Brian Mier: New
York Times se preocupa com o Brasil indo longe demais na luta contra a
extrema-direita
O
ex-presidente brasileiro Jair Bolsonaro foi condenado em 30 de junho na
primeira de 16 acusações de fraude eleitoral contra ele no Tribunal Superior
Eleitoral do Brasil e sentenciado a uma proibição de oito anos de concorrer a
cargos políticos.
Um
artigo do New York Times de 1º de julho, intitulado "Por que Bolsonaro foi
impedido no Brasil, mas Trump pode concorrer nos EUA", faz um bom trabalho
ao explicar as diferenças nos sistemas eleitorais dos dois países. No entanto,
ele também desenvolve ainda mais uma narrativa que vem construindo desde a
temporada eleitoral do Brasil em 2022 de um sistema judicial autoritário que se
envolve em abuso judicial para perseguir inimigos políticos.
Para
um consumidor médio de notícias que não prestou muita atenção aos últimos oito
anos da história brasileira e não está familiarizado com a lei brasileira, as
alegações do Times de que os tribunais podem estar ultrapassando seus limites
podem parecer legítimas. No entanto, quando comparadas à forma como o Times
retratou a investigação anticorrupção Lava Jato e sua perseguição política ao
então ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e outros membros do Partido dos
Trabalhadores, parece que o Times está usando seu tradicional duplo padrão de
ser condescendente com extremistas de direita enquanto retrata governos de
esquerda na América Latina como autoritários.
ABUSOS
JUDICIAIS DE UM 'HERÓI'
Em
37 artigos do New York Times publicados entre janeiro de 2015 e abril de 2018
sobre a operação Lava Jato apoiada pelo Departamento de Justiça dos EUA, que
culminou na prisão ilegítima de Lula durante o ano eleitoral, o abuso judicial
foi pouco mencionado.
Uma
referência rara ocorreu no artigo de Simon Romero de 2016 intitulado
"Tempers Flare in Brazil Over Intercepts of Calls by Ex-President
'Lula'" (17/03/16). Vinte e quatro parágrafos depois de rotular o agora
desacreditado juiz da Lava Jato, Sergio Moro, como um "herói" e dar
espaço para seus aliados afirmarem falsamente que não é ilegal no Brasil
interceptar ligações de um presidente em exercício e vazar as conversas para a
imprensa, uma voz crítica surge:
"Ele
não estava agindo como juiz", disse Ronaldo Lemos, professor de direito da
Universidade Estadual do Rio de Janeiro e um dos criadores da legislação que
abrange liberdade de expressão e privacidade na Internet. "Ele estava
agindo como político. Isso é o que me preocupa."
No
entanto, essa voz da razão é imediatamente desmentida em um parágrafo
subsequente que cita o professor de direito conservador Fernando Castelo
Branco: "Eu não acho que houve um único ato ilegal no que o juiz Sergio
Moro fez".
No
mesmo dia do artigo do Times, Moro apresentou um pedido de desculpas de 31
páginas ao Supremo Tribunal Federal do Brasil por vazar ilegalmente a conversa,
mas isso foi ignorado pelo New York Times. O Times também não cobriu o episódio
em que ele violou a lei novamente ao interceptar todas as conversas telefônicas
no escritório de advocacia dos advogados de defesa de Lula por 30 dias,
compartilhando as conversas com a equipe de acusação para que pudesse
antecipadamente mapear e desenvolver estratégias contra futuras ações da equipe
de defesa.
Pouco
depois de Moro admitir ter violado a lei, um grupo de seus comparsas no
Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) em Porto Alegre tomou uma
decisão inédita, permitindo que a investigação Lava Jato operasse fora da lei.
O New York Times não identificou isso como um sinal de alerta de abuso
judicial, pois continuou a publicar artigo após artigo elogiando a Lava Jato.
Isso levou à prisão de Lula em abril de 2018 por "atos indeterminados de
corrupção", com base em um depoimento de delação premiada forçada sem
evidências materiais.
Lula
foi libertado da prisão devido a uma constatação de manobra ilegal de escolha
de tribunal favorável e suas condenações foram anuladas, com todas as acusações
pendentes da Operação Lava Jato sendo retiradas devido a uma colaboração entre
o juiz e os promotores. No entanto, o Times deixou de fazer qualquer
autocrítica sobre seu papel em normalizar a prisão do candidato presidencial e
a subsequente ascensão de Bolsonaro ao poder.
CRIMES
NA TV AO VIVO
Equiparar
a perseguição política apoiada pelo FBI a Lula e o veredicto de culpa contra
Bolsonaro como exemplos de abuso judicial é um ato de má fé. Ao contrário de
Lula - que foi declarado culpado durante um ano eleitoral, com base em um único
depoimento de uma testemunha com um acordo de delação premiada coercitiva, por
um juiz que se tornou ministro da Justiça de seu oponente eleitoral - Bolsonaro
cometeu os crimes pelos quais foi condenado em rede nacional de televisão ao
vivo.
Em
um evento financiado com dinheiro público dentro da residência oficial do
presidente, mais de 100 autoridades estrangeiras foram expostas a uma
apresentação de slides feita por Bolsonaro, na qual ele atacou a integridade do
sistema eleitoral do Brasil sem fornecer qualquer evidência para apoiar suas
alegações. Três meses antes das eleições, em um momento em que ele estava atrás
de Lula com uma grande diferença nas pesquisas, milhões de pessoas o assistiram
na TV Brasil e em suas contas de mídia social, quando ele afirmou que seus
inimigos iriam fraudar o sistema de votação eletrônica do Brasil. No Brasil,
isso constitui abuso de autoridade, fraude eleitoral e uso indevido de recursos
públicos.
A
condenação de Bolsonaro pelo tribunal eleitoral abriu caminho para uma
auditoria federal que pode resultar em acusações pelos cerca de R$ 12.000 em
recursos públicos que ele gastou para sediar o evento, e uma investigação
criminal quepode resultar em tempo de prisão.
INDO
LONGE DEMAIS
O
abuso judicial no Brasil nunca pareceu incomodar o Times quando foi usado em um
processo judicial injusto contra o maior partido político progressista do
Brasil, mas uma semana antes das eleições presidenciais de 2022, ele insinuou
que o presidente de extrema direita Jair Bolsonaro e seus seguidores eram as
verdadeiras vítimas, com "Para Defender a Democracia, o Supremo Tribunal
do Brasil Está Indo Longe Demais?" (26/09/22). Isso continuou em janeiro
com "Ele É o Defensor da Democracia do Brasil. Ele É Realmente Bom para a
Democracia?" (22/01/23), que foi publicado com o subtítulo:
Alexandre
de Moraes, um juiz do Supremo Tribunal Federal do Brasil, foi crucial para a
transferência de poder no Brasil. Mas suas táticas agressivas estão gerando
debate: Será que alguém pode ir longe demais na luta contra a extrema direita?
Por
que o New York Times esperaria para reclamar do abuso judicial até que um
governo de esquerda na América Latina tentasse aplicar o estado de direito para
punir pessoas culpadas de fomentar um golpe militar neofascista? O caso do
Brasil está longe de ser único. Após o governo nicaraguense começar a processar
os participantes da fracassada tentativa de golpe de direita em 2018, que
deixou 253 pessoas mortas, o New York Times (02/03/23) comparou o governo à
Alemanha nazista. Quando os tribunais bolivianos ordenaram a prisão do líder do
golpe de direita em 2019, durante o qual a polícia massacrou dezenas de
manifestantes não violentos, o Times (10/06/22) levantou preocupações sobre
"o uso do sistema judicial pelos políticos para atacar oponentes".
As
estreitas ligações de Bolsonaro com Donald Trump e Steve Bannon criaram a
primeira convergência de interesses entre a esquerda brasileira e o Partido
Democrata dos EUA em décadas, levando a administração Biden a reconhecer
rapidamente os resultados das eleições no Brasil e apoiar a posse de Lula em
janeiro. No entanto, uma série de medidas tomadas por Lula desde então - desde
se recusar a enviar munição para a Ucrânia até tratar Nicolás Maduro com grande
consideração, passando por planos de desdolarização do comércio com a China -
deve fazer com que algumas pessoas no Departamento de Estado considerem as
possibilidades de fomentar outro golpe no Brasil.
É
aí que a narrativa de "abuso judicial" do New York Times pode ser
útil. Se os EUA decidirem seguir nessa direção, os leitores do Times já estão
sendo preparados para uma narrativa de "homem forte autoritário da América
Latina".
Ultradireita pode afastar profissionais
estrangeiros da Alemanha?
O
governo da Alemanha está atualmente tentando lidar com dois dos mais urgentes
desafios que o país enfrenta – e que podem se conectar: a ascensão da extrema
direita e o declínio demográfico de longo prazo.
O
primeiro é mais imediato. O partido Alternativa para a Alemanha (AfD), de
ultradireita e anti-imigração, é hoje a maior força política em vários estados
do Leste alemão, e o populismo da sigla vem conquistando novos eleitores.
O
segundo desafio é de mais longo prazo e mais prático e, segundo os economistas,
pode representar uma ameaça à prosperidade do país. Uma lacuna demográfica
iminente na força de trabalho da Alemanha exigirá a chegada de muito mais
imigrantes, alertam empresários.
O
governo alemão introduziu recentemente uma lei destinada a diminuir os
obstáculos burocráticos para se candidatar a um emprego na Alemanha. Mas a
atmosfera política é mais difícil de controlar.
Em
um evento no Leste alemão nesta semana, o ministro das Finanças, Christian
Lindner, alertou que a ascensão da AfD é uma ameaça à economia da região.
"Um partido que quer fechar as portas do país e que serve a clichês
xenófobos é areia na engrenagem da economia", afirmou.
Repercussão
na imprensa estrangeira
O
racismo e a xenofobia são comprovadamente um problema na Alemanha. Um relatório
sobre islamofobia, por exemplo, encomendado pelo governo recentemente, concluiu
que o preconceito contra muçulmanos está "espalhado por amplas faixas da
sociedade e é uma realidade cotidiana".
Mas
até que ponto tais preocupações desencorajam estrangeiros de se mudarem para a
Alemanha é uma questão em aberto. Ulrich Kober, diretor do programa Democracia
e Coesão Social na think tank alemã Fundação Bertelsmann, diz haver verdades no
alerta de Lindner, mas faz ressalvas. "Sabemos por pesquisas que as
decisões sobre migrar são muito complexas", afirma. "Nunca há apenas
um fator: as pessoas têm prioridades diferentes quando escolhem para onde
migrar."
Kober
observa que o relatório sobre islamofobia e os sucessos e escândalos da AfD
foram destaque também na imprensa estrangeira. "Quando grupos de extrema
direita estão em ascensão na Alemanha, ou quando políticos de extrema direita
conquistam cargos públicos, isso é notícia em outros países", diz.
"As pessoas estão cientes do que está acontecendo na Alemanha."
O
gerente de TI Shivam Mehrotra confirma isso. O indiano passou os últimos cinco
anos trabalhando para uma empresa em Brandemburgo – um dos estados onde a AfD
atualmente lidera as pesquisas de opinião – e auxilia outros imigrantes a
lidarem com a burocracia alemã. Mehrotra diz que os indianos que estão pensando
em morar fora prestam atenção nessas histórias.
"Acho
que não seria um fator determinante para decidir vir ou não para a Alemanha,
mas a direção que o país está tomando seria levada em consideração",
afirma.
O
homem de 33 anos diz que não foi alvo de racismo em seu tempo na Alemanha
("Talvez eu tenha tido sorte", afirma), mas a ascensão do populismo
de extrema direita o preocupa. "Isso me afeta", conta. "É
divisivo em qualquer lugar do mundo, mas especialmente na Alemanha, que agora
chamo de meu país. Gosto de acreditar que a Alemanha valoriza os valores de
igualdade e diversidade."
O
que atrai e o que afasta os estrangeiros
Várias
instituições – desde think tanks financiados por empresas, como a Fundação
Bertelsmann, até entidades internacionais como a Organização para Cooperação e
Desenvolvimento Econômico (OCDE) – realizam regularmente pesquisas sobre o que
torna os países atraentes e para quem.
Elas
descobriram que os fatores mais importantes são perspectivas profissionais,
renda potencial e qualidade de vida. Nesses três pontos, a Alemanha está
razoavelmente bem posicionada, afirma Kober, da Bertelsmann.
Ainda
assim, compete com outros países ricos que também precisam de força de trabalho
– e Estados Unidos, Canadá, Austrália e Reino Unido têm uma ampla vantagem, já
que grande parte do mundo fala seu idioma nativo, o inglês.
Uma
pesquisa da OCDE publicada no ano passado perguntou a trabalhadores
qualificados de todo o mundo o que eles viam como os maiores obstáculos para se
mudar para a Alemanha. Cerca de 38% mencionaram a falta de domínio da língua
alemã, enquanto apenas 18% citaram preocupações com discrimação e racismo.
"Desempenha,
sim, um papel, mas é preciso colocá-lo no contexto de outros fatores
maiores", afirma Kober. "Acho que isso também se deve ao fato de que
a maioria das pessoas sabe que não há sociedade em nenhum lugar do mundo que
seja livre de racismo."
"Outros
países, os clássicos países anglo-saxões de imigração, desenvolveram uma
cultura de abertura, e isso ainda falta em muitos setores da população na
Alemanha", acrescenta. "E, claro, a AfD – ou melhor, a mentalidade
que leva as pessoas a votarem na AfD – não representa exatamente uma cultura de
abertura."
Fonte:
Brasil 247/Deutsche Welle
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