Paulo
Kliass: Financismo X Indústria
A sequência contínua de elevações da taxa
referencial de juros tem colocado, mais uma vez, os holofotes dos analistas
sobre os mecanismos de funcionamento do Comitê de Política Monetária (COPOM).
Afinal, ao longo das últimas cinco reuniões do órgão, a SELIC foi
sistematicamente aumentada, saído de 10,50% em setembro de 2024 para os atuais
14,25%. O detalhe é que durante este período deu-se a troca de comando na
diretoria do Banco Central (BC), com a posse de Gabriel Galípolo como
Presidente do banco no lugar de Roberto Campos Neto. Além de promover esta
importante substituição, o fato é que sete dos nove diretores da entidade são
nomeações feitas por Lula em seu terceiro mandato. A tragédia anunciada é de
tal ordem, que a ata da reunião mais recente do colegiado aponta para a
necessidade de novas elevações nos próximos encontros.
No
entanto, o que se tem visto é a continuidade da política monetária implementada
pelo indicado por Paulo Guedes e Bolsonaro e que foi nomeado para o cargo logo
em fevereiro de 2019. Graças ao golpe previsto na Lei Complementar nº 179 de
2021, que estabeleceu a independência do BC, o neto de Roberto Campos ficou no
posto até o final de 2024. Apesar de todas as críticas a ele endereçadas pelo
novo Presidente da República, o fato é que a sua saída da direção do órgão não
mudou em absolutamente nada a gestão das políticas e das atribuições do banco
pelo novo Presidente. Galípolo manteve a política monetária de SELIC nas
alturas e não alterou uma palha na sistemática de consulta ao “mercado” por
meio da pesquisa semanal Focus.
Diante
de tais condições, o governo perdeu qualquer credibilidade em suas eventuais
críticas ou desacordos com a política do austericídio. O Ministério da Fazenda
segue com sua obsessão por corte de despesas e respeito absoluto ao sacrossanto
Novo Arcabouço Fiscal. Isso ocorre ao mesmo tempo em que o BC mantém o Brasil
dentre os primeiros lugares no campeonato de taxa real de juros mais elevada do
planeta. Ora, como a gestão de Galípolo segue fazendo cara de paisagem ferente
aos escandalosos “spreads” praticados pelo oligopólio da banca privada, os
custos de operações de crédito e empréstimo seguem sendo inviáveis para
qualquer tipo de atividade empreendedora no setor real da economia.
• Neoliberalismo: quatro décadas contra a
indústria.
Isso
significa que a esperança de uma mudança efetiva nos fundamentos da política
econômica neoliberal, em operação desde o golpe contra a Presidenta Dilma
Roussef, continua sendo frustrada a cada novo dia que passa. Seguem valendo as
diretrizes do programa contido no documento/manifesto “Ponte para o futuro”
apresentado em 2015 pelo MDB às elites como garantia de que o meio mandato de
Michel Temer no Palácio do Planalto seria orientado para estratégias como
privatização, austeridade fiscal e liberalismo econômico extremo. E assim
vieram, por exemplo, o Teto de Gastos por meio da EC 95 e o sucateamento da
Petrobrás. A austeridade foi incluída no texto constitucional proibindo aumento
de despesas orçamentárias por longos 20 anos. Já a empresa estatal do petróleo
teve sua política de preços redefinida por meio de um alinhamento automático
com o preço do óleo bruto no mercado internacional.
Esse
menu neoliberal todo aprofundou o processo de desindustrialização de nossa
economia, tendência que vinha se verificando desde o início da década de 1990.
Além do custo financeiro elevadíssimo, também contribuía para reduzir o
interesse das empresas em aumentar sua capacidade produtiva do lado real da
economia a política deliberada de valorização cambial. A busca frenética por
atrair recursos financeiros especulativos na esfera internacional era
concretizada pela rentabilidade absurda oferecida ao parasitismo financista.
Assim, a contradição entre o rentismo e a produção industrial seguiu sendo
solucionada pelo favorecimento dos interesses do financismo em detrimento do
estímulo ao setor secundário.
Não
obstante a conhecida e reconhecida importância estratégica que representa a
atividade industrial como elemento gerador de maior valor agregado na escala
produtiva, a orientação dos sucessivos governos tem sido a manutenção do foco
na austeridade e no juro elevado. A relevância crescente assumida pelo
agronegócio exportador e pelo modelo de incentivo à venda de “commodities” no
mercado internacional transformou a economia brasileira em um grande ator
especializado na produção e exportação de bens agropecuários e minerais de
baixo impacto positivo para o conjunto de nossa sociedade.
• Reindustrializar é o caminho.
Um dos
principais argumentos apresentados pelos defensores deste verdadeiro atraso
secular no desenvolvimento de nossas forças produtivas reside na comparação
internacional, ressaltando as supostas virtudes do processo vivenciado por
parte dos países desenvolvidos. Assim, a revolução tecnológica e a emergência
da economia do conhecimento teriam provocado uma perda relativa da participação
da indústria naquelas nações. O fenômeno é real, mas o ponto a ser destacado é
que, naqueles casos, o que se observou foi uma substituição da economia
industrial por atividades de maior valor agregado ainda, supostamente no setor
ainda classificado como “serviços”. No caso brasileiro, o crescimento ocorreu
em áreas como telemarketing, entregas por aplicativos e outras, todas
caracterizadas como sendo de baixíssima capacidade de agregação de valor.
A
indústria brasileira perdeu capacidade interna e internacional. O consumo
interno de bens manufaturados foi direcionado para a importação e as nossas
empresas perderam praticamente toda e qualquer possibilidade de concorrência
com o resto do mundo. O Gráfico abaixo exibe com toda a clareza o drama da
desindustrialização que vem acompanhando a economia de nosso País. O
crescimento inicial ocorre ao longo das décadas de 1950 e 1960 com a instalação
do complexo da Petrobrás e do sistema estatal da siderurgia, vindo em seguida a
implantação do parque da indústria automobilística. Depois do golpe de 1964, o
Brasil assistiu ao crescimento das atividades econômicas de uma forma geral – o
período do chamado “milagre econômico”. Ali foi atingido ao ápice da participação
da indústria no PIB, período em que o indicador que se aproximou de 30%
O
ingresso na década de 1990 marca o início da ladeira abaixo neste quesito. As
medidas visando a liberalização desenfreada patrocinadas pelo Presidente Collor
expuseram, subitamente e sem planejamento algum, a economia brasileira à
concorrência internacional. Este foi o primeiro choque de perda de importância
relativa da indústria. É o momento de substituição ampla e generalizada dos
manufaturados nacionais pelos importados. Em seguida, a política de ajuste
macroeconômico derivada do Plano Real, a partir de 1994, impôs um regime de
câmbio valorizado artificialmente, em função do afluxo permanente de recursos
especulativos na esfera internacional, em busca da elevada rentabilidade
financeira oferecida por aqui. A taxa oficial de juros se mantinha em níveis
elevados e tal fato contribuía para reduzir os estímulos à atividade produtiva
no setor real da economia.
• Produção vs rentismo.
A
propósito do tema foi lançado recentemente um importante livro, “Produção
versus Rentismo – Trabalhadores e empresários pela reindustrialização do
Brasil”, organizado por Carlos Pereira. O material da publicação é fruto do
Seminário Nacional pela Reindustrialização do Brasil, realizado na sede da
Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), em 11 de junho de
2024, e reúne entrevistas com representantes dos empresários e dos
trabalhadores sobre os caminhos para se reverter o processo de estagnação
econômica que há décadas sufoca o setor produtivo brasileiro e o
desenvolvimento do país.
A tragédia da desindustrialização é tão
profunda e atinge tantos setores da nossa economia e da nossa sociedade que a
busca por uma ampla frente em defesa da reindustrialização torna-se uma tarefa
fundamental. Cada vez mais os ramos das classes dominantes não diretamente
vinculados aos interesses do financismo percebem o equívoco que foi terem
abraçado a pauta do neoliberalismo sem nenhuma avaliação de suas consequências.
A hegemonia política e ideológica exercida pelos ideólogos e propagadores do
receituário do Consenso de Washington esteve na base da destruição da indústria
brasileira.
Iniciativas
como o programa governamental “Nova Indústria Brasil” (NIB) são importantes e
muito bem-vindas. No entanto, apesar de estar ancorada no Ministério comandado
pelo Vice-Presidente Geraldo Alckmin, a NIB tem se revelado claramente
insuficiente para promover efetivamente aquilo a que se propõe: um processo
intenso de neoindustrialização da nossa economia. A política de austeridade
fiscal levada a cabo pelo Ministro da Fazenda se apresenta como um enorme
obstáculo para que as verbas governamentais sejam compatíveis com as
necessidades de uma retomada robusta da capacidade de produção industrial. Por
outro lado, juros muito elevados também inibem fortemente a capacidade de
investimento e de operação no campo da economia real e produtiva.
A
exemplo do que ocorre em outros domínios do governo, o Brasil aguarda ansioso
por uma clara sinalização do Presidente Lula a favor da indústria. Cabe a ele
promover a necessária mudança nos eixos da política econômica, abandonando de
uma vez por todas esse rigor austericida. Superar a contradição entre produção
e rentismo implica a adoção de um programa robusto de planejamento econômico e
social, oferecendo os espaços e os meios para que a reindustrialização seja
colocada em movimento.
• É hora do MCTI deslanchar. Por Luís
Nassif
Finalmente,
foi entregue ao Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) o “Livro
Violeta – Ciência, Tecnologia e Inovação para um Brasil justo, sustentável e
desenvolvido”, que juntou insights, propostas e recomendações do mundo
acadêmico e de pesquisa, apresentados na 5ª Conferência Nacional de Ciência,
Tecnologia e Inovação. O livro deverá fornecer as bases de uma estratégia para
o setor.
Os
principais objetivos de uma política científico-tecnológica são:
• Crescimento inclusivo: priorizar
soluções baseadas na ciência para combater a desigualdade, a pobreza e a fome.
• Desenvolvimento Sustentável: com foco na
mitigação das mudanças climáticas, na transição energética e no uso sustentável
dos recursos naturais.
• Avanço tecnológico: promover a
transformação digital, o desenvolvimento de IA e maior competitividade em
setores estratégicos.
Um dos
temas discutidos na %a CNCTI foi a neoindustrialização, a necessidade de uma
nova política industrial que alavanque CT&I para aumentar a competitividade
do Brasil na economia global. Isso inclui a definição dos setores-cheve, como
biotecnologia, nanotecnologia e energia renovável.
Propõe
também a promoção da inovação tanto em indústrias tradicionais quanto em
setores emergentes. E a a colaboração entre universidades, instituições de
pesquisa e o setor privado.
Para um
projeto de desenvolvimento inclusivo, os setores estratégicos são a
agricultura, saúde, desenvolvimento sustentável e educação.
Mas não
se pode abrir mão da cooperação internacional, através de três prioridades:
• Fortalecimento da parceria , com outros
países – especialmente aqueles do Sul Global.
• Promover a mobilidade de pesquisadores e
o intercâmbio de conhecimento e experiência.
• Participar de iniciativas globais e
enfrentar desafios compartilhados.
Outro
desafio é a Educação, Comunicação e Engajamento Público. Papel crítico será
desempenhado pela educação científica e do alcance público na promoção de uma
cidadania cientificamente alfabetizada e na promoção do suporte para CT&I.
Isso
abrange:
• Melhorar a educação científica em todos
os níveis, do ensino fundamental ao ensino superior. É só lembrar que a China
introduziu a matéria de Inteligência Artificial em todo sistema educacional.
• Promover a conscientização pública sobre
ciência e tecnologia por meio de vários canais de mídia.
• Envolver cidadãos na pesquisa científica
por meio de iniciativas de ciência cidadã.
• Ciência e Sociedade : Articulando a
importância de um forte relacionamento entre ciência e sociedade e defendendo
um maior envolvimento público na tomada de decisões científicas.
O
próximo desafio será o MCTI transformar as recomendações em políticas públicas.
Fonte:
Jornal GGN
Nenhum comentário:
Postar um comentário