelos senadores sem mudanças.

·         Ideia é evitar negociações pontuais

Com o avanço das tratativas com União, PP e Republicanos, o governo quer firmar uma base confiável na Câmara para aprovar propostas com maior tranquilidade e não precisar fazer negociações pontuais, de pauta em pauta, que geram desgaste e risco de rejeição ainda maior. Com essa estrutura, Lula também se protegerá de surpresas negativas no parlamento, como o Projeto de Decreto Legislativo (PDL) que derrubou decretos do presidente no marco do saneamento.

A minirreforma ministerial entregará somente parte do apoio que Lula busca, já que líderes das siglas dizem nos bastidores que querem decidir os posicionamentos de acordo com cada matéria, seguindo o exemplo do União Brasil que, mesmo com três ministérios, permite que a bancada vote de forma independente.

A atuação do governo via Congresso deve seguir focada em pautas econômicas e não deve tratar de propostas vistas como ideológicas da esquerda. Mesmo que Lula consiga acordos, a Câmara é formada majoritariamente por parlamentares de centro, mais identificados com pautas conservadoras.

Além dos partidos que têm cargos em ministérios, como PSD, MDB e União Brasil, o governo teve que ir a campo para buscar apoio de PP, Republicanos e até mesmo de parlamentares mais de centro do PL. Sejam projetos de quórum de maioria simples, absoluta — o equivalente a metade mais um, no caso da Câmara 257 deputados — ou qualificado — em que se exige três quintos ou dois terços dos votos para aprovação —, as tramitações do arcabouço fiscal, da medida provisória da Esplanada, da reforma tributária e o voto de qualidade do Conselho de Administração de Recursos Fiscais (Carf) foram cercadas por novelas, articulações e costuras até o último momento.

O maior problema do governo foi o União Brasil. Apesar de ter sido o segundo partido a dar mais apoio ao governo no total de votos, a legenda de Luciano Bivar deixou a desejar no percentual. Dos 59 deputados do partido, menos de 60% concederam ao governo votos para manter sua estrutura ministerial, mesmo que uma derrota significasse a perda de pastas. Além disso, os integrantes do União Brasil também deram votos significativos para a derrubada de decretos do presidente Lula no marco do saneamento. Apesar dos percalços, o partido deu votos importantes nas pautas econômicas.

·         Além de ministérios, União Brasil quer apoio do governo na sucessão de Arthur Lira, diz colunista

O deputado baiano Elmar Nascimento (União) é considerado nas casas de apostas de Brasília como o principal candidato para substituir Arthur Lira (PP) no comando da Câmara. O partido dele já começou uma campanha informal na casa, tentando conquistar apoio antecipado, sobretudo do governo. 

Com três vagas na Esplanada dos Ministérios, o União Brasil quer agora mostrar mais proatividade para com o governo Lula. A boa vontade terá que ser colocada a mostra no segundo semestre, já que a sigla foi uma das mais "infiéis" em votações importantes na Câmara.

Para dirigentes do União Brasil, "entrar na base" do governo será mais fácil agora com Celso Sabino como ministro do Turismo. Também avaliam que o movimento será mais natural que o do Republicanos, que segue irredutível em apoiar pautas de costumes.

Por isso, Elmar sai na frente de Marcos Pereira (Republicanos), outro “herdeiro” natural para a vaga de Lira. O Republicanos tem mostrado mais boa vontade a Lula e votou quase que integralmente a favor nos projetos econômicos do primeiro semestre.

Há também um forte descontentamento, principalmente no Senado, de bolsonaristas populares como Damares Alves (DF) e Hamilton Mourão (RS). Os dois são contra o desembarque do Republicanos no governo. Em São Paulo, Tarcísio de Freitas também é contrário.

A bancada do governo tem 81 congressistas na Câmara (PT, PCdoB e PV) e pode desequilibrar a disputa, mas a tendência é que o bloco feche questão com o blocão (União, PP, PSDB, Cidadania, PDT, PSB, Avante, Solidariedade, Patriota), que tem 173 deputados. E esse grupo vai apoiar quem Lira decidir apoiar.

 

Ø  Haddad fecha acordo com Centrão

 

Ao abrir o gabinete para receber parlamentares e participar das reuniões de líderes, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), se aproximou do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), ampliou o capital político e protagonizou o caminho para a formação de uma possível base aliada no Congresso, com adesão do centrão.

Haddad recebeu uma missão crucial para o governo Lula dar certo, logo após a posse do presidente. A avaliação era que somente com a economia voltando a crescer haveria sucesso na gestão petista.

A prioridade era emplacar propostas econômicas no Congresso. Seria necessário aprovar novas regras para gastos, aumentar o caixa com a volta do voto de qualidade do Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais) — ou seja, em casos de empate, o presidente do colegiado deve desempatar — e a reforma tributária.

Projetos importantes avançaram no Congresso, mas não foram totalmente aprovados. O novo arcabouço fiscal já foi aprovado na Câmara, mas senadores fizeram alterações e os deputados analisarão as mudanças na volta do recesso. Tanto a reforma tributária como o Carf já saíram da Câmara e ainda devem ser analisados pelo Senado.

Durante as negociações para a reforma tributária, o governo Lula liberou valor recorde em emendas parlamentares: R$ 7,5 bilhões em dois dias. Só o PL, partido do ex-presidente de Jair Bolsonaro, ganhou R$ 699,8 milhões. O PP, de Lira, recebeu R$ 660 mi e o PSD, terceiro partido que levou mais recursos, ganhou R$ 611,2 milhões.

Ativou o modo de “escuta”. O cortejo de Haddad começou ainda na transição, quando o governo recém-eleito se empenhou para aprovar em dezembro a PEC (proposta de emenda à Constituição) que ampliou o teto de gastos por um ano.

Começou a articulação política enquanto ainda escolhia os nomes para integrar a pasta. Segundo aliados, Haddad se dividia entre o CCBB (Centro Cultural Banco do Brasil) e as residências oficiais da Câmara e do Senado.

Dividiu os louros com deputados, o que foi apontado como primeiro acerto. Após a aprovação da emenda que garantiu o pagamento de R$ 600 para o Bolsa Família, Haddad agradeceu a deputados que ajudaram a costurar a votação e frisou em mensagens se tratar de “vitória compartilhada” — gesto considerado o pontapé para estreitar a relação.

Tomou iniciativa de ir a campo para atuar na parte política. Durante tratativas pelas propostas econômicas, ele agiu na negociação enquanto secretários e assessores da Fazenda trabalhavam nos textos.

Barganhou por conta própria com o centrão. Haddad deixou para trás a fama de não ser um bom articulador e acabou conhecido como “cumpridor de acordos”. Isso aconteceu principalmente quando houve um “gargalo” na ala da articulação política do Planalto, alvo de críticas.

Negociou com Lira e líderes partidários. Na votação do Carf, funcionários da Fazenda já haviam desistido da aprovação do texto. Interlocutores contam que o clima era de pessimismo — até que Haddad foi à residência oficial do presidente da Câmara negociar com Lira e com os líderes partidários.

Comemorou aprovação da reforma em aeroporto. Quando começou a votação da reforma tributária, o ministro da Fazenda estava sem sinal, em voo, rumo a São Paulo. Só soube da aprovação quando chegou. De acordo com aliados, a vitória foi comemorada em solo paulista, com muita interação no WhatsApp.

As conversas entre técnicos do governo e da Câmara sobre a reforma tributária tomavam toda a semana do ministro. Às segundas-feiras, Haddad se reunia com as lideranças para tomar decisões políticas em pontos que os assessores divergiam.

Em alguns casos, ele foi contra os pareceres de técnicos do governo. Secretário da Reforma, Bernardo Appy não queria que houvesse mais de uma alíquota. Os deputados não aceitavam que educação, saúde e transporte pagassem o mesmo imposto que o restante dos setores.

Haddad considerou a posição dos parlamentares correta e autorizou percentual diferente. Avaliar sugestões e ceder quando convencido fez o ministro da Fazenda ganhar pontos com deputados.

As aprovações de projetos econômicos só foram possíveis porque Haddad percebeu que a relação entre Executivo e Legislativo mudou, afirmou um deputado governista à reportagem.

Na avaliação dele, a Câmara não age mais como uma Casa carimbadora dos projetos do governo federal. Ou seja, o Planalto apresenta “parâmetros”, mas a proposta é construída pelos parlamentares — sobretudo do centrão, que integram a maioria das bancadas.

Além de Haddad, a ministra do Planejamento, Simone Tebet (MDB), também é citada como um destaque na relação com o Congresso.

A frequência dos encontros ajudou na quebra do gelo existente por causa das resistências do centrão, sobretudo no início do governo Lula.

Deputados ganhavam chá de cadeira na sala do ministro da Casa Civil, Rui Costa (PT). O presidente falava em cancelar privatizações e mudar o Marco do Saneamento, medidas feitas no governo passado com aval dos deputados.

Haddad marcou posição fazendo o contrário e mostrando disposição para conversar. Um deputado conta que é normal a área econômica ter interlocução com deputados, mas lembra que na época de Jair Bolsonaro (PL) era diferente.

O então ministro da Economia, Paulo Guedes, enviava assessores e era refratário a mudanças sugeridas no Congresso. O líder do PSD na Câmara, o deputado Antonio Brito (BA), afirmou que o atual ministro tem postura diferente: “O Haddad é outra coisa”.

Passado o primeiro semestre, Haddad avançou em reconhecimento. Pesquisa divulgada pela Quaest semana passada mostrou que 78% das menções a Haddad nas redes sociais foram positivas. No primeiro levantamento, o índice ficou em 10%.

Um deputado governista afirmou à reportagem que o “casamento” do centrão com o Planalto tinha como requisitos básicos: ceder ministérios, cargos de segundo e terceiro escalão e liberar emendas a deputados do bloco.

A costura política para a eventual formação da base aliada se deu em paralelo às conversas com Haddad — e foram feitas com os ministros palacianos.

Mas ainda que essa união não tenha sido celebrada com Haddad, a aproximação do ministro com Lira mostrou que é possível uma relação de confiança do governo com o centrão, segundo relatos de aliados de Lula.

Um deputado petista que conversou com o UOL declarou que a economia ajudou Haddad e no casamento com o centrão. A inflação em junho foi de – 0,08%, existem elementos para queda dos juros e a retomada econômica é uma possibilidade palpável.

Isto significa expectativa de aumento da popularidade do governo, o que se traduziria em votos nas eleições do ano que vem.

 

Fonte: Correio Braziliense/BN/UOL

 

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