terça-feira, 11 de julho de 2023

Brian Mier: New York Times se preocupa com o Brasil indo longe demais na luta contra a extrema-direita

O ex-presidente brasileiro Jair Bolsonaro foi condenado em 30 de junho na primeira de 16 acusações de fraude eleitoral contra ele no Tribunal Superior Eleitoral do Brasil e sentenciado a uma proibição de oito anos de concorrer a cargos políticos.

Um artigo do New York Times de 1º de julho, intitulado "Por que Bolsonaro foi impedido no Brasil, mas Trump pode concorrer nos EUA", faz um bom trabalho ao explicar as diferenças nos sistemas eleitorais dos dois países. No entanto, ele também desenvolve ainda mais uma narrativa que vem construindo desde a temporada eleitoral do Brasil em 2022 de um sistema judicial autoritário que se envolve em abuso judicial para perseguir inimigos políticos.

Para um consumidor médio de notícias que não prestou muita atenção aos últimos oito anos da história brasileira e não está familiarizado com a lei brasileira, as alegações do Times de que os tribunais podem estar ultrapassando seus limites podem parecer legítimas. No entanto, quando comparadas à forma como o Times retratou a investigação anticorrupção Lava Jato e sua perseguição política ao então ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e outros membros do Partido dos Trabalhadores, parece que o Times está usando seu tradicional duplo padrão de ser condescendente com extremistas de direita enquanto retrata governos de esquerda na América Latina como autoritários.

ABUSOS JUDICIAIS DE UM 'HERÓI'

Em 37 artigos do New York Times publicados entre janeiro de 2015 e abril de 2018 sobre a operação Lava Jato apoiada pelo Departamento de Justiça dos EUA, que culminou na prisão ilegítima de Lula durante o ano eleitoral, o abuso judicial foi pouco mencionado.

Uma referência rara ocorreu no artigo de Simon Romero de 2016 intitulado "Tempers Flare in Brazil Over Intercepts of Calls by Ex-President 'Lula'" (17/03/16). Vinte e quatro parágrafos depois de rotular o agora desacreditado juiz da Lava Jato, Sergio Moro, como um "herói" e dar espaço para seus aliados afirmarem falsamente que não é ilegal no Brasil interceptar ligações de um presidente em exercício e vazar as conversas para a imprensa, uma voz crítica surge:

"Ele não estava agindo como juiz", disse Ronaldo Lemos, professor de direito da Universidade Estadual do Rio de Janeiro e um dos criadores da legislação que abrange liberdade de expressão e privacidade na Internet. "Ele estava agindo como político. Isso é o que me preocupa."

No entanto, essa voz da razão é imediatamente desmentida em um parágrafo subsequente que cita o professor de direito conservador Fernando Castelo Branco: "Eu não acho que houve um único ato ilegal no que o juiz Sergio Moro fez".

No mesmo dia do artigo do Times, Moro apresentou um pedido de desculpas de 31 páginas ao Supremo Tribunal Federal do Brasil por vazar ilegalmente a conversa, mas isso foi ignorado pelo New York Times. O Times também não cobriu o episódio em que ele violou a lei novamente ao interceptar todas as conversas telefônicas no escritório de advocacia dos advogados de defesa de Lula por 30 dias, compartilhando as conversas com a equipe de acusação para que pudesse antecipadamente mapear e desenvolver estratégias contra futuras ações da equipe de defesa.

Pouco depois de Moro admitir ter violado a lei, um grupo de seus comparsas no Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) em Porto Alegre tomou uma decisão inédita, permitindo que a investigação Lava Jato operasse fora da lei. O New York Times não identificou isso como um sinal de alerta de abuso judicial, pois continuou a publicar artigo após artigo elogiando a Lava Jato. Isso levou à prisão de Lula em abril de 2018 por "atos indeterminados de corrupção", com base em um depoimento de delação premiada forçada sem evidências materiais.

Lula foi libertado da prisão devido a uma constatação de manobra ilegal de escolha de tribunal favorável e suas condenações foram anuladas, com todas as acusações pendentes da Operação Lava Jato sendo retiradas devido a uma colaboração entre o juiz e os promotores. No entanto, o Times deixou de fazer qualquer autocrítica sobre seu papel em normalizar a prisão do candidato presidencial e a subsequente ascensão de Bolsonaro ao poder.

CRIMES NA TV AO VIVO

Equiparar a perseguição política apoiada pelo FBI a Lula e o veredicto de culpa contra Bolsonaro como exemplos de abuso judicial é um ato de má fé. Ao contrário de Lula - que foi declarado culpado durante um ano eleitoral, com base em um único depoimento de uma testemunha com um acordo de delação premiada coercitiva, por um juiz que se tornou ministro da Justiça de seu oponente eleitoral - Bolsonaro cometeu os crimes pelos quais foi condenado em rede nacional de televisão ao vivo.

Em um evento financiado com dinheiro público dentro da residência oficial do presidente, mais de 100 autoridades estrangeiras foram expostas a uma apresentação de slides feita por Bolsonaro, na qual ele atacou a integridade do sistema eleitoral do Brasil sem fornecer qualquer evidência para apoiar suas alegações. Três meses antes das eleições, em um momento em que ele estava atrás de Lula com uma grande diferença nas pesquisas, milhões de pessoas o assistiram na TV Brasil e em suas contas de mídia social, quando ele afirmou que seus inimigos iriam fraudar o sistema de votação eletrônica do Brasil. No Brasil, isso constitui abuso de autoridade, fraude eleitoral e uso indevido de recursos públicos.

A condenação de Bolsonaro pelo tribunal eleitoral abriu caminho para uma auditoria federal que pode resultar em acusações pelos cerca de R$ 12.000 em recursos públicos que ele gastou para sediar o evento, e uma investigação criminal quepode resultar em tempo de prisão.

INDO LONGE DEMAIS

O abuso judicial no Brasil nunca pareceu incomodar o Times quando foi usado em um processo judicial injusto contra o maior partido político progressista do Brasil, mas uma semana antes das eleições presidenciais de 2022, ele insinuou que o presidente de extrema direita Jair Bolsonaro e seus seguidores eram as verdadeiras vítimas, com "Para Defender a Democracia, o Supremo Tribunal do Brasil Está Indo Longe Demais?" (26/09/22). Isso continuou em janeiro com "Ele É o Defensor da Democracia do Brasil. Ele É Realmente Bom para a Democracia?" (22/01/23), que foi publicado com o subtítulo:

Alexandre de Moraes, um juiz do Supremo Tribunal Federal do Brasil, foi crucial para a transferência de poder no Brasil. Mas suas táticas agressivas estão gerando debate: Será que alguém pode ir longe demais na luta contra a extrema direita?

Por que o New York Times esperaria para reclamar do abuso judicial até que um governo de esquerda na América Latina tentasse aplicar o estado de direito para punir pessoas culpadas de fomentar um golpe militar neofascista? O caso do Brasil está longe de ser único. Após o governo nicaraguense começar a processar os participantes da fracassada tentativa de golpe de direita em 2018, que deixou 253 pessoas mortas, o New York Times (02/03/23) comparou o governo à Alemanha nazista. Quando os tribunais bolivianos ordenaram a prisão do líder do golpe de direita em 2019, durante o qual a polícia massacrou dezenas de manifestantes não violentos, o Times (10/06/22) levantou preocupações sobre "o uso do sistema judicial pelos políticos para atacar oponentes".

As estreitas ligações de Bolsonaro com Donald Trump e Steve Bannon criaram a primeira convergência de interesses entre a esquerda brasileira e o Partido Democrata dos EUA em décadas, levando a administração Biden a reconhecer rapidamente os resultados das eleições no Brasil e apoiar a posse de Lula em janeiro. No entanto, uma série de medidas tomadas por Lula desde então - desde se recusar a enviar munição para a Ucrânia até tratar Nicolás Maduro com grande consideração, passando por planos de desdolarização do comércio com a China - deve fazer com que algumas pessoas no Departamento de Estado considerem as possibilidades de fomentar outro golpe no Brasil.

É aí que a narrativa de "abuso judicial" do New York Times pode ser útil. Se os EUA decidirem seguir nessa direção, os leitores do Times já estão sendo preparados para uma narrativa de "homem forte autoritário da América Latina".

 

       Ultradireita pode afastar profissionais estrangeiros da Alemanha?

 

O governo da Alemanha está atualmente tentando lidar com dois dos mais urgentes desafios que o país enfrenta – e que podem se conectar: a ascensão da extrema direita e o declínio demográfico de longo prazo.

O primeiro é mais imediato. O partido Alternativa para a Alemanha (AfD), de ultradireita e anti-imigração, é hoje a maior força política em vários estados do Leste alemão, e o populismo da sigla vem conquistando novos eleitores.

O segundo desafio é de mais longo prazo e mais prático e, segundo os economistas, pode representar uma ameaça à prosperidade do país. Uma lacuna demográfica iminente na força de trabalho da Alemanha exigirá a chegada de muito mais imigrantes, alertam empresários.

O governo alemão introduziu recentemente uma lei destinada a diminuir os obstáculos burocráticos para se candidatar a um emprego na Alemanha. Mas a atmosfera política é mais difícil de controlar.

Em um evento no Leste alemão nesta semana, o ministro das Finanças, Christian Lindner, alertou que a ascensão da AfD é uma ameaça à economia da região. "Um partido que quer fechar as portas do país e que serve a clichês xenófobos é areia na engrenagem da economia", afirmou.

Repercussão na imprensa estrangeira

O racismo e a xenofobia são comprovadamente um problema na Alemanha. Um relatório sobre islamofobia, por exemplo, encomendado pelo governo recentemente, concluiu que o preconceito contra muçulmanos está "espalhado por amplas faixas da sociedade e é uma realidade cotidiana".

Mas até que ponto tais preocupações desencorajam estrangeiros de se mudarem para a Alemanha é uma questão em aberto. Ulrich Kober, diretor do programa Democracia e Coesão Social na think tank alemã Fundação Bertelsmann, diz haver verdades no alerta de Lindner, mas faz ressalvas. "Sabemos por pesquisas que as decisões sobre migrar são muito complexas", afirma. "Nunca há apenas um fator: as pessoas têm prioridades diferentes quando escolhem para onde migrar."

Kober observa que o relatório sobre islamofobia e os sucessos e escândalos da AfD foram destaque também na imprensa estrangeira. "Quando grupos de extrema direita estão em ascensão na Alemanha, ou quando políticos de extrema direita conquistam cargos públicos, isso é notícia em outros países", diz. "As pessoas estão cientes do que está acontecendo na Alemanha."

O gerente de TI Shivam Mehrotra confirma isso. O indiano passou os últimos cinco anos trabalhando para uma empresa em Brandemburgo – um dos estados onde a AfD atualmente lidera as pesquisas de opinião – e auxilia outros imigrantes a lidarem com a burocracia alemã. Mehrotra diz que os indianos que estão pensando em morar fora prestam atenção nessas histórias.

"Acho que não seria um fator determinante para decidir vir ou não para a Alemanha, mas a direção que o país está tomando seria levada em consideração", afirma.

O homem de 33 anos diz que não foi alvo de racismo em seu tempo na Alemanha ("Talvez eu tenha tido sorte", afirma), mas a ascensão do populismo de extrema direita o preocupa. "Isso me afeta", conta. "É divisivo em qualquer lugar do mundo, mas especialmente na Alemanha, que agora chamo de meu país. Gosto de acreditar que a Alemanha valoriza os valores de igualdade e diversidade."

O que atrai e o que afasta os estrangeiros

Várias instituições – desde think tanks financiados por empresas, como a Fundação Bertelsmann, até entidades internacionais como a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) – realizam regularmente pesquisas sobre o que torna os países atraentes e para quem.

Elas descobriram que os fatores mais importantes são perspectivas profissionais, renda potencial e qualidade de vida. Nesses três pontos, a Alemanha está razoavelmente bem posicionada, afirma Kober, da Bertelsmann.

Ainda assim, compete com outros países ricos que também precisam de força de trabalho – e Estados Unidos, Canadá, Austrália e Reino Unido têm uma ampla vantagem, já que grande parte do mundo fala seu idioma nativo, o inglês.

Uma pesquisa da OCDE publicada no ano passado perguntou a trabalhadores qualificados de todo o mundo o que eles viam como os maiores obstáculos para se mudar para a Alemanha. Cerca de 38% mencionaram a falta de domínio da língua alemã, enquanto apenas 18% citaram preocupações com discrimação e racismo.

"Desempenha, sim, um papel, mas é preciso colocá-lo no contexto de outros fatores maiores", afirma Kober. "Acho que isso também se deve ao fato de que a maioria das pessoas sabe que não há sociedade em nenhum lugar do mundo que seja livre de racismo."

"Outros países, os clássicos países anglo-saxões de imigração, desenvolveram uma cultura de abertura, e isso ainda falta em muitos setores da população na Alemanha", acrescenta. "E, claro, a AfD – ou melhor, a mentalidade que leva as pessoas a votarem na AfD – não representa exatamente uma cultura de abertura."

 

Fonte: Brasil 247/Deutsche Welle

 

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