Terreiro da Casa
Branca, em Salvador, acumula cerca de 40 denúncias de invasão desde 2000
Sob
ameaça de uma obra irregular vizinha, o Terreiro da Casa Branca — Ilê Axé Iyá
Nassô Oká, no bairro do Engenho Velho da Federação, em Salvador, acumula cerca
de 40 denúncias de invasões a sua sede durante 23 anos. “Desde o ano 2000, a
casa oficia ao Iphan a existência de obras irregulares no entorno do terreno.
Ao longo desse tempo, o próprio órgão confeccionou 33 autos de infração
constatando o fato”, declarou a advogada Isaura Genoveva, equede do centro
religioso, em entrevista coletiva concedida durante esta segunda-feira (3).
O
CORREIO tentou, sem sucesso, ter acesso à descrição dos casos citados.
Genoveva, porém, relembrou que, antes mesmo desses episódios, aconteceu uma
invasão da parte frontal do território por um posto de gasolina. Na época, a
Casa Branca não possuía a escritura do local e precisou entrar com uma ação na
Justiça.
“Houve,
no passado, um posto de gasolina que invadia a praça, e a comunidade conseguiu
retirá-lo e implantar a Praça de Oxum, que está preservada até hoje”, exaltou o
equipamento, inaugurado em 1993 e que levou a assinatura de Oscar Niemeyer, um
dos maiores arquitetos brasileiros.
Tamanho
feito faz jus à história do terreiro, que foi o primeiro a ter recebido, do
Iphan, o reconhecimento como Patrimônio Cultural Brasileiro e, também, a ter
sido inscrito nos livros do Tombo Histórico e Arqueológico, Etnográfico e
Paisagístico, em 1984. Além disso, é considerado um exemplar típico do modelo
básico jeje-nagô. Fundado em 1830 e mantido pela Associação São Jorge do
Engenho Velho, a Casa Branca é, ainda, o terreiro mais antigo do Brasil.
• Obra embargada
Iniciada
em 2019, a obra adjacente ao centro religioso, na Ladeira Manoel Bonfim,
possuía cinco pavimentos, mas o último deles foi demolido pela Secretaria
Municipal de Desenvolvimento Urbano (Sedur), na sexta-feira (31). “Além disso,
o acesso à obra foi interditado fisicamente, deixando apenas a passagem
liberada para os moradores. Na ocasião, o material de construção também foi
apreendido”, afirmou o órgão.
Antes,
na terça (28), o prédio foi interditado pela Sedur, que informou que a
interdição ocorreu após ter sido identificado material de construção no local e
ressaltou que a obra já tinha sido embargada em setembro do ano passado, por
falta de alvará, e que “vem realizando constantemente fiscalização na área”.
A
imagem do edifício que está sendo erguido assusta, devido a sua proximidade em
relação à sede do terreiro. O caso veio à tona depois que os integrantes do
centro religiosos denunciaram a situação nas redes sociais, com medo de que a
obra desabasse sobre o espaço.
"Já
está com cinco andares, desafiando autoridades. Construção segue sem qualquer
acompanhamento técnico, e isso só aumenta os riscos. Ao desabar, e os riscos de
isso acontecer são óbvios, destruirá a Casa Sagrada do Orixá Omolu e matará
filhas e filhos de santo da Casa Branca", diz o texto publicado no
Instagram.
Agora,
após o embargo da obra, a Casa Branca aguarda os encaminhamentos jurídicos
resultantes da ocorrência, afirmou Isaura Genoveva. Segundo a advogada, a
comunidade tem acompanhado a situação pelas redes sociais, porém não recebeu
notificação formal por parte do órgão municipal.
“Nós
acompanhamos pelas redes sociais que a prefeitura embargou a obra novamente e
que foram demolido o último pavimento e recolhido o material, mas a Casa não
recebeu nenhuma notificação oficial sobre isso nem do Iphan [Instituto do
Património Histórico e Artístico Nacional] nem da prefeitura”, queixou-se
Genoveva.
“A
Casa aguarda o retorno para saber se tem risco, ou não, de desabamento e de
invadir o espaço sagrado do território. [...] Os órgãos públicos, como o Iphan,
é que dizem o que está acontecendo e o que põe em risco a comunidade”,
acrescentou ela, que espera “a melhor solução possível para a Casa Branca e
para toda a comunidade”.
Ainda
de acordo com a equede do terreiro, o Ministério Público estadual (MP-BA) foi
acionado formalmente em 2021. Com isso, um inquérito civil público chegou a ser
instaurado, para investigar o caso, mas não há informações sobre seu andamento.
Procurado pela reportagem, o MP, assim como o Iphan, não deu retorno até o
fechamento da matéria.
• Visita do Crea
Diante
da repercussão, o presidente do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia da
Bahia (Crea-BA), Joseval Carqueija, resolveu visitar o centro religioso na
sexta-feira, acompanhado pelo coordenador de fiscalização Marcos Bezerra e pelo
supervisor Marcelo Gomes. Durante a visita, foi confirmada a inexistência de
profissional responsável pela execução da obra.
“Viemos
verificar de perto a situação, pois, embora o Crea seja responsável por
fiscalização do exercício profissional, podemos e devemos atuar em parceria aos
demais órgãos públicos em situações como essa. Enviaremos as informações ao
Ministério Público, para que as devidas providências sejam tomadas”, declarou o
presidente.
• Perdas sem dimensão
Sem
ter dimensão da área total perdida pela Casa Branca em decorrência de invasões,
Isaura Genoveva disse que seria necessária a atuação do Iphan. “A gente tem um
registro da planta, da época do tombamento, e precisa, agora, que o Iphan
elabore um laudo técnico que dimensione quanto a gente perdeu território, para
saber o que é possível fazer para reintegrar essa área ao terreiro”,
justificou.
Presente
na entrevista coletiva, o padre Lázaro Muniz, da Igreja Nossa Senhora do
Rosário dos Pretos e membro do Conselho Inter-religioso da Bahia reiterou a
necessidade de proteger os espaços pertencentes a religiões de matriz africana.
“O Terreiro da Casa Branca é um desses espaços sagrados de grande importância
para a Bahia e o Brasil e deve ser preservado. Não só porque é tombado mas
também por, antes de tudo, ser um espaço onde uma comunidade religiosa se
congrega”, observou Muniz.
O
doutor em Antropologia Ordep Serra, que é também ogã da Casa Branca,
classificou o episódio mais recente como ‘agressão monstruosa’. “Só tem um
jeito: demolição total, já!”, exclamou ele. “O Iphan precisa tomar medidas
judiciais sérias, porque esse é o primeiro monumento negro tombado no Brasil.
Ele antecedeu o tombamento da Serra da Barriga”, enfatizou.
Fonte:
Correio
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