quinta-feira, 27 de julho de 2023

Caso Marielle avança, mas achar mandante ainda é desafio

Entre investigadores policiais, é comum a noção de que a grande maioria dos casos de homicídio é resolvida no mesmo dia ou logo depois do crime. No sentido contrário, quanto mais distante da data do crime, mais difícil de resolvê-lo. Um levantamento recente do Instituto Sou da Paz feito em 11 estados brasileiros indicou que 70% dos casos de homicídio ficam sem solução, um número absurdo e aterrador. O Distrito Federal (DF) foi apontado como uma das unidades da Federação supostamente “mais eficientes”, no qual 90% dos homicídios são oficialmente “resolvidos”. No recorte sobre o DF, cerca de 92% dos casos foram encerrados num prazo de até dois anos. Isto é, o levantamento confirma que, quanto mais tempo passa, mais inviável a solução de um homicídio.

O assassinato da então vereadora do Rio pelo Psol Marielle Franco já passou de cinco anos sem a descoberta do mandante do crime. Para desconsolo em especial dos familiares e amigos da vereadora e da segunda vítima, o motorista Anderson Gomes, segue faltando a peça final, quem determinou a execução covarde e fria cumprida na noite de 14 de março de 2018.

São muitas as explicações para as deficiências da investigação originalmente tocada pela Polícia Civil do Rio. Entre elas pode estar a decisão do Ministério Público (MP) do Rio de reagir, desde o segundo dia do crime, à hipótese de federalização do caso. A Procuradoria-Geral da República (PGR) na época cedeu às argumentações do MP fluminense e deixou de rapidamente ajuizar, no Superior Tribunal de Justiça (STJ), a federalização, tecnicamente chamada de Incidente de Deslocamento de Competência (IDC). Só a PGR poderia fazer tal pedido. Se o caso tivesse sido federalizado desde o princípio, com apoio do STJ, o inquérito já estaria nas mãos da Polícia Federal (PF) poucos dias depois dos assassinatos.

Mas o IDC só foi ajuizado um ano e meio depois, em setembro de 2019, em um dos últimos atos da então procuradora-geral da República Raquel Dodge. Em 2020, acompanhando o voto da relatora ministra do STJ Laurita Vaz, o tribunal rejeitou o pedido sob o argumento de que a investigação da Polícia Civil e do MP do Rio havia obtido avanços importantes. Assim, disse o STJ, não havia razão para retirar o caso dos policiais civis. Na ocasião, vale ressaltar, nem os familiares das vítimas queriam a federalização. Temia-se que Jair Bolsonaro pudesse influenciar os rumos da investigação caso ela migrasse para a Polícia Federal. Era um temor justificável, tendo em vista as declarações e pressões públicas que Bolsonaro fazia contra a direção da PF em torno do caso Adélio, por exemplo, ou das investidas sobre a PF do Rio no caso das rachadinhas que envolvia seu filho Flávio.

Mas o tempo passou, o governo federal mudou e, nesta segunda-feira (24), a PF divulgou importantes desdobramentos no caso ao desencadear uma operação que trouxe novas luzes à ação de um dos executores, o ex-policial militar Ronnie Lessa, e ao destino do carro utilizado no crime, entre outros pontos. A investigação da PF também coloca em xeque o trabalho da Polícia Civil do Rio. A polícia fluminense de fato identificou e prendeu Ronnie Lessa e seu parceiro, Élcio Queiroz, mas deveria vir a público explicar – sabemos que não vai – por que, ao longo de cinco anos, não chegou a essas outras provas que envolvem um bombeiro militar e outras pessoas.

A PF está com o caso há apenas quatro meses. Em 120 dias, os nove investigadores hoje mobilizados pela PF tiveram um sucesso que os policiais civis do Rio não atingiram em mais de 1.500 dias de apuração. É, no mínimo, estranho. Uma dúvida simples: não foi tentada uma delação premiada com um dos presos, Queiroz, que acabou se tornando o ponto de partida da atual investigação? A delação só foi assinada em junho passado.

Dito isso, é preciso ficar claro que o mais recente passo da investigação pouco ou nada trouxe a respeito dos mandantes do crime. Nesse tópico, seguimos sem novidades. Levando em conta as estatísticas, também cabe às autoridades do atual governo – que, obviamente, nada teve a ver com os percalços da investigação iniciada ainda durante o governo de Michel Temer (2016-2018) – não alimentar falsas esperanças que ninguém ainda sabe se um dia poderão de fato ser respondidas, conforme a Agência Pública apurou junto a fontes que têm acesso à investigação. A investigação trabalha com algumas linhas, mas ainda não conseguiu provas sobre o mandante.

É por isso que surpreendeu uma recente declaração feita pelo ministro da Justiça e da Segurança Pública, Flávio Dino, sobre os andamentos da investigação. Ele disse em entrevista à Pública, em 13 de julho último, que “acredito que vamos chegar a uma solução do crime”. Esse tipo de manifestação mediúnica, que tem mais a ver com vontade do que com realidade, mais atrapalha do que ajuda em uma investigação. Além de alimentar esperanças que poderão não ser atendidas, exerce uma pressão sobre os investigadores.

Cinco anos depois do crime, os investigadores precisam refazer meticulosamente tudo o que foi feito e o que não foi feito pela Polícia Civil do Rio. Isso leva tempo, paciência e certa paz no trabalho, o que os seus superiores, entre os quais está o ministro, deveriam entender. A gestão de Dino fez um movimento positivo e correto ao retomar e aprofundar o caso Marielle. Mas não pode ela mesma se enrolar na própria língua.

 

       PF apontou ‘percalços’ em apuração da Polícia Civil no Caso Marielle

 

Em relatório no qual pede autorização da Justiça fluminense para cumprir as diligências da operação que prendeu mais um réu pelo assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL) e do motorista Anderson Gomes, a Polícia Federal analisou centenas de procedimentos já abertos para a apuração do crime ocorrido em 15 de março de 2018. A PF relatou “percalços” e até o que chamou de “golpe” nas investigações. A corporação conclui que agora foram constituídas “bases sólidas” para a identificação dos supostos mandantes e financiadores das execuções.

O documento da PF possui mais de 150 páginas. A corporação destaca que a investigação visou “dar sustentáculo às movediças premissas fixadas” pelo relatório da Polícia Civil do Rio sobre a autoria do crime.

A avaliação dos investigadores é a de que agora estão “bem ilustrados” os pormenores dos assassinatos de Marielle e Gomes, em razão da “riqueza de detalhes” das declarações de Élcio Queiroz, ex-policial militar que fechou acordo de delação premiada com o Ministério Público estadual. O ex-PM confessou participação no crime e incriminou Ronnie Lessa, também ex-policial, acusado de ser o autor dos disparos.

•        ‘Cold case’

Se, por um lado, os investigadores consideram que agora há “bases sólidas” para identificar os mandantes dos assassinatos, eles citaram também “percalços investigativos”. A PF ressaltou que, em uma apuração sobre homicídio, a “janela de oportunidade para a captação de vestígios e demais elementos de convicção é compacta”.

Nessa linha, a corporação diz ter analisado o caso Marielle como um “cold case” – caso frio -, argumentando que “amarras temporais impõem à equipe de investigação limites intransponíveis que seriam supridas caso fossem adotadas as providências necessárias em momento contemporâneo aos fatos”.

A PF apontou ainda “severa limitação a novas diligências que se mostraram oportunas com o avanço dos trabalhos”. Os investigadores argumentaram que tiveram de buscar meios de prova “não triviais” para tentar identificar mais envolvidos no caso, como a delação premiada do ex-PM Élcio Queiroz e a corroboração do relato com dados que já haviam sido levantados pelo Ministério Público ao longo do inquérito.

Élcio Queiroz fez uma série de revelações sobre o planejamento e o assassinato de Marielle e o motorista. Narrou todos os passos do crime, tanto no dia da emboscada e execução como nos dias posteriores, em que os investigados tentaram se desfazer das provas. Élcio dirigiu o veículo Cobalt prata na noite do assassinato. Ele relatou uma tentativa anterior, frustrada, de executar a parlamentar, o que teria deixado Ronnie Lessa irritado.

Ainda indicou o nome de quem teria arrumado, para Lessa, a arma usada no assassinato. A mesma pessoa teria sido responsável por levar a “missão” de matar Marielle para o grupo. Segundo o delator, o suposto contratante do crime foi o então policial militar Edimilson Oliveira da Silva, conhecido como “Macalé”, assassinado em novembro de 2021.

Os investigadores qualificaram a morte de Edmilson, “participante efetivo nas campanas e vigilâncias que objetivaram atentar contra a vida de Marielle”, como um “severo golpe que a intempestividade impôs à persecução penal”.

Procurada, a Polícia Civil do Rio não havia se manifestado até a publicação deste texto.

<><> Leia nomes dos 6 alvos da PF na operação do caso Marielle

Ao realizar a Operação Élpis na 2ª feira (24.jul.2023), a PF (Polícia Federal) realizou buscas e apreensões nas residências de 6 suspeitos de envolvimento na morte da vereadora Marielle Franco (Psol-RJ) e do motorista Anderson Gomes.

Segundo a PF, todos “prestaram auxílio material ou circundaram os executores do crime na época dos fatos”. São eles:

•        Edílson Barbosa dos Santos, conhecido como “Orelha”;

•        Denis Lessa, irmão do ex-PM Ronnie Lessa (denunciado como autor dos disparos que mataram Marielle e Anderson);

•        João Paulo Viana dos Santos Soares, conhecido como “Gato do Mato”;

•        Alessandra da Silva Farizote;

•        Maurício da Conceição dos Santos Júnior, conhecido como “Mauricinho”;

•        Jomar Duarte Bittencourt Júnior, conhecido como “Jomarzinho”.

A PF argumentou que precisava inspecionar os endereços dos alvos para entender a dimensão de suas participações no crime e para identificar “camadas mais próximas ao núcleo do grupo criminoso”.

Marielle Franco e Anderson Gomes foram assassinados em 14 de março de 2018, no bairro do Estácio, Rio de Janeiro. O carro em que estavam foi atingido por 13 disparos. A vereadora foi seguida desde a Lapa, no centro do Rio, onde participava de um encontro político. A arma usada no crime foi uma submetralhadora HK MP5 de fabricação alemã. Passados 5 anos, ainda não se sabe quem é o mandante do crime.

As investigações levaram à prisão de 2 executores: o policial militar reformado Ronnie Lessa, por realizar os disparos; e o motorista e ex-policial militar Élcio Queiroz, que estaria dirigindo o carro que perseguiu as vítimas.

Na operação, a polícia prendeu o ex-bombeiro Maxwell Simões Corrêa. Em 2021, ele foi condenado a 4 anos de prisão por atrapalhar as investigações sobre o crime, mas cumprida a pena em regime aberto. O ex-bombeiro havia sido preso em junho de 2020 por ser o dono do carro usado para esconder as armas usadas no crime.

Sua participação no crime foi revelada por Élcio Queiroz em uma delação premiada. Com base nas informações do depoimento do ex-policial militar, a PF deflagrou a Operação Élpis.

“Orelha” é apontado como o responsável por se desfazer do carro usado por Ronnie Lessa e Élcio Queiroz para a emboscada e execução. Segundo Élcio, ele era o condutor do veículo usado na noite dos assassinatos.

Ao pedir as buscas na casa de Denis Lessa, os investigadores pretendiam localizar a arma do crime. Conforme a delação, Ronnie teria entregado a um irmão uma bolsa com a arma e o casaco que usou naquela noite.

O pedido por buscas a João Paulo e Alessandra foi feito por conta da “relação de proximidade” que mantinham com Ronnie Lessa. Já Maurício e Jomar tiveram “papel de destaque” no vazamento de informações em operação de 2019 que visava Ronnie Lessa. Ele conseguiu fugir, “frustrando futura aplicação da lei penal”, segundo a PF.

 

       Tem alguém poderoso por trás da morte de Marielle, diz Anielle

 

A ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, disse nesta 2ª feira (24.jul.2023), sem citar nomes ou indicar suspeitos, acreditar que alguém “muito forte, com muito dinheiro, muito poderoso” está envolvido no assassinato de sua irmã, a vereadora Marielle Franco (Psol-RJ), morta em 2018.

“Não só mataram a Mari com os tiros, mas (querem) matar também todo o trabalho que ela fez e tudo que ela significa hoje para tanta gente no país. Tem esse lado e tem também o lado que a gente sabe que tem alguém por trás muito forte, com muito dinheiro, muito poderoso […] Tem, existe. Quem essa pessoa ou essas pessoas que interferiram estão tentando proteger de fato?”, disse em entrevista ao programa “Estúdio i” da GloboNews.

Também nesta 2ª (24.jul), o ministro da Justiça, Flávio Dino, afirmou que o ex-policial militar Élcio Queiroz firmou delação premiada e confessou participação na morte de Marielle. Élcio disse que a execução foi feita pelo policial militar reformado Ronnie Lessa e relatou a participação de Maxwell Simões Corrêa. 

O ex-bombeiro Maxwell Simões foi preso pela PF (Polícia Federal) no começo da manhã. Ele foi condenado a 4 anos de prisão em 2021 por atrapalhar as investigações sobre o crime, mas cumpria a pena em regime aberto. Ele havia sido preso em junho de 2020 por ser o dono do carro usado para esconder as armas usadas no assassinato.

Segundo a ministra da Igualdade Racial, “não tem como despolitizar” a morte de Marielle. Para ela, o assassinato da vereadora do Psol-RJ foi um “marco político” para o Brasil e representa “o ápice da violência política” no país.

“Não tem como despolitizar. A gente não tem como tirar a Mari desse lugar, desse posicionamento, porque ela representa muito. Seria impossível, seria cruel a gente fazer isso”, afirmou.

Anielle Franco afirmou que a investigação deu “um passo importante” nesta 2ª (24.jul), mas disse ter o sentimento de que o caso “ainda não está encerrado”. 

“Falei isso pro Dino hoje cedo, falei com o Andrei (Rodrigues, diretor da PF) também, falei pros meus pais, que não é hora de a gente abaixar a guarda nem de afirmar nada com certezas. Sigo com esperança que vamos ter em breve o mandante e o motivo”, disse.

Para Anielle, o principal ponto a ser esclarecido é porque a sua irmã foi morta. “Sei que muita gente paira na pergunta dos mandantes e a gente sabe que é importante.

Mas por que a Mari? Por que ela?”, perguntou.  “Enquanto a gente não desvendar quem mandou matar Marielle e o porquê, todas as mulheres que estão no poder seguem correndo risco. Todas as políticas seguem correndo risco. A democracia segue correndo risco. O povo negro também, e a gente precisa acreditar que vamos ter uma solução para esse crime”, disse.

 

Fonte: Por Rubens Valentem da Agencia Pública/Agencia Estado/Poder 360

 

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