Como
se constrói um ministro do STF
O
período de seca em Brasília começava a dar as caras quando a então presidente
da República Dilma Rousseff fez um anúncio tão aguardado pelos meios jurídico e
político. O nome do advogado constitucionalista Luís Roberto Barroso foi
indicado pela petista ao Supremo Tribunal Federal (STF) em 23 de maio de 2013,
seis meses após a abertura da vaga com a aposentadoria de Carlos Ayres Brito.
Apesar de seu nome estar entre os cotados para vaga publicamente, Barroso só
soube da indicação uma semana antes, durante reunião que, a pedido da hoje
chefe do banco do Brics, teve a pauta omitida aos jornalistas.
“Perguntei
para ela: ‘Se a imprensa me perguntar…’, eu ainda brinquei: ‘Eu sou kantiano,
eu não gosto de mentir, se a imprensa perguntar se eu estive aqui, o que a
senhora gostaria que eu dissesse?’. Ela disse: ‘Diga que eu quis lhe fazer uma
consulta jurídica’”.
A
reunião, intermediada pelo à época ministro da Justiça José Eduardo Cardozo,
foi a primeira sabatina de Barroso antes de obter o assento no Supremo em 2013
— ele ainda passaria formalmente, como manda o figurino estendido na
Constituição Federal, por questionamentos da Comissão de Constituição e Justiça
(CCJ) do Senado e plenário da casa.
Segundo
ele, Dilma fez perguntas sobre separação de poderes, federação e royalties. “Eu
era advogado no Rio na briga dos royalties, ela disse, ‘quer dizer
que eu não posso mudar os royalties’ ela ainda brincou, e eu
dei a minha opinião sobre as questões em geral, ela não fez nenhuma pergunta…
Nem sobre Mensalão, nada que eu pudesse considerar inconveniente.” Naquela
época, Barroso já sabia que para galgar o cargo de ministro era necessário
entrar na estreita fila composta pelas alianças do Alvorada. Soube disso por
telefone anos antes, em 2009, quando lhe informaram a possibilidade de ser
convidado a assumir a vaga aberta com o falecimento de Carlos Alberto Menezes
Direito.
A
conversa foi com Pedro Abramovay, secretário de Assuntos Legislativos entre
2009 e 2010 — no governo Lula 2. Eram cinco nomes e Barroso era o quinto da
lista. “Eu perguntei a ele: ‘E quem me apoia?’. Ele falou: ‘Ninguém, mas também
ninguém tem oposição ao seu nome, de modo que, se houver um impasse, pode ser a
alternativa”.
O
vencedor daquela disputa seria José Antonio Dias Toffoli, que, então
advogado-geral da União, já havia sido advogado do PT. A escolha de Toffoli,
segundo reportagem de 2010 da
revista Piauí, relata uma conversa que ele teria tido com Lula:
“Você já sabe do que nós vamos falar”, disse Lula a Toffoli. “Eu sei do que nós
vamos falar, presidente, mas eu não vou aceitar porque o seu preferido, o do
coração, não sou eu.” Lula encerrou o assunto: “É, mas o Sig [Sigmaringa
Seixas] não quis, e vai ser você mesmo”. Um abraço teria selado o convite e a
concordância de Toffoli.
Os
bastidores revelados com exclusividade a pesquisadores da Fundação Getulio
Vargas (FGV), num projeto que se aprofunda na história do Supremo, mostram
incontáveis elementos que rodeiam e influenciam na escolha dos 11 integrantes
da última instância do poder judiciário brasileiro e sustentáculo da
República.
São
questões ocultadas, mas ainda muito presentes na atual disputa — iniciada meses
antes de Ricardo Lewandowski desocupar a cadeira, em 11 de abril deste ano. Na
receita para chegar lá, estada em Brasília, jogo com a imprensa, interlocutores
no Congresso, no Planalto e no próprio STF; fogo amigo e disputas ideológicas.
Diferentemente do processo eleitoral comum, Lula é o único eleitor, rodeado por
cabos eleitorais.
A
vaga deixada por Lewandowski será a nona indicação de Lula, que chegará à
décima com a vaga que será aberta em outubro, com a aposentadoria da atual
presidente da corte, Rosa Weber.
A Agência Pública conversou com
pessoas envolvidas nessa corrida para entender a regra do jogo em seus
bastidores. Foram ouvidos ministros, ex-ministros, congressistas, juristas e
lideranças políticas, além de especialistas, de modo a reunir dados e
informações que desnudam ao leitor elementos inerentes ao processo de
construção da imagem de um postulante ao STF em suas peregrinações prévias por
gabinetes executivos e legislativos, em busca de apoios políticos.
O
percurso se inicia dois, três e até quase dez anos antes de alguém surgir entre
os finalistas dessa competição, ressaltou um jovem advogado constitucionalista
que atua nos tribunais, em Brasília, e se articula para se tornar em no
máximo uma década nome cativo sondado ao STF. “Campanha”, para ele, não é o
termo adequado — lobby nu e cru é o que se faz, pelo menos no meio jurídico,
afirma.
O
advogado busca tornar-se cada vez mais conhecido entre ministros por meio de
suas ações judiciais para, com isso, estabelecer elos importantes nos gabinetes
e ter seu nome repercutido nos bastidores. Também preza por manter relações com
a imprensa; um café aqui e outro ali, conquistando a confiança — vez ou outra
até a amizade — dos jornalistas. “Não tenha dúvida que se sai uma notícia
dizendo que eu sou um ‘supremável’ vai ter parlamentar prestando atenção nisso.
E se sai uma notícia dessas, não tenha dúvidas, muda inclusive a minha
advocacia. […] o dono de um jornal não te odiar já facilita muito a sua vida.”
Sem
lista tríplice, sem pedidos de voto — a exemplo do Superior Tribunal de Justiça
(STJ) —, a politização das campanhas ao Supremo causa certo desconforto a
algumas alas, mas não deixa de ser vista nos corredores do poder como
imprescindível e naturalizada.
“Ele
tem que procurar todo mundo que possa, de alguma maneira, ser ouvido no
governo, e a grande dificuldade é saber quem são esses interlocutores de fato
perante o presidente”, explica um ministro do STJ que pediu para não ter seu
nome revelado e que assistiu de perto a campanha de colegas ao Supremo, um
deles André Mendonça, indicação de Jair Bolsonaro. “Foi bater [na porta dos
gabinetes] no Congresso porque estava numa possibilidade de um veto, uma
retaliação em relação ao presidente.” Era o contra-ataque à ideia de
“terrivelmente evangélico”. Deu certo.
·
“Quanto maior a exposição, pior”
Para
os gravadores e câmeras, as declarações de envolvidos na disputa atual são
resumidas em frases republicanas que nem de longe retratam o cenário instalado
desde que o jurista Manoel Carlos Neto, 43 anos, e o advogado Cristiano Zanin,
47, surgiram como possíveis opções de Lula. Outros candidatos são cogitados num
embalo mais comedido: Pedro Serrano, um dos fundadores do grupo Prerrogativas;
Bruno Dantas, presidente do Tribunal de Contas da União (TCU) e a juíza federal
Adriana Cruz.
Zanin,
no entanto, é o nome da vez. E Lula cogitar uma indicação de seu advogado gerou
críticas de que estaria violando o princípio da impessoalidade e comprometeria
a legitimidade do tribunal perante a sociedade. Mas Zanin, ao se confirmar a
escolha, já recebeu a chancela pública de membros atuais e antigos da corte,
como Carmen Lúcia, Gilmar Mendes, Luís Roberto Barroso e Celso de Mello,
aposentado em 2020. “Todos nós, com raríssimas exceções, não fomos buscados em
casa. Estávamos em algum lugar e tínhamos conexões com a vida política. Isso
está dentro de um certo contexto político e ideológico. O fundamental é que
saiba direito e que seja honesto”, afirmou Mello.
Fernando
Henrique Cardoso, que indicou três ministros em seus dois mandatos, referendou
Gilmar Mendes, que — tal como Toffoli para Lula – era seu advogado-geral da
União. Fato é que Zanin, na disputa com Manoel Carlos, foi o único citado
publicamente por Lula até aqui. “Se eu indicasse Zanin para o STF, todos
compreenderiam”, apesar de uma recente pesquisa da Quaest mostrar o
contrário — a indicação é reprovada por 60% dos entrevistados.
Mas
nessa corrida os candidatos devem buscar a discrição, considerada primordial
por Lula — disse um de seus líderes. “Quanto maior a exposição, pior.” O
comentário é sobre a imagem pública do indicado. O desafio é ser conhecido no
meio jurídico e desconhecido nas outras esferas.
Manoel
e Zanin se conhecem, não são tão próximos. Nenhum deles nega a boa relação em
conversas privadas com aliados. O primeiro é observado como alguém que dará
continuidade aos pensamentos e posições de Lewandowski, com quem conviveu
diretamente, entre 2006 e 2016. Ao deixar o cargo de assessor no STF, partiu
para a iniciativa privada e deu aulas na Universidade de São Paulo (USP), onde
lecionou por pelo menos dois anos.
O
segundo é um criminalista conhecido e reconhecido pela atuação que ajudou a
demonstrar a parcialidade do ex-juiz e agora senador Sergio Moro (União
Brasil-PR), na Lava Jato e que teve papel fundamental na recuperação dos
direitos políticos do atual presidente. Zanin tratou de temas ligados à sua
área de atuação em entrevistas e artigos, voltada para litígios empresariais e
para o uso abusivo de mecanismos jurídicos, conhecido como lawfare.
A
apuração da Pública indica
que “aversão”, “resistência” e seus sinônimos não parecem ecoar pelos
corredores do STF a respeito dos postulantes — estimados pelas atuações e
velhos conhecidos dos membros da corte.
Fontes
confirmaram à Pública que
ambos, há pelo menos dois meses, passam a maior parte do tempo em Brasília na
expectativa de fortalecer e ampliar suas articulações onde intensificam as
campanhas nos bastidores. “Tem a ver com a proximidade. Estar em Brasília
facilita as coisas para você fazer políticas que chegam na preferência do
presidente; para você chegar perto, para você ter diálogo com coalizões que
estão face a face com o executivo central, com os parlamentos federais”,
observou o professor do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Iesp-Uerj) Fernando de Castro
Fontainha, um dos responsáveis pela coleta dos dados que mostra que no
intervalo de 1988 a 2013 a terra erguida nos traços de Niemeyer foi a mais
visitada antes da indicação ao STF.
Foram
45 viagens à capital; 33 a São Paulo (SP) e 28 ao Rio de Janeiro (RJ) — as três
regiões no topo da lista. E não se trata de tradicionais visitas à cidade de
origem — nenhum dos 33 ministros que participaram do levantamento nasceu na
capital federal, e 64% dos deslocamentos envolviam razões profissionais.
Manoel
e Zanin se movimentam para a consolidação da imagem. Não é só batendo de
gabinete em gabinete. É se fortalecendo com os interlocutores mais influentes
mirando a decisão presidencial. É uma receita antiga: “Por exemplo, muitas
vezes eu ia visitar algum gabinete e o senador dizia: ‘Olha, um grande amigo
meu me ligou aqui para dar um testemunho a seu favor’. De repente, era uma
pessoa como o professor Ives Gandra Martins, que não era do ciclo das minhas
relações pessoais”, revelou o ministro Dias Toffoli aos pesquisadores da FGV
sobre o pré-STF. “A sua vida é devassada, é virada do avesso. A sua vida, a da
sua família, a dos seus amigos. É uma coisa que, realmente, é importante que
seja assim”, frisou em outro trecho.
Revirar
a vida alheia pode ser desleal num outro contexto, não quando se trata de quem
vai ajudar a decidir normas relacionadas de meio ambiente a direitos de
minorias no Brasil. Um interlocutor amigo pessoal do presidente e considerado,
inclusive, companheiro de lutas sociais confirmou à Pública ter participado de
reuniões separadas com Manoel Carlos e Zanin. Foi cauteloso e desconfiado ao
tratar das pautas dos encontros e reforçou uma, duas, três, quatro vezes — e
tantas mais, beirando a exaustão — que nenhum dos candidatos pediu abertamente
indicação ao presidente. Ambos, no entanto, teriam debatido uma das perguntas
que motivaram esta reportagem: “O que é necessário para se tornar um ministro
do STF?”.
Abrangentes
e um tanto quanto relativos, “notável saber jurídico” e “reputação ilibada” são
os critérios em alta nas discussões políticas, além, claro, da lealdade às
demandas da base social de Lula e da conjuntura a ser formada a partir da posse
de um dos nomes. Titulação, nesses casos, na compreensão de
constitucionalistas, não guarda tanto peso quanto a capacidade de avaliar
questões sobre direitos fundamentais e a independência na possibilidade de
frustrar a expectativa da ala responsável pela indicação. Aspecto primordial
para especialistas ouvidos, no contexto de divisão de um STF pragmático: uma
ala ligada mais à iniciativa privada em temas econômicos e nacionalistas e
outra apegada, em maior grau, ao caráter estatizante e social.
Ingenuidade
dizer que se busca um ministro imparcial numa instância em que a interpretação
de jurisprudências nacionais e internacionais jorra nas falas do Pleno, se
esgota em pedidos de vista e reflete nos manuais que regem o país em termos de
lei. O fato de Zanin, caso indicado à vaga, ter de enfrentar a possibilidade de
se declarar suspeito em processos da Lava Jato ou, por força legal, ser
impedido de atuar em ações em que trabalhou como advogado preocupa mais membros
da cúpula política do governo do que juristas.
Se
falar em critérios técnicos e éticos, os dois nomes mais cogitados estão,
teoricamente, em condições de atuar na corte. Um outro olhar, mais crítico e
muitas vezes leigo, no entanto, também tem influência: o social — avalia Diego
Werneck, professor associado do Insper e doutor em direito pela Universidade
Yale, nos Estados Unidos. “A delicadeza e a importância do que o tribunal faz,
decidir essas disputas de alta magnitude, em última instância… Não basta só
você ser independente, você tem que convencer as pessoas de que você é. […] é
importante dizer que as pessoas vão suspeitar de muita coisa que não tem nenhum
fundamento, mas é importante não dar fundamento, é importante não contribuir
para essas suspeitas.”
Suspeitas
que se abateram sobre o ministro Luiz Fux quando de uma entrevista de José
Dirceu à Folha de S.Paulo em 2013. O ex-deputado federal e ex-ministro
contou sua versão a respeito de uma promessa que teria recebido de absolvição
no processo do mensalão. Dirceu disse ter sido “assediado moralmente” durante
seis meses por Luiz Fux, que era ministro do STJ à época e desejava ir para o
STF.
Fux
negou a promessa de absolvição, no entanto admitiu que procurou José
Dirceu quando estava em campanha para ser ministro da corte. “Fui a várias
pessoas de São Paulo, à Fiesp. Alguém me levou ao Zé Dirceu porque ele era
influente no governo Lula.” Fux não viu problema em procurar quem um dia
poderia julgar. “Confesso que naquele momento não me lembrei [que Dirceu era
réu].”
·
A imagem é tudo
“Se
não for dessa vez, ele não tentará mais. É muito desgastante”, disse à Pública o aliado de um dos
concorrentes. No mar de desgaste, Zanin e Manoel vendem o peixe — não só nos
argumentos, mas também com obras. Fontes, sob anonimato, revelaram que nas
reuniões eles aproveitam para falar dos livros publicados e, não raramente, os
distribuem. Colapso das Constituições do Brasil — um reflexo pela
democracia, escrito por Manoel Carlos; e Lawfare: uma introdução,
de Zanin, Valeska Martins e Rafael Valim, estão entre as publicações mais
conhecidas em suas bolhas. Fragmentos dos portfólios entregues em gestos além
da cortesia.
O
que se pensa — boato ou fato verídico — sobre alguém ou uma instituição muda
qualquer cenário. Aí está o papel dos interlocutores — engajar em notas atrás
de notas, conversas atrás de conversas, numa publicização exacerbada de casos,
comentários e opiniões para que o presidente decida, no fim das contas, qual
figura lhe causará menos desgaste no futuro.
Lula,
em declarações recentes, afirmou que não vai indicar ministro para ser seu
amigo. “Eu não quero indicar um ministro para fazer coisa para mim. Eu quero
indicar um ministro da Suprema Corte que seja uma figura competente do ponto de
vista jurídico e que esse cidadão exista lá para que a Constituição da
República seja respeitada. É isso”, reforçou.
Ambos
contrataram assessores de imprensa para a filtragem de conteúdo repercutido nos
veículos de comunicação e contenção dos ataques sobre o histórico de vida de
cada um. Clipagem do fogo amigo que ninguém vê ou prefere não admitir de onde
vem, mas que está presente diariamente nas colunas dos portais de
notícia.
Espalhar
currículos nessa trajetória não é nenhum advento. O próprio Luiz Fux já citado
nesta reportagem foi um dos ministros que também revelou — com exclusividade a
pesquisadores da FGV — a construção de aliados para concretizar-se como parte
do seleto time, em 2011 — primeiro ano de Dilma no Planalto. “Eu falei com
muita gente na época do governo Lula, que até ele tinha tomado a iniciativa de
me ligar quando estava com Lindbergh [Farias]. Mas ele já tinha, segundo
consta, assim… um perfil, que preferia que não se falasse com muita gente. E eu
não sabia disso. Então, eu procurei levar meu currículo para várias pessoas.
Onde ele chegava, as pessoas falavam: ‘Olha, tem um currículo aqui do Fux’.
‘Ah, eu já ouvi falar. Já ouvi falar até demais.’ […] Entreguei os currículos a
quem me recomendaram entregar.”
Recomendações,
ligações, conexões compõem um jogo de habilidades e — algumas vezes — sorte,
num universo onde dezenas afirmam ter muita influência na escolha do
presidente, mas poucos realmente a têm. Nomes considerados preponderantes nas
consultas do presidente são disparados nos bastidores sem muita certeza.
É
sabido que, nos seus dois primeiros mandatos, Lula consultava com frequência
para as escolhas de tribunais superiores o seu ministro da Justiça, Márcio
Thomaz Bastos, e o advogado e deputado Sigmaringa Seixas, ambos já falecidos —
dois que Lula gostaria de ter indicado ao STF, mas que nunca aceitaram ocupar
as vagas.
Em
tempos de ataque às instituições, ronda a atual disputa também a transparência
de pensamentos, apontada por especialistas e lideranças políticas como
requisito-chave ao acerto definitivo. Sobre Zanin, pouco se sabe da sua visão
relacionada à diversidade e direito tributário, por exemplo. Manoel Carlos, por
sua vez, embora possua histórico acadêmico mais amplo, é observado por
estudiosos consultados pela reportagem como alguém que “dança conforme a música”
— por isso, levantaria dúvidas sobre os caminhos da atuação ao ter em mãos
poder e independência.
“Isso
tudo se esclarece na sabatina do Senado”, disse um congressista que esteve
presente numa reunião com Zanin e lideranças políticas, em março deste ano, na
casa do deputado federal Alencar Santana (PT-SP). Algo informal, um tradicional
vinho à noite — na alegação de um dos participantes. Na busca incessante do
centrão por funções do segundo escalão nos ministérios como condicionantes para
a formação de frente ampla no Congresso Nacional, nenhuma fonte procurada pela
reportagem acredita na possibilidade — nem mesmo remota — da rejeição do nome
indicado por Lula. “Não querem ficar contra a indicação do presidente”,
comentou um deputado ao destacar ter conversado com Lula sobre o assunto, na
última semana de março. Ressalvou, contudo, o posicionamento de discordância
previsível da extrema direita, que já prometeu engrossar caso o indicado seja
Zanin.
“As
sabatinas não têm esse papel, de fato, de escrutinar esses elementos do que
está no papel, do que está no currículo; de fato se aprofundar na trajetória,
no posicionamento. Até em alguns casos, que a gente viu recentemente, ministros
que chegaram na sabatina com suspeitas ou acusações de desvios éticos, por exemplo,
relacionadas a normas acadêmicas, plágio, coisas desse tipo”, analisa Juliana
Alvim, professora da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas
Gerais (UFMG) e Universidade Centro-Europeia (CEU).
Para
não ser injusto com a história, senadores brasileiros já rejeitaram cinco nomes
propostos ao STF entre 1891 e 1894, no governo de Floriano Peixoto. Narra o
ex-ministro Celso de Mello, em Notas sobre o Supremo, que não
passaram no crivo: Barata Ribeiro, Innocêncio Galvão de Queiroz, Ewerton Quadros,
Antônio Sève Navarro e Demosthenes da Silveira Lobo.
Mesmo
que a sabatina dure quase 12 horas, como enfrentou Edson Fachin, em 2015, não
há questionamentos que desbanquem aquilo milimetricamente calculado. “Muito se
diz que o Senado não rejeita nomes e que, historicamente, no Brasil, o Senado
não tem o costume de rejeitar os nomes. É que aqui no Brasil, o que o
presidente da República faz? Ele consulta o Senado antes, informalmente. Na
verdade, é isso que ocorre”, palavras de Dias Toffoli à FGV.
As
opiniões convergem na ideia de que a defesa incontestável da democracia deve
estar acima de qualquer interesse, sobretudo após os atos do dia 8 de janeiro e
discursos autoritários com base sólida e representantes no país.
“Num
momento desses de ameaça à democracia e de crítica ao Supremo a partir de uma
perspectiva antidemocrática, é interessante alguém que reconheça o valor do
colegiado, como a ministra Rosa Weber, por exemplo. Uma ministra que não abre
fronte para crítica individual à toa, não vai dar uma monocrática [decisão] na
véspera, como a monocrática do ministro Nunes Marques liberando o culto na
véspera da Páscoa no meio da pandemia de covid na sexta-feira, em que o
colegiado só poderia lidar com isso na semana seguinte”, observou Alvim.
A
postura de cada ministro é perceptível até mesmo na formação das equipes.
A Pública visitou o
STF, conversou com técnicos e pessoas próximas aos membros da corte. Os
gabinetes — estruturas com, em média, dez assessores, três juízes, um chefe de
gabinete, além de analistas e servidores de carreira — são moldados com visões
que vão desde as mais crentes na imparcialidade da casa a indiretas sobre
políticas sociais e econômicas. “Não dá para homogeneizar as questões.” Outra
fonte reforçou a ausência de imparcialidade nas articulações em andamento: “Não
existe escolha neutra”.
No
ambiente técnico do STF, pouco se fala de representatividade e diversidade,
embora predomine um colegiado com somente duas mulheres e nenhum negro — aliás,
o único ministro negro a compor a corte em seus 214 anos de vigência foi
Joaquim Barbosa, aposentado em 2014.
Lula,
inclusive, não se comprometeu com uma mulher ou uma pessoa negra para esta
vaga, como tem sido pedido por alguns setores da sociedade. “É um critério que
eu vou levar muito em conta nesse momento, mas não darei nenhuma referência,
porque, se eu der, estarei carimbando a pessoa que será o futuro ministro ou a
futura ministra”, afirmou.
Nas
discussões de corredores gotejam suspeitas sobre o critério pessoal de Lula
para a nova escolha, em tentativas de persuadir — seja por meio da exposição na
imprensa ou em conversas fechadas — na decisão final. Mas o próprio Lula deu o
recado: “Não adianta as pessoas ficarem plantando nome, tentando vender
candidato pela imprensa, porque não é assim que se escolhe ministro do
Supremo”, disse. “O critério dessa primeira vaga é alguém de caráter de
confiança, que não traia a Constituição. Quem está nesse critério cai num
afunilamento, que é o critério de lealdade”, pontuou o integrante de uma das
campanhas e interlocutor do candidato no STF.
Há
quem diga que se deve chegar pronto — para tudo e todos — ao Supremo, o ápice
da carreira que exige conhecimentos abrangentes. É uma instância sem órgão
revisor, motivo de aumento da carga de responsabilidade e pressão nas decisões.
Os defensores de que o aprendizado é constante e se inicia na corte, num
formato diverso de qualquer outra experiência, são maioria.
É,
sem dúvida, um processo de construção bem distante da frase repetida por
inúmeros ministros e ex-ministros que conversaram com a Pública: “É cargo que não se postula,
não se pede”. Postula-se, se pede, se articula, se ganha, se ocupa.
Fonte:
Por Dyepeson Martins, da Agencia Pública
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