Apostas esportivas: o que mudará para apostadores e empresas com novas
regras?
O Ministério da Fazenda deu o primeiro passo nesta
terça-feira (25/07) para regulamentar os sites de apostas esportivas no Brasil,
com o envio de uma Medida Provisória (MP) e um Projeto de Lei ao Congresso.
Esse mercado vive um boom de crescimento no país
desde 2018, quando os sites foram liberados para operar no país e logo passaram
a patrocinar quase todos os principais times de futebol, masculinos e
femininos.
A esperada regulamentação vai permitir que o
governo passe a taxar empresas e apostadores.
Além disso, vai permitir uma maior fiscalização
sobre o setor, para coibir a atuação de sites ilegais e a manipulação de
resultados.
A regulamentação também vai trazer novas regras
para propaganda desses sites e ações de suporte para usuários contra o vício em
jogo.
Alguns detalhes sobre como isso vai funcionar,
porém, ainda serão definidos. O governo editará algumas portarias e decretos
sobre o tema, enquanto a MP e o projeto tramitam no Congresso, podendo sofrer
alterações.
A expectativa do setor é que as mudanças só entrem
de fato em vigor no próximo ano.
Entenda abaixo o que se sabe até o momento sobre as
novas regras propostas pelo governo – um dos pontos alvo de controvérsias é o
valor dos impostos previstos, que o setor considera alto e tentará diminuir no
Congresso.
• Como
empresas e apostadores serão taxados?
A previsão é que apostadores paguem 30% sobre os
ganhos superiores a R$ 2.112, mesma taxa cobrada sobre os prêmios das loterias
que existem no país. A ideia é que o valor seja cobrado no momento do depósito
do prêmio na conta do apostador no site.
O governo anunciou também que pretende taxar em 18%
a chamada Gross Gaming Revenue (GGR). Isso corresponde à "receita obtida
com todos os jogos feitos, subtraídos os prêmios pagos aos jogadores e os
impostos incidentes às pessoas jurídicas".
Representantes do setor ouvidos pela reportagem
reclamam que essa taxa é elevada, considerando ainda os outros impostos que são
cobrados sobre qualquer empresas e passarão a ser pagos por esses sites, como
PIS, Cofins, Imposto de Renda, CSLL e ISS.
As empresas também terão que comprar uma licença
para poder operar no Brasil.
O valor ainda não foi definido oficialmente, mas a
intenção sinalizada pelo governo é cobrar R$ 30 milhões por uma autorização
para operar por cinco anos. O setor, por sua vez, gostaria de ter um prazo
maior, de dez anos.
Para o fundador do portal e presidente do Instituto
Brasileiro Jogo Legal, Magno José Santos, a proposta do governo vai
desestimular empresas a entrarem no mercado legal, reduzindo, na prática, a
arrecadação a ser obtida pelo governo.
"Alguns exemplos mundiais de tributação sobre
o GGR são o da Ilha de Man (0%), Antígua e Barbuda (3%), Malta (5%), Grécia
(5%), Chipre (13%), New Jersey (10%), Reino Unido (15%), Bulgária (15), Suécia
(18%), Espanha (20%), Itália (22%) e Dinamarca (28%)", disse, em mensagem
à BBC News Brasil.
"A proposta de tributar a atividade em 18% do
GGR, somados aos outros impostos como IRPJ, CSLL, PIS, Confins e ISS poderá
representar uma taxação total de quase 30%, sem incluir a outorga e a taxa de
administração. Essa taxação será com certeza a maior praticada no mundo",
acrescentou Santos.
A BBC News Brasil questionou o Ministério da
Fazenda sobre as críticas. A pasta disse que consultou o setor durante a
elaboração da regulamentação, mas não respondeu se de fato a carga tributária
total sobre esse mercado ficará entre as mais altas do mundo, caso a proposta
do governo seja aprovada.
"É importante lembrar que as operadoras do
ramo funcionaram livremente no Brasil nos últimos 5 anos, movimentando valores
que, estima-se, tenham chegado a centenas de bilhões de reais, sem o devido
recolhimento de tributos", disse a pasta, em resposta à BBC News Brasil.
"Os valores arrecadados serão destinados,
conforme determina a lei, a políticas de relevância social como educação,
segurança pública e o fomento do esporte na infância e juventude", frisou
ainda o ministério.
A expectativa inicial do ministro da Fazenda,
Fernando Haddad, é arrecadar R$ 2 bilhões por ano com a tributação do setor.
"Em um mercado totalmente regulado,
sedimentado e em pleno faturamento, o potencial de arrecadação anual gira entre
R$ 6 bilhões e R$ 12 bilhões", anunciou o governo.
A proposta do governo é que, dos 18% sobre o GGR,
2,55% serão destinados ao Fundo Nacional de Segurança Pública (FNSP) para ações
de combate à manipulação de resultados, à lavagem de dinheiro e demais atos de
natureza penal que possam ser praticados no âmbito das apostas ou relacionados
a elas.
Já 0,82% irá para a educação básica, 1,63% para os
clubes esportivos, 10% para a seguridade social e 3% para o Ministério do
Esporte.
• Quando
as mudanças podem entrar em vigor?
MPs entram em vigor imediatamente, mas precisam ser
aprovadas em até 120 dias pelo Congresso para não perder validade.
Nesse caso, porém, a MP não terá impacto imediato
sobre o funcionamento dos sites porque ainda será preciso vender as licenças
para as empresas operarem e implementar a regulamentação de fato para que os
impostos comecem a ser cobrados, por exemplo.
Segundo o Ministério da Fazenda explicou à
reportagem, a entrada em vigor das mudanças dependerá da aprovação da medida
provisória e do projeto de lei no Congresso. E, enquanto essas matérias
tramitarem no Parlamento, o governo vai editar as portarias e decretos
complementares.
A expectativa de Magno Santos, do Instituto
Brasileiro Jogo Legal, é de que os sites estejam operando dentro das novas
regras a partir de 2024.
• O que
acontece com os sites que não se regularizarem?
A proposta do governo prevê medidas para coibir e
punir sites ilegais. Empresas que não tenham licença para operar não poderão
fazer propaganda para atrair apostadores, por exemplo.
E o Banco Central atuará para que meios de
pagamento não possam ser usados para apostas nesses sites ilegais.
Além disso, empresas que cometerem infrações
previstas na regulamentação poderão ser multadas no valor de "0,1% a 20%
sobre o produto da arrecadação", a depender da gravidade do ato,
respeitando o teto de R$ 2 bilhões por infração.
No caso de pessoas físicas, as multas serão fixadas
no intervalo entre R$ 50 mil e R$ 2 bilhões.
Além da operação sem licença, há outras infrações
previstas, como dificultar a fiscalização, deixar de fornecer informação ou
fornecer dados incorretos aos órgãos fiscalizadores, veicular propaganda de
sites ilegais, ou qualquer atuação para fraudar resultados esportivos.
Será criada dentro do Ministério da Fazenda uma
secretaria responsável pela análise de documentos, para aprovação ou não do
credenciamento das empresas de apostas no país.
"Essa secretaria também acompanhará o volume
de apostas e a arrecadação, garantindo maior controle sobre o mercado de
apostas esportivas de quota fixa", disse o governo.
• Como
ficam o controle da propaganda e ações contra o vício?
A expansão vertiginosa do mercado a partir de 2018
veio acompanhada do aumento do vício nesses sites de apostas, disse à BBC News
Brasil em entrevista recente o psiquiatra Hermano Tavares, coordenador do
Programa Ambulatorial do Jogo Patológico (Pro-Amjo) do Hospital das Clínicas da
Universidade de São Paulo (USP).
Com objetivo de prevenir o problema, a
regulamentação proposta pelo governo prevê que "as empresas de apostas
deverão promover ações informativas e preventivas de conscientização de apostadores
e de prevenção ao transtorno do jogo patológico".
"Já as regras de comunicação, publicidade e
marketing, como horário de veiculação de propagandas e formato de anúncios
online, serão elaboradas em parceria com o Conselho Nacional de Autorregulação
Publicitária (Conar)", informou o governo.
"O objetivo é garantir que as ações de
marketing sejam responsáveis e éticas, contribuindo para um ambiente de apostas
seguro e regulamentado", disse ainda o anúncio oficial.
Para o psiquiatra Hermano Tavares, as medidas
deveriam ser mais duras nesse campo.
Em entrevista à BBC News Brasil em março, ele
defendeu que a publicidade deveria ser proibida, como ocorre no caso de
cigarros, ou ao menos restrita, como no caso de bebidas alcoólicas.
A ideia atingiria em cheio uma das principais
formas de financiamento do futebol.
Além disso, o psiquiatra da USP sugere que uma
parte dos ganhos das empresas fosse destinado a financiar a expansão da rede de
atendimento às pessoas com transtorno do jogo patológico, que ainda é muito
pequena no país.
Fonte: BBC News Brasil
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