Os possíveis
prejuízos do trabalho remoto à saúde
Quando Cat, de 30 anos, recebeu a oferta de um
trabalho totalmente remoto em 2021, aceitou sem pensar duas vezes.
Na
ocasião, Cat — que mora em Londres e trabalha em serviços ambientais — já havia
trabalhado remotamente devido à pandemia de covid. Achou, portanto, que
trabalhar de casa não seria um grande problema.
Mas,
nos últimos meses, mudou de opinião.
"Trabalhar
sozinha dia após dia é difícil, especialmente quando meu marido está no
escritório", afirma ela. "Às vezes, não vejo ninguém todo o dia, o
que pode ser muito solitário. Descobri que, em vez de fazer intervalos para
conversar com as pessoas no escritório, pego meu telefone. Esse aumento do
tempo de tela com certeza prejudica meu bem-estar."
O
trabalho remoto vem sendo defendido como a solução de alguns dos problemas do
nosso estilo de vida acelerado pré-pandemia. Para muitos, ele ofereceu a
oportunidade de passar mais tempo com os filhos ou de usar o tempo que antes
era desperdiçado no transporte para buscar hobbies mais gratificantes.
Mas
novas pesquisas sobre a relação entre o trabalho remoto e a saúde mental
apresentaram resultados divergentes.
No
relatório New Future of Work ("O novo futuro do
trabalho", em tradução livre), publicado pela Microsoft em 2022, os
pesquisadores indicaram que, embora o trabalho remoto possa aumentar a
satisfação profissional, ele pode também fazer com que os funcionários se
sintam "socialmente isolados, culpados e tentem fazer compensações".
Os
efeitos negativos podem ter sido uma surpresa para alguns profissionais, que
agora estão sentindo a pressão e percebendo que o trabalho remoto não é necessariamente
a panaceia para a saúde mental, como vinha sendo anunciado. Ao contrário da
narrativa corrente de uma demanda em massa pelo trabalho remoto, alguns
funcionários, na verdade, estão preferindo assumir cargos com turnos parciais
no escritório.
Mas,
para muitos, essas desvantagens valem muito a pena. Para grupos que enfrentaram
a vida de trabalho no escritório antes da pandemia, os problemas causados por
trabalhar em casa são um pequeno preço a pagar.
·
'Crise de saúde mental em rápido crescimento'
As
pessoas podem ter imaginado que trabalhar em casa seria uma utopia que
incluiria fazer exercício nos intervalos de trabalho, preparar almoços
saudáveis em casa e poder estudar facilmente. Mas, para muitos, a realidade é
muito diferente.
Pesquisas
indicam que os trabalhadores remotos trabalham por mais tempo e que até 80% dos
profissionais britânicos sentem que trabalhar de casa prejudicou sua saúde
mental.
Nicola
Hemmings é cientista dos ambientes de trabalho na empresa americana de
assistência à saúde mental Koa Health. Ela afirma que a falta de contato
pessoal enfrentada por Cat é uma queixa comum.
Hemmings
indica que a pandemia causou uma "crise de saúde mental em rápido
crescimento" e que até as pessoas que abraçaram por completo a mudança
para o trabalho remoto podem estar sujeitas a ela.
"Durante
o trabalho remoto, nós perdemos as indicações sociais do escritório movimentado
e das interações sociais, que são muito necessárias — conversar no corredor,
beber algo na cozinha cumprimentando alguém e perguntando sobre o fim de
semana", diz ela. "Esses momentos aparentemente sem importância,
coletivamente, podem ter grande impacto sobre o nosso bem-estar."
O
isolamento não é o único problema causado pelo trabalho remoto. Cat afirma que,
além do sentimento de solidão, também percebeu que lidar com uma grande
quantidade de chamadas de vídeo fez com que ela se sentisse
"insegura". Ver constantemente seu próprio rosto na tela despertou em
Cat o desejo de retomar as reuniões presenciais.
"Preferiria
ter a opção de ir ao escritório algumas vezes por semana, para ter algum
contato pessoal", conta.
Além
disso, os profissionais de grupos específicos estão sentindo mais os efeitos
negativos. Cat é da geração millennial e não tem filhos — um grupo muito
propenso a ser afetado pelas dificuldades que ela descreve.
Uma
sondagem demonstrou que 81% das pessoas com menos de 35 anos de idade se
sentiram solitárias trabalhando em casa por longos períodos e estudos mostraram
maiores níveis de estresse e ansiedade entre profissionais jovens desde a
mudança para o trabalho remoto.
Hemmings
afirma que circunstâncias específicas, mais frequentemente associadas aos
profissionais jovens (millennials e da geração Z), como sua entrada recente no
mercado de trabalho ou a falta de um espaço de trabalho calmo e exclusivo,
podem ter forte impacto sobre sua saúde mental.
·
'Não tenho mais a síndrome do domingo à noite'
Mas,
para algumas pessoas, o trabalho remoto durante a pandemia foi um divisor de
águas positivo para superar as dificuldades.
Esse
é especialmente o caso de profissionais com deficiências ou que têm
responsabilidades de assistência a outras pessoas. Hemmings afirma que essas
pessoas vivenciaram mudanças positivas na sua saúde mental.
Para
elas, o trabalho no escritório pode ser extremamente prejudicial para o seu
bem-estar, pois elas enfrentam longos deslocamentos com intensa agenda de
compromissos pessoais, além da exaustão física e mental por lidarem com o
estresse de ir e voltar de um local de trabalho inadequado para suas necessidades.
Lauren,
de 28 anos, conta que trabalhar em casa certamente melhorou sua saúde mental.
Mãe de uma criança e moradora no Estado da Pensilvânia, nos Estados Unidos, ela
ressalta que existem algumas desvantagens, como nunca se sentir totalmente
desligada, mas os benefícios superam em muito os pontos negativos.
Ela
diz que agora consegue trabalhar no mesmo cômodo enquanto seu marido brinca com
sua filha ou ir a consultas médicas para ela ou sua filha no horário mais
adequado.
"Pela
primeira vez na vida, não tenho mais a síndrome do domingo à noite",
afirma Lauren, que trabalha no setor de tecnologia.
"Tenho
horários flexíveis, o que ajuda muito quando você tem uma criança. Com certeza,
quero continuar com o trabalho remoto, pelo menos até minha filha entrar na
escola."
Para
Lauren, as desvantagens do trabalho remoto compensam a maior conveniência e
mais tempo com sua filha. Kevin Rockman, professor de Administração da Escola
de Negócios da Universidade George Mason, nos Estados Unidos, salienta que,
embora haja questões inegáveis relativas à saúde mental, o saldo de benefícios
para pessoas como Lauren é imenso.
"Não
há dúvida de que o bem-estar é maior com o trabalho remoto", afirma ele.
"Trocar o tempo de deslocamento por saúde pessoal, família ou recreação é quase
uma garantia de benefícios positivos."
·
Em busca do equilíbrio
A
mudança para o trabalho remoto não foi simples e, agora, muitas empresas estão
enfrentando o problema de como projetar um modelo que funcione para todos.
As
indicações disponíveis no momento mostram que as preferências e circunstâncias
pessoais de cada um são um fator fundamental para saber se o trabalho remoto
traz algum benefício — e, em caso positivo, se o valor desses benefícios supera
as desvantagens, como o isolamento e a solidão.
"Implementar
o trabalho remoto realmente é uma questão de reimaginar o que estar no trabalho
significa para cada pessoa", afirma Rockman.
"Os
empregadores precisam equilibrar a flexibilidade, fornecendo às pessoas as
ferramentas necessárias para que elas permaneçam produtivas e [atender] as
necessidades sociais dos funcionários. A forma desse equilíbrio ideal será
diferente para cada empresa."
Rockman
indica que diferentes grupos de pessoas terão experiências diferentes com o
trabalho remoto.
Estudos
mostram que jovens mães são mais propensas a ter benefícios com o trabalho em
casa e que alguém que more com um parceiro e tenha uma rede social na sua
região provavelmente sofrerá menos impactos negativos sobre o seu bem-estar que
alguém que mora sozinho e tenha se mudado de cidade recentemente, por exemplo.
Também
é possível que os funcionários desejem que o seu local de trabalho possa mudar
ao longo do tempo. Um profissional da geração Z nos primeiros passos da
carreira, por exemplo, pode valorizar o contato social do escritório e suas
necessidades podem ser muito diferentes de uma mãe que trabalha ou de uma
pessoa que cuida de um pai idoso.
O
que funciona melhor não é necessariamente uma solução ideal para todos — e
provavelmente estará também em mutação, dependendo das necessidades específicas
de cada indivíduo ao longo do tempo.
Cat
não está procurando um novo emprego no momento, mas conta que, quando o fizer,
espera encontrar um que equilibre a rotina presencial e remota.
Ela
tem enfrentado dificuldades com sua saúde mental trabalhando em casa, mas ainda
não gostaria de voltar a passar cinco dias por semana no escritório — um sinal
de como são complexos os sentimentos de muitas pessoas sobre as reais condições
do "home office".
Quanto
a Lauren, ela se imagina mudando para um sistema híbrido assim que sua filha
entrar na escola, mas apenas se o trabalho for suficientemente flexível para
que ela ainda possa sair ao meio-dia para ver a pequena em um evento na escola
ou ir a uma consulta médica.
"Se
não for assim, trabalhar em casa para sempre não parece muito ruim para
mim", diz.
Fonte:
BBC Worklife
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