Homem processa
mulheres que ajudaram sua ex-esposa a abortar no Texas
Um
homem do Texas, nos Estados Unidos, está processando três mulheres que ajudaram
sua ex-esposa a obter pílulas para fazer um aborto no ano passado.
A
ação movida por Marcus Silva alega que, de acordo com as leis do Texas,
"uma pessoa que auxilia uma mulher grávida a fazer um aborto
autoadministrado comete o crime de assassinato".
Em
24 de junho de 2022, a Suprema Corte americana reviu decisão de 1973 do
tribunal que garantia às mulheres o direito ao aborto em todo o território
americano.
Com
isso, leis de vários Estados dos EUA que vetavam ou restringiram o acesso à
interrupção da gestação passaram a ter eficácia.
É
o caso do Texas, onde a legislação local proíbe o acesso ao aborto. A ação
movida por Silva se baseia fortemente em mensagens de texto trocadas entre sua
ex-esposa e as três mulheres que estão agora sendo processadas.
É
o primeiro processo do tipo no Texas desde que a Suprema Corte aboliu a
proteção constitucional ao aborto. Silva pede U$S 1 milhão (cerca de R$ 5,23
milhões) em indenização.
O
homem acusa as amigas de sua ex-mulher de enviar a ela mensagens com
informações sobre o Aid Access, um grupo internacional que entrega medicamentos
abortivos por correio.
A
troca de mensagens mostra que a ex-esposa, que na época ainda era casada com Silva,
tinha receio que o homem tentasse fazê-la continuar com ele se soubesse da
gravidez.
Segundo
a ação movida por Silva, uma das mulheres entregou o remédio abortivo à sua
ex-esposa.
A
ação diz que o fabricante da droga também vai ser alvo da mesma ação quando for
identificado. No processo, o homem também acusa as três mulheres de
"conspiração", por terem supostamente recomendado sua ex-esposa a
esconder dele a gravidez e mensagens de texto sobre o assunto.
·
O que diz a legislação no Texas
A
ex-esposa de Silva não é acusada na ação por que, pela lei do Texas, a própria
mulher que passa pelo aborto não pode ser alvo de processo, mas sim outras
pessoas que a auxiliarem na interrupção da gravidez.
Silva
e a ex-mulher têm duas filhas, conforme os dados do processo. Ela entrou com
pedido de divórcio em maio de 2022 e o divórcio foi finalizado em fevereiro de
2023.
Na
ação, o homem diz que a ex-esposa soube da gravidez em julho de 2022, depois
que a Suprema Corte já havia derrubado a proteção do direito ao aborto, mas um
mês antes de entrar em vigor no Texas uma lei que transformou a interrupção da
gravidez em crime com pena de até prisão perpétua. A exceção é para abortos
realizados para salvar a vida da mãe.
Já
havia, no entanto, uma lei de 2021 no Texas que tornava ilegais quase todas as
hipóteses de aborto após seis semanas de gestação.
Essa
legislação dava aos cidadãos o direito de processar qualquer pessoa que
"conscientemente engajar em conduta que ajuda ou estimula a realização ou
indução de um aborto".
Silva
está sendo representado na ação pelo deputado estadual republicano Briscoe Cain
e por Jonathan Mitchel, um ex-procurador-geral que ajudou a redigir uma das
regras restritivas ao aborto no Texas.
As
três mulheres acusadas no processo ainda não responderam ao pedido da BBC News
Brasil para comentar sobre o caso.
Na
semana passada, outras cinco mulheres processaram o Estado do Texas por acesso
limitado ao aborto quando corriam risco de vida.
O
processo alega que os médicos estão se recusando a realizar o procedimento,
mesmo em casos extremos, por medo de serem processados.
Um
juiz do Texas também deve decidir em breve sobre uma ação judicial que visa
derrubar a aprovação pela FDA, a agência sanitária dos EUA, da pílula abortiva
mifepristona.
Se
o juiz anular a aprovação do FDA para o mifepristone, isso poderá afetar a
disponibilidade do medicamento em todo o país e limitar ainda mais o acesso ao
aborto, mesmo nos casos em que ele é permitido.
Ø
O
que pode mudar com saída do Brasil de 'aliança antiaborto'
O governo brasileiro confirmou seu desligamento da
Declaração do Consenso de Genebra sobre Saúde da Mulher e Fortalecimento da
Família, uma aliança conservadora formada por 37 países e que se posiciona pelo
direito à vida, contra o aborto e pelo reconhecimento da família como base da
sociedade.
Em
nota, os ministérios das Relações Exteriores, da Saúde, das Mulheres, dos
Direitos Humanos e da Cidadania afirmaram que o governo considera que o
documento possui "entendimento limitativo dos direitos sexuais e reprodutivos
e do conceito de família".
Segundo
as pastas, esse entendimento pode comprometer a plena implementação da
legislação nacional sobre o tema, incluindo os princípios do Sistema Único de
Saúde (SUS).
Ao
mesmo tempo, o governo comunicou à Cepal (Comissão Econômica para a América
Latina e o Caribe) e à Comissão Interamericana de Mulheres da OEA (Organização
dos Estados Americanos) a decisão de se associar ao Compromisso de Santiago e à
Declaração do Panamá - entendimentos criados para a promoção da igualdade e da
equidade de gênero.
·
O que é o Consenso de Genebra?
O
grupo foi criado pelo ex-presidente dos Estados Unidos Donald Trump em outubro
de 2020, quando 32 países assinaram a declaração em uma cerimônia virtual.
O
entendimento foi reafirmado em 2021 e, antes da saída do Brasil, já contava com
37 nações integrantes.
O
grupo buscava uniformizar a atuação de governos conservadores em votações sobre
a temática dos direitos reprodutivos, educação sexual, legalização do aborto e
defesa da família em órgão internacionais.
A
declaração de sete pontos enfatiza, entre outras coisas, a união dos países em
torno da ideia de que o aborto não "deve ser promovido como método de
planejamento familiar" e que "quaisquer medidas ou mudanças
relacionadas ao aborto dentro do sistema de saúde só podem ser determinadas em
nível nacional ou local de acordo com o processo legislativo nacional".
O
texto cita em vários momentos o comprometimento das nações em promover o
"mais alto padrão de saúde", além de segurança e direitos iguais para
as mulheres, mas sem incluir o aborto.
Os
signatários ainda reafirmam que "não há direito internacional ao aborto,
nem qualquer obrigação internacional por parte dos Estados de financiar ou
facilitar o aborto".
A
iniciativa foi liderada pelos Estados Unidos ao lado de Brasil, Egito, Hungria,
Indonésia e Uganda.
Na
cerimônia virtual de assinatura do documento, em 2020, o Brasil foi
representado pelos então ministros das Relações Exteriores e da Mulher, da
Família e dos Direitos Humanos do governo de Jair Bolsonaro, Ernesto Araújo e
Damares Alves.
Em
2021, após a eleição de Joe Biden, os EUA deixaram a iniciativa e, a partir
dali, o Brasil assumiu maior protagonismo entre o grupo.
·
O que pode mudar com o desligamento da declaração?
A
BBC News Brasil consultou pessoas envolvidas com o tema - favoráveis e
contrárias à assinatura do Consenso de Genebra - para entender quais podem ser
os impactos da saída do Brasil.
Para
a antropóloga Lia Zanotta Machado, professora da Universidade de Brasília (UnB)
e defensora da ampliação do acesso ao aborto no país, o desligamento será
positivo para a ampliação dos direitos femininos.
"A
saída representa um alívio para que os direitos das mulheres e a interrupção da
gravidez dentro do que postulam o Código Penal e o STF (Supremo Tribunal
Federal) voltem a ser encaminhados no Brasil sem todas as dificuldades impostas
nos últimos anos", diz.
"Estar
fora da aliança contra o aborto é estar fora dos movimentos ultraconservadores,
que são conservadores não só nos costumes, mas também em termos de justiça
social."
Segundo
Zanotta, após se juntar ao grupo, o governo brasileiro passou a aprovar
diversas portarias que dificultaram o acesso das mulheres ao aborto mesmo nos
casos em que o procedimento é permitido - quando a gravidez é decorrente de
estupro, quando há risco à vida da gestante ou quando há um diagnóstico de
anencefalia do feto.
Entre
elas está a portaria GM/MS nº 2.561, de 23 de setembro de 2020, que estabelecia
a necessidade de o médico comunicar o aborto à autoridade policial responsável.
O
texto também destacava que era preciso preservar possíveis evidências materiais
do crime de estupro, como fragmentos do embrião ou feto. Ela foi revogada pelo
Ministério da Saúde nesta semana.
Para
a antropóloga, o desligamento é também "um sinal verde" para que o
STF possa desengavetar uma ação que pede a legalização total do aborto nas 12
primeiras semanas de gestação, a ADPF 442.
A
saída do Brasil do grupo deve significar ainda uma mudança de posição em
organismos internacionais - o que, para a especialista, "é um
alívio".
"As
extremas-direitas estão forçando posições cada vez mais conservadoras nos
organismos internacionais, o que cria cada vez mais condições para impedir os
direitos e a dignidade das mulheres", afirmou à BBC.
Já
para a advogada Angela Gandra Martins, ex-secretária Nacional da Família do
Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos do governo Bolsonaro, a
saída do Brasil do Consenso trará prejuízos para o trabalho na área de direitos
humanos e desenvolvimento familiar.
"O
Consenso deu origem a uma plataforma de debate e intercâmbio em termos de
direitos humanos, de forma positiva e compositiva", afirma a professora da
Universidade Mackenzie, que participou dos esforços de coordenação e redação da
declaração e afirma que vários marcos positivos foram alcançados pelos países
do grupo.
Para
ela, o desligamento deve impactar diretamente no funcionamento de uma série de
projetos impulsionados pela aliança, principalmente daqueles relacionados à
promoção do desenvolvimento familiar e da co-responsabilidade no lar como forma
de apoio às mulheres. "Nós vamos voltar às políticas familiares de
assistencialismo. Mas a família precisa de autonomia, não de
assistencialismo", diz.
Além
disso, a professora de Direito acredita que a decisão do novo governo pode
levar à "estaca zero na autonomia humana". "Estão planejando
acabar com tudo que o movimento pró-vida fez. Não exigir boletim de ocorrência
para a realização de um aborto em caso de estupro é uma incoerência jurídica",
diz.
"Eles
vão lutar por legalizar aborto no Brasil, mas vai haver muita oposição."
Gandra
Martins ainda recusa a ideia de que o Consenso de Genebra seja uma
"aliança antiaborto". Segundo ela, o documento trata de muitas
questões além dessa, tal como a defesa da projeção da mulher na sociedade, a
formação de novas famílias e a defesa da vida de forma geral.
"O
aborto não é padrão de saúde - para muitas mulheres que abortaram, foi na
verdade um déficit para a saúde", diz.
Para
a deputada federal Chris Tonietto (PL), campeã de proposições de temas
relacionados ao aborto na Câmara nos últimos anos e que se define como pró-vida
e pró-família, a mudança de governo e a retirada do Brasil da aliança é
"um retrocesso gigantesco".
"O
novo governo deixou claro, mais uma vez, que não envidará esforços para
flexibilizar o aborto no país, além de ter demonstrado seu compromisso com o
avanço da cultura da morte, o que contraria a vontade da esmagadora maioria da
população brasileira", afirmou a deputada à BBC.
Algumas
das últimas pesquisas feitas sobre o tema mostram um crescimento na aceitação
da população em relação ao aborto da forma como ele está previsto na lei
atualmente, ou seja, legal apenas em casos de estupro, risco à vida da gestante
ou diagnóstico de anencefalia do feto, do que à ampliação do direito.
Uma
pesquisa do Datafolha divulgada no início de junho mostrou que 39% dos
brasileiros entrevistados consideram que a lei deve permanecer como está,
enquanto 26% disseram acreditar que o aborto deve ser permitido em mais
situações ou em todas as situações.
Por
outro lado, 32% disseram concordar com a total restrição da interrupção da
gravidez no país. Em dezembro de 2018, a taxa era de 41%.
Em
termos globais, a edição de 2021 do estudo Global Views on Abortion, da
Ipsos, classificou o Brasil como o quinto
país menos favorável à legalização total do aborto em um
conjunto de 27 nações analisadas.
Na
pesquisa, 31% dos brasileiros disseram ser favoráveis à descriminalização do
aborto sempre que for o desejo da mulher — a média nos países pesquisado foi de
46%.
Fonte:
BBC News Mundo
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