Conflito
de interesses no governo Trump
As
ideias da extrema direita radical têm raízes em diversas correntes históricas e
filosóficas. Ao longo do tempo, deram forma a visões autoritárias,
nacionalistas e excludentes. Suas origens podem ser agrupadas em cinco eixos
principais.
(i) O
nacionalismo radical tem raízes no romantismo do século XIX. Exaltava a nação
como uma entidade orgânica, ligada à cultura, à língua e, em algumas versões, à
raça. Ideias de supremacia nacional são reforçadas em períodos de crise, quando
grupos extremistas culparam estrangeiros e minorias por problemas internos.
(ii) A
extrema direita radical se opõe à democracia liberal, vendo-a como fraca e
decadente. No passado, defendia a monarquia e a autoridade religiosa contra os
ideais iluministas. No século XX, regimes como o fascismo e o nazismo
rejeitaram o individualismo liberal, promovendo um Estado autoritário e
centralizador.
(iii) A
crença em uma liderança forte e carismática, capaz de representar “a vontade do
povo” sem necessidade de eleição democrática, remonta a tradições autocráticas
antigas. O fascismo de Benito Mussolini e o nazismo de Adolf Hitler levaram
essa ideia ao extremo, defendendo um Estado totalitário no qual todas as
esferas da sociedade eram subordinadas ao poder do líder.
(iv)
Durante a Guerra Fria, ditaduras de extrema direita aproveitaram-se do
“anticomunismo” para repressões e golpes militares deliberados como o ocorrido
no Brasil. A extrema direita radical passou a ver o socialismo, o marxismo e
até o liberalismo cosmopolita como ameaças à “ordem natural”. No mundo
contemporâneo, o antiglobalismo surge como novo pilar, alegando as instituições
internacionais e elites globais conspirarem contra os interesses nacionais.
(V)
Muitas correntes extremistas baseiam-se em interpretações conservadoras de
valores religiosos e morais, opondo-se aos direitos civis de minorias e ao
feminismo. Esse aspecto tem raízes em movimentos reacionários contra mudanças
sociais, como a Revolução Francesa e os direitos civis do século XX.
As
ideias da extrema direita radical não surgem de uma única fonte, mas de uma
combinação de nacionalismo extremo, autoritarismo, conservadorismo social e
exclusão ao liberalismo democrático. Em tempos de crise econômica e social,
esses elementos são mobilizados para políticas excludentes, repressivas e
antidemocráticas.
As
ideologias da supremacia branca, do nativismo e do natalismo anti-woke são
pilares da extrema direita norte-americana e têm sido disseminadas globalmente
por seus adeptos. Eles se agrupam em um núcleo comum de nacionalismo
excludente, conservadorismo moral e exclusão da diversidade, influenciando
grupos extremistas em diferentes países.
A ideia
de os brancos serem superiores tem raízes nos EUA desde a escravidão e foi
reforçada por grupos como a Ku Klux Klan e, mais recentemente, por movimentos
como os alt-right e os nacionalistas identitários. Essa
ideologia se baseia no medo da “substituição étnica”, um preconceito promovido
por ideólogos da extrema direita ao alegarem as elites globalistas estarem
promovendo a imigração e a miscigenação para diluir as populações brancas.
O
nativismo é a defesa de apenas os “nativos” de uma nação (definidos por “raça”
e cultura) terem direitos plenos, enquanto imigrantes e minorias são vistos
como ameaças. Nos EUA, essa ideia se intensificou com políticas anti-imigração
e retórica contra latinos, muçulmanos e outras minorias, promovidas por
políticos e influenciadores de extrema direita. Essa ideologia foi exportada
para a Europa, onde partidos de extrema direita usam o medo da imigração para
mobilizar uma massa de manobra contra muçulmanos e africanos.
O
“natalismo” de extrema direita prega as famílias brancas e cristãs terem mais
filhos para combater a suposta “ameaça demográfica” de imigrantes e minorias. O
discurso anti-woke rejeita a igualdade de gênero, o feminismo e os
direitos LGBTQ+, alegando eles estarem enfraquecendo a sociedade e reduzindo as
taxas de natalidade dos “nativos”.
Essas
ideologias se espalharam por meio de redes sociais, think tanks e
movimentos internacionais de extrema direita. Criaram uma identidade
transnacional baseada em valores ultraconservadores. Eventos como a Conferência
de Ação Política Conservadora (CPAC) ajudam a unificar esses grupos
globalmente, influenciando partidos e movimentos extremistas na Europa, América
Latina e até na Ásia.
A
extrema direita norte-americana tem um impacto global, difundindo ideias de
supremacia racial, protecionismo cultural e conservadorismo social para
fortalecer sua visão de mundo. Aproveitando-se dos ressentimentos alimentados e
das tensões sociais, esses movimentos ameaçam valores democráticos e promovem
divisões profundas dentro das sociedades.
Dani
Rodrik alerta para um confronto iminente no mundo de Trump. “Embora Donald
Trump tenha chegado ao poder surfando um tsunami de hostilidade pública contra
as ‘elites’, seus apoiadores são, eles mesmos, membros proeminentes do establishment e
da plutocracia”.
Como
ocorreu durante seu primeiro mandato, Donald Trump – um empresário rico, aético
e celebridade da TV – cercou-se de uma mistura de políticos republicanos
convencionais, financiadores de Wall Street e nacionalistas econômicos. Mas
desta vez esses grupos foram acompanhados por membros da tecno-direita,
representados de forma mais gritante por Elon Musk, a pessoa mais rica do
mundo.
A
crença de suas agendas específicas serem mais bem servidas sob Donald Trump une
esses grupos. Evidentemente, não é o duvidoso caráter dele: (a) os republicanos
conservadores querem impostos baixos e menos regulamentação; (b) os
nacionalistas econômicos querem fechar o déficit comercial e restaurar a
manufatura dos Estados Unidos; (c) os absolutistas da liberdade de expressão,
para propagação de seu credo contra a democracia liberal, querem acabar com o
que veem como “censura woke”; (d) a tecno-direita quer ter carta
branca para implementar sua própria visão do futuro.
Dani
Rodrik aposta o resultado ainda mais provável é essas agendas concorrentes logo
entrarem em conflito, fazendo a coalizão de Donald Trump implodir. As linhas de
conflito mais agudas estão entre os nacionalistas econômicos e a tecno-direita.
Os
nacionalistas econômicos querem retornar a um passado mítico marcado pelo
esplendor industrial americano, enquanto o campo tecnológico imagina um futuro
utópico administrado pela inteligência artificial. Um é populista, o outro
elitista.
“Um
cultiva o populismo, o outro apenas a tecnologia. Um quer parar a imigração em
geral, o outro acolhe novos talentos. Um é paroquial, o outro essencialmente
globalista. Um quer desmembrar o Vale do Silício, o outro quer emponderá-lo. Um
acredita em taxar os ricos, e o outro em alimentar os ricos”.
Steve
Bannon, uma voz de destaque entre os nacionalistas econômicos, chama Musk de
“imigrante ilegal parasitário”. Embora Bannon não esteja atualmente no governo
de Donald Trump, ele é uma figura importante no movimento MAGA (“Make
America Great Again”) e mantém laços estreitos com muitos funcionários de
alto escalão da administração. Elon Musk agora domina o ouvido de Trump.
É
típico de líderes personalistas, como Donald Trump, colocar cortesãos uns
contra os outros para nenhum acumular muito poder. Ele acredita poder
permanecer no topo e aproveitar os conflitos para seu próprio benefício.
Independentemente
do provável racha, para Dani Rodrik, “a tragédia é os eleitores menos educados
da classe trabalhadora terem se juntado à mensagem antielitista de Donald Trump
e continuarão sendo os perdedores. Nenhum dos braços da coalizão de Donald Trump
oferece uma visão convincente para eles”.
As
aspirações dos nacionalistas econômicos dependem de um renascimento irrealista
nos empregos de manufatura. A agenda política urgente seria criar uma economia
de classe média em uma sociedade pós-industrial. No entanto, as diferentes
elites da direita lutam por suas próprias versões dos Estados Unidos, isto é,
favoráveis ao seus negócios particulares.
Afinal,
Donald Trump ao se candidatar usou sua marca pessoal como celebridade televisa
(após o término do programa de TV O Aprendiz) para recuperar sua
situação financeira de endividado por alavancagem financeira com dinheiro de
outros, muitos caloteados. Como presidente, ele aproveitou sua posição para
beneficiar suas empresas, algo amplamente documentado.
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Vice de Trump decide viajar à Groelândia – sem ser
convidado
A
viagem de representantes de alto escalão dos Estados Unidos à Groenlândia vem sendo
criticada há dias. Agora, a agenda da delegação foi reduzida – o que
acalmou um pouco os ânimos, pelo menos do lado dinamarquês. Em vez de locais
históricos e uma corrida de trenós puxados por cães, o programa vai
consistir apenas em uma visita a uma base militar dos EUA.
O
ministro das Relações Exteriores da Dinamarca, Lars Lökke Rasmussen, disse à estação de
rádio DR na quarta-feira (26/03) que via de forma "muito positiva" a
mudança de planos da delegação americana para sua estadia na ilha. Segundo o
dinamarquês, seu governo "não tem objeções" à visita à base militar.
Anteriormente, a primeira-ministra dinamarquesa, Mette Frederiksen, havia
falado em uma "pressão inaceitável" dos EUA.
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Viagem acompanhada de delegação – mas de natureza "puramente privada"
Em um
vídeo divulgado na terça-feira, o vice-presidente dos EUA, J.D. Vance,
anunciou que pretende acompanhar sua esposa Usha numa visita à ilha, um
território semiautônomo da Dinamarca. "Houve muita empolgação em torno da
nossa visita à Groenlândia nesta sexta-feira, então decidi que não quero que
ela se divirta sozinha", anunciou o vice do presidente Donald Trump em um vídeo na plataforma X. Na Base
Espacial de Pituffik, ele "receberá um briefing sobre questões de
segurança no Ártico e se reunirá com soldados americanos".
Originalmente,
a Casa Branca havia anunciado que Usha Vance visitaria o território autônomo
dinamarquês de quinta a sábado ao lado do filho do casal – mas sem o marido – e
acompanhada de uma delegação dos EUA. Segundo a imprensa americana, também
deverão fazer parte da delegação o conselheiro de Segurança Nacional de Trump,
Mike Waltz, e o Secretário de Energia, Chris Wright – embora a visita tenha
sido novamente declarada como puramente privada.
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O que os EUA querem da Groenlândia?
Esta já
é a segunda viagem de uma delegação dos EUA à Groenlândia desde o início do
segundo mandato de Donald Trump. No início de janeiro, seu filho Donald Jr. já
havia viajado para a capital da Groenlândia, Nuuk, por um dia, no que também
foi motivo de polêmica.
Trump
está de olho na Groenlândia há muito tempo. Já em 2019, durante seu primeiro
mandato, ele havia declarado sua intenção de comprar a ilha – algo que já
naquela época os groenlandeses rejeitaram com indignação.
Agora,
em seu segundo mandato, ele voltou a reivindicar o controle da
ilha e
sua intenção de torná-la parte dos Estados Unidos. Como justificativa, Trump
alega sobretudo razões de segurança. Groenlândia e Dinamarca, por sua
vez, rejeitam veementemente a anexação.
A ideia
de uma tomada da Groenlândia pelos EUA não é nova: após a Segunda Guerra
Mundial, o presidente democrata dos EUA, Harry S. Truman, também já havia feito
uma oferta secreta de compra à Dinamarca por US$ 100 milhões em ouro – que foi
igualmente rejeitada.
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Grande importância geopolítica
Para os
americanos, a maior ilha do mundo tem, de fato, grande importância geoestratégica. Os EUA fazem
fronteira com o Ártico através do estado do Alasca e operam uma base da Força
Aérea no noroeste da Groenlândia desde 1951. A base é uma parte importante do
sistema americano de alerta precoce para possíveis ataques de mísseis balísticos
intercontinentais.
De
acordo com a revista militar austríaca Militär Aktuell, a pista da
base de Pituffik é usada para mais de 3 mil voos anuais dos EUA e de outros
países. A base é a instalação mais ao norte do Pentágono e abriga o porto de
águas profundas mais ao norte do mundo.
Outro
fator importante são as rápidas mudanças climáticas no Ártico: com o derretimento do gelo, abrem-se novas
rotas de navegação que antes ficavam bloqueadas na maior parte do ano ou até
mesmo o ano inteiro. Segundo as previsões, a calota de gelo do Ártico deverá
sofrer um recuo considerável durante os meses de verão entre 2030 e 2040. Isso
pode levar ao estabelecimento de três novas rotas de navegação para a viagem do
Pacífico ao Atlântico – significativamente mais curtas do que as rotas
anteriores.
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Matérias-primas sob o gelo
Uma
dessas rotas, a chamada Passagem do Nordeste, perto do território russo, já
está sendo expandida pela China e pela Rússia como uma rota comercial e
marítima para o transporte de matérias-primas.
Assim
como já discutido no caso da Ucrânia, os EUA também visam
à extração de terras raras e outras matérias-primas no Ártico, necessárias para
a produção de aparelhos elétricos: a região autônoma é rica em metais,
diamantes, carvão e urânio.
Em uma
entrevista à emissora de TV alemã NTV, o professor de ciência política de
Colônia, Thomas Jäger, mencionou outro possível motivo por trás das intenções
do líder americano. "É de se supor que Trump queira seguir a tradição de
presidentes que expandiram fortemente seu território — no século 19, quando os
Estados Unidos avançaram para o oeste e depois compraram o Alasca".
Segundo Jäger, isso seria algo que, na própria visão de Trump, "faria dele
um grande presidente".
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O que dizem os groenlandeses?
Muitos
groenlandeses, porém, não querem se deixar enganar e vêm protestando contra as
políticas de Trump há algum tempo. Dias atrás, o premiê groenlandês, Mute Egede, que está prestes a
deixar o cargo, descreveu a visita da delegação como uma
"provocação". Já Jens-Frederik Nielsen, líder do partido
democrata – que venceu as últimas eleições
parlamentares –,
falou em "falta de respeito".
Embora
o programa da visita da delegação americana tenha mudado, muitos ainda estão
irritados com a visita, disse o jornalista groenlandês Masaana Egede à emissora
DR. "Acho que muitas pessoas ainda veem isso como uma provocação."
As
eleições parlamentares de 11 de março na Groelândia também foram influenciadas
pelas declarações do novo presidente dos EUA – e foram, portanto, inclusive
antecipadas. O partido do primeiro-ministro Egede e seus parceiros de coalizão
sofreram perdas significativas, deixando a vitória para o partido de
centro-direita Demokraatit.
O
resultado da eleição é visto sobretudo como um sinal de que a maioria dos
groenlandeses quer a independência da Dinamarca. Desde 1979, a Groenlândia goza
de autonomia em muitas áreas, mas ainda cabe à antiga potência colonial decidir
sobre questões de política externa e defesa. Além do mais, violações dos direitos humanos
cometidas contra os inuítes no passado também fazem com que muitos
groenlandeses queiram se separar em definitivo da Dinamarca.
Resta
saber, no entanto, se uma Groenlândia independente conseguiria sobreviver
economicamente: todos os anos, Copenhague transfere o equivalente a cerca de
550 milhões de euros para a ilha — cerca de um terço de seu orçamento.
Apesar
das dificuldades, tornar-se parte dos EUA tem o apoio de poucos. De acordo com
uma pesquisa realizada pelo jornal dinamarquês Berlingske e
pelo periódico groenlandês Sermitsiaq no final de janeiro, 85%
dos groenlandeses rejeitaram a tomada de sua ilha pelos EUA. A deputada da
Groenlândia no parlamento dinamarquês, Aaja Chemnitz, também criticou nas redes
sociais: "Está claro que o campo de Trump não respeita nosso direito à
autodeterminação sem interferência externa"
Fonte:
Por Fernando Nogueira da Costa, em A Terra é Redonda/DW Brasil
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