Neurodiversidade: o
que é e como redes sociais têm ajudado em diagnósticos
Muita gente não conhece ou não conhecia até pouco
tempo atrás a palavra neurodiversidade. Mas o termo, usado para descrever as
enormes e diversas diferenças existentes no cérebro humano, tem se popularizado
cada vez mais.
Parte
disso se deve a redes sociais como TikTok, Twitter e Clubhouse, que têm
proporcionado espaço para que pessoas possam falar sobre suas diferenças
neurológicas.
E
não só isso: para muitos, as redes sociais têm sido para muitos a prova que
faltava para se darem conta de que são neurodivergentes.
Isso
ocorreu principalmente durante a pandemia, quando pessoas com os chamados
"cérebros diversos" puderam encontrar comunidades e pessoas na
internet com as quais poderiam se relacionar.
O
conceito de neurodiversidade aponta que a mente pode funcionar de diversas
maneiras, e que essas diferenças são apenas variações naturais do cérebro
humano. Ou seja, condições como ouvir vozes ou autismo são diferenças em um
espectro, e não problemas específicos a serem resolvidos.
Lawrence
Fung, diretor do projeto de neurodiversidade da Universidade Stanford (EUA),
define esse conceito da seguinte maneira: "É só uma forma de descrever que
nossos cérebros são diferentes e, como qualquer ser humano, não será bom em
tudo."
Fung
diz acreditar que pode ser mais difícil para algumas pessoas reconhecerem ou
aceitarem as diferenças que acontecem no cérebro. "A diversidade de gênero
é algo que pode ser facilmente identificado, assim como a diversidade
étnico-racial, porque se pode enxergá-la. Mas a neurodiversidade é algo que não
pode ser visto na maior parte do tempo."
Pessoas
consideradas neurodivergentes podem ter variações cognitivas como transtorno de
déficit de atenção com hiperatividade (TDAH), autismo (espectro de transtornos
que geralmente se manifestam em dificuldades no convívio social, comportamento
repetitivo e, em alguns casos, ansiedade e TDAH), dislexia (transtorno de
aprendizagem que dificulta leitura e escrita) ou dispraxia (transtorno
neurológico de coordenação motora que envolve dificuldade em pensar e movimento
planejado, segundo associação de especialistas no tema).
Há
três tipos principais de TDAH, e seus efeitos podem variar de uma pessoa para
outra: desatento, hiperativo/impulsivo e um misto de ambos. Em geral, esse
transtorno é diagnosticado na infância, mas há cada vez mais adultos que
descobrem vivenciar esse tipo de neurodivergência.
Blogueira
e empresária, Rach Idowu explica seu TDAH: "O tipo desatento de TDAH pode
significar que você exibe sintomas ou características como ser facilmente distraído
e desatento a detalhes, procrastinação, desorganização e memória ruim. (...) O
tipo hiperativo-impulsivo de TDAH mostra traços de impulsividade e facilidade
de interromper as pessoas. Eu tenho um tipo misto de ambos. E também sou muito
criativa e boa em resolver problemas".
As
experiências entre pessoas neurodivergentes podem variar.
Alguns
podem ser sensíveis a ambientes que causam sobrecarga sensorial. Outros podem
processar informações de maneira diferente, enquanto alguns podem não conseguir
ler expressões faciais ou podem ter dificuldade em identificar números e
palavras.
·
Movimento da neurodiversidade
De
acordo com o programa Neurodiversidade no Trabalho, da Universidade Stanford,
entre 15% e 20% da população mundial é considerada neurodiversa. O restante
seria classificado como neurotípico.
Durante
a década de 1990, houve um movimento que conscientizou sobre a neurodiversidade
e abraçou a inclusão de todas as pessoas com possível neurodivergência.
O
termo neurodiversidade foi cunhado pela socióloga australiana Judy Singer em
sua tese de 1998 para promover a igualdade e a inclusão de "minorias
neurológicas".
Hoje,
a neurodiversidade é vista como um movimento de justiça social e se popularizou
ainda mais. Pesquisa e educação são cada vez mais importantes na forma com que
certas deficiências e condições neurológicas são vistas.
·
Diagnóstico complicado
Esse
movimento crescente ajudou a aumentar a conscientização sobre a
neurodiversidade, mas muitas pessoas ainda lutam para serem diagnosticadas e
apoiadas.
Rosie
Thomas tem 33 anos e vive em Berlim. Ela foi diagnosticada com TDAH em 2020
durante a pandemia de covid-19. Mais tarde, decidiu se tornar tutora, e hoje
trabalha para apoiar outras pessoas como ela.
"Por
três décadas, eu literalmente pensei que era como uma marciana total. Eu achava
que ninguém mais era como eu", disse Thomas à BBC. "Eu era
acompanhada por um psiquiatra, que disse que todas essas coisas com as quais eu
estava lutando eram sintomas de depressão. Eu sabia que não estava depressiva e
agora sei que eram exemplos de disfunção executiva".
A
disfunção executiva refere-se à gama de dificuldades cognitivas, emocionais e
comportamentais que geralmente ocorrem após lesão nos lobos frontais do
cérebro.
Rosie
viu um vídeo no TikTok de uma mulher de 40 anos com TDAH que descreveu sintomas
que ressoaram em sua cabeça.
Ela
pesquisou no Google "TDAH em mulheres adultas" e descobriu que
correspondia à maioria dos traços de caráter descritos.
Foi
então que se auto-diagnosticou como tendo TDAH. "Eu li e chorei. Foi como
ler meu diário."
Fung,
da Universidade Stanford, explica que o processo de diagnóstico formal varia
muito ao redor do mundo e pode ser bastante caro. Por isso, muitas pessoas não
seguem esse caminho formal, mas o especialista ressalta que há benefícios
significativos ao se procurar ajuda profissional.
"A
preocupação potencial aqui é que às vezes há sites que diagnosticam pessoas com
base no que os parâmetros dizem, mas, na verdade, não é tão simples assim
quanto um diagnóstico de site."
"Por
exemplo, as pessoas no espectro do autismo às vezes têm comportamentos
estereotipados, como comportamentos repetitivos, e isso pode ser confundido com
os comportamentos obsessivos no transtorno obsessivo-compulsivo".
"Se
você tem um diagnóstico incorreto, então você está basicamente seguindo o
caminho errado e é por isso que é mais útil - se você suspeitar ou se alguém
suspeitar - ter um diagnóstico com um especialista em neurologia", diz
ele.
"Pessoas
no espectro do espectro de autismo, por exemplo, às vezes têm comportamentos
estereotipados, como ações repetitivas, mas elas podem ser confundidas com os
comportamentos obsessivos do transtorno obsessivo compulsivo."
Segundo
Fung, "se o diagnóstico é feito de maneira incorreta, então a pessoa
basicamente envereda por um caminho incorreto (de tratamento, por
exemplo)". Por isso, afirma o especialista, se você tem alguma suspeita
disso sobre si mesmo ou sobre outra pessoa, busque atendimento neurológico
especializado.
·
Apoio nas redes sociais
Mas
esse tipo de diagnóstico e acompanhamento médico não é acessível para muita
gente em diversas partes do mundo.
E
por causa desses obstáculos, muitas pessoas como Rosie Thomas estão recorrendo
às redes sociais em busca de ajuda.
É
o caso de Lyric Holmans, 35, que vive no Texas (EUA) e se autodiagnosticou com
autismo.
Youtuber
e responsável por conteúdo de estilo de vida e neurodiversidade, Holmans diz à
BBC que descobriu estar no espectro aos 29 anos por meio de comunidades de
redes sociais.
Holmans
deu início à hashtag #AskingAutistics (#PerguntandoaAutistas, em tradução
livre) para ajudar pessoas a tirarem dúvidas sobre esse transtorno.
Holmans
afirma que essa hashtag é importante porque permite se perguntar praticamente
tudo que se queira saber para pessoas com experiências diferentes de autismo.
"A
identidade é invisível, especialmente se não existe uma linguagem para explicar
essa experiência de vida", diz. "É realmente muito difícil
quantificar essas experiências se não há nenhuma imagem de pessoas como
você."
Segundo
Holmans, a cada pergunta feita, logo diversas pessoas começam a interagir entre
si, a compartilhar experiência, a se ajudar e a ajudar os outros a pedirem
ajuda.
·
É mais difícil para as mulheres
Ainda
que as redes sociais estejam tornando mais fácil para as pessoas obterem apoio,
as mulheres ainda são menos propensas a serem formalmente diagnosticadas.
Muitas
vezes, médicos e outros profissionais de saúde mental ignoram ou não sabe
identificar corretamente seus sintomas.
No
caso de testes de autismo, por exemplo, Fung explica que "os homens tendem
a ter um comportamento mais estereotipado, mais repetitivo, algo que menos
vistos nas mulheres. E isso torna os homens muito mais fáceis de se
identificar".
Em
sua pesquisa, o pesquisador da Universidade Stanford encontrou muito mais
"camuflagem" nas mulheres do espectro em comparação com os homens.
Camuflagem
(ou mascaramento) é o uso de estratégias para disfarçar características
autistas e compensar dificuldades sociais associadas a elas. Essas estratégias
podem ser usadas de forma consciente ou não.
Quando
se trata de TDAH, Fung diz que há mais mulheres que são do tipo desatento e
mais homens que mostram mais o tipo hiperativo-impulsivo.
Em
ambientes escolares, por exemplo, Fung observa: "Se você passar nos testes
(de sala de aula) e ficar quieto, os professores não se importam, eles acham
que você está bem".
"Estudantes
hiperativos e impulsivos são tachados de 'encrenqueiros', e é por isso que
chamam a atenção."
·
Estigma
Embora
possa ser mais difícil diagnosticar mulheres, também há um estigma em admitir e
falar sobre neurodivergência.
Idowu
diz que depois de revelar publicamente que é neurodivergente, muitas pessoas de
todo o mundo entraram em contato com ela.
Além
de receber mensagens de mulheres, ele também fez com que muitos homens negros
se apresentassem para dizer que se sentiam neurodivergentes. "Algumas
pessoas ficam muito envergonhadas com o estigma associado ao TDAH."
"Eu
estava na ComicCon no ano passado. Eu estava falando no palco e então alguém
veio até mim. Acho que eu estava com 40 e poucos anos, e eles disseram: 'Fui
diagnosticado depois de ler seu blog; sou autista.'"
Rach
também foi diagnosticada durante a pandemia e considerou as redes sociais
ferramentas essenciais de enfrentamento à condição.
"Muitas
pessoas, homens, mulheres de todas as idades, descobriram que tinham TDAH
durante a pandemia", diz ela "Eu tinha 26 anos na época e, na
verdade, em um documentário que assisti na Netflix, havia um homem adulto
falando sobre suas lutas com o TDAH e sobre quantos medicamentos para TDAH
mudaram sua vida."
·
Perspectiva positiva
Algo
que o movimento da neurodiversidade promove é o autocuidado.
À
medida que a conscientização sobre a saúde mental aumentou nos últimos anos,
houve também mais debate e conhecimento sobre os cuidados de saúde atingindo
também as pessoas neurodivergentes. Isso pode ser um fator que explica por que
as mídias sociais foram prolíficas como ferramenta de comunicação.
Fung
concorda que houve um grande desenvolvimento na maneira como nos sentimos sobre
essas condições. "Isso é definitivamente diferente de 20 anos atrás,
quando você não usava as mídias sociais. Hoje, o estigma de doenças mentais e
doenças neurodivergentes diminuiu."
Todos
com quem a BBC falou disseram como a conscientização e a compreensão de suas
realidades ajudaram a melhorar sua qualidade de vida.
Algumas
figuras proeminentes também falaram sobre seus próprios diagnósticos.
O
empresário Elon Musk, da Tesla e da SpaceX, disse no programa de comédia
americano Saturday Night Live que está no espectro do autismo. A ginasta
olímpica americana Simone Biles, vencedora de quatro medalhas de ouro
olímpicas, falou abertamente sobre ter TDAH.
Outro
exemplo é a modelo, atriz e cantora Cara Delevingne, que tem falado
extensivamente sobre dispraxia e TDAH.
Esses
relatos de famosos podem fazer mais pessoas pensarem sobre suas experiências e,
por sua vez, a se perguntarem: "Eu sou neurodivergente?"
Fonte:
BBC World Service
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