quarta-feira, 2 de abril de 2025

Conflito de interesses no governo Trump

As ideias da extrema direita radical têm raízes em diversas correntes históricas e filosóficas. Ao longo do tempo, deram forma a visões autoritárias, nacionalistas e excludentes. Suas origens podem ser agrupadas em cinco eixos principais.

(i) O nacionalismo radical tem raízes no romantismo do século XIX. Exaltava a nação como uma entidade orgânica, ligada à cultura, à língua e, em algumas versões, à raça. Ideias de supremacia nacional são reforçadas em períodos de crise, quando grupos extremistas culparam estrangeiros e minorias por problemas internos.

(ii) A extrema direita radical se opõe à democracia liberal, vendo-a como fraca e decadente. No passado, defendia a monarquia e a autoridade religiosa contra os ideais iluministas. No século XX, regimes como o fascismo e o nazismo rejeitaram o individualismo liberal, promovendo um Estado autoritário e centralizador.

(iii) A crença em uma liderança forte e carismática, capaz de representar “a vontade do povo” sem necessidade de eleição democrática, remonta a tradições autocráticas antigas. O fascismo de Benito Mussolini e o nazismo de Adolf Hitler levaram essa ideia ao extremo, defendendo um Estado totalitário no qual todas as esferas da sociedade eram subordinadas ao poder do líder.

(iv) Durante a Guerra Fria, ditaduras de extrema direita aproveitaram-se do “anticomunismo” para repressões e golpes militares deliberados como o ocorrido no Brasil. A extrema direita radical passou a ver o socialismo, o marxismo e até o liberalismo cosmopolita como ameaças à “ordem natural”. No mundo contemporâneo, o antiglobalismo surge como novo pilar, alegando as instituições internacionais e elites globais conspirarem contra os interesses nacionais.

(V) Muitas correntes extremistas baseiam-se em interpretações conservadoras de valores religiosos e morais, opondo-se aos direitos civis de minorias e ao feminismo. Esse aspecto tem raízes em movimentos reacionários contra mudanças sociais, como a Revolução Francesa e os direitos civis do século XX.

As ideias da extrema direita radical não surgem de uma única fonte, mas de uma combinação de nacionalismo extremo, autoritarismo, conservadorismo social e exclusão ao liberalismo democrático. Em tempos de crise econômica e social, esses elementos são mobilizados para políticas excludentes, repressivas e antidemocráticas.

As ideologias da supremacia branca, do nativismo e do natalismo anti-woke são pilares da extrema direita norte-americana e têm sido disseminadas globalmente por seus adeptos. Eles se agrupam em um núcleo comum de nacionalismo excludente, conservadorismo moral e exclusão da diversidade, influenciando grupos extremistas em diferentes países.

A ideia de os brancos serem superiores tem raízes nos EUA desde a escravidão e foi reforçada por grupos como a Ku Klux Klan e, mais recentemente, por movimentos como os alt-right e os nacionalistas identitários. Essa ideologia se baseia no medo da “substituição étnica”, um preconceito promovido por ideólogos da extrema direita ao alegarem as elites globalistas estarem promovendo a imigração e a miscigenação para diluir as populações brancas.

O nativismo é a defesa de apenas os “nativos” de uma nação (definidos por “raça” e cultura) terem direitos plenos, enquanto imigrantes e minorias são vistos como ameaças. Nos EUA, essa ideia se intensificou com políticas anti-imigração e retórica contra latinos, muçulmanos e outras minorias, promovidas por políticos e influenciadores de extrema direita. Essa ideologia foi exportada para a Europa, onde partidos de extrema direita usam o medo da imigração para mobilizar uma massa de manobra contra muçulmanos e africanos.

O “natalismo” de extrema direita prega as famílias brancas e cristãs terem mais filhos para combater a suposta “ameaça demográfica” de imigrantes e minorias. O discurso anti-woke rejeita a igualdade de gênero, o feminismo e os direitos LGBTQ+, alegando eles estarem enfraquecendo a sociedade e reduzindo as taxas de natalidade dos “nativos”.

Essas ideologias se espalharam por meio de redes sociais, think tanks e movimentos internacionais de extrema direita. Criaram uma identidade transnacional baseada em valores ultraconservadores. Eventos como a Conferência de Ação Política Conservadora (CPAC) ajudam a unificar esses grupos globalmente, influenciando partidos e movimentos extremistas na Europa, América Latina e até na Ásia.

A extrema direita norte-americana tem um impacto global, difundindo ideias de supremacia racial, protecionismo cultural e conservadorismo social para fortalecer sua visão de mundo. Aproveitando-se dos ressentimentos alimentados e das tensões sociais, esses movimentos ameaçam valores democráticos e promovem divisões profundas dentro das sociedades.

Dani Rodrik alerta para um confronto iminente no mundo de Trump. “Embora Donald Trump tenha chegado ao poder surfando um tsunami de hostilidade pública contra as ‘elites’, seus apoiadores são, eles mesmos, membros proeminentes do establishment e da plutocracia”.

Como ocorreu durante seu primeiro mandato, Donald Trump – um empresário rico, aético e celebridade da TV – cercou-se de uma mistura de políticos republicanos convencionais, financiadores de Wall Street e nacionalistas econômicos. Mas desta vez esses grupos foram acompanhados por membros da tecno-direita, representados de forma mais gritante por Elon Musk, a pessoa mais rica do mundo.

A crença de suas agendas específicas serem mais bem servidas sob Donald Trump une esses grupos. Evidentemente, não é o duvidoso caráter dele: (a) os republicanos conservadores querem impostos baixos e menos regulamentação; (b) os nacionalistas econômicos querem fechar o déficit comercial e restaurar a manufatura dos Estados Unidos; (c) os absolutistas da liberdade de expressão, para propagação de seu credo contra a democracia liberal, querem acabar com o que veem como “censura woke”; (d) a tecno-direita quer ter carta branca para implementar sua própria visão do futuro.

Dani Rodrik aposta o resultado ainda mais provável é essas agendas concorrentes logo entrarem em conflito, fazendo a coalizão de Donald Trump implodir. As linhas de conflito mais agudas estão entre os nacionalistas econômicos e a tecno-direita.

Os nacionalistas econômicos querem retornar a um passado mítico marcado pelo esplendor industrial americano, enquanto o campo tecnológico imagina um futuro utópico administrado pela inteligência artificial. Um é populista, o outro elitista.

“Um cultiva o populismo, o outro apenas a tecnologia. Um quer parar a imigração em geral, o outro acolhe novos talentos. Um é paroquial, o outro essencialmente globalista. Um quer desmembrar o Vale do Silício, o outro quer emponderá-lo. Um acredita em taxar os ricos, e o outro em alimentar os ricos”.

Steve Bannon, uma voz de destaque entre os nacionalistas econômicos, chama Musk de “imigrante ilegal parasitário”. Embora Bannon não esteja atualmente no governo de Donald Trump, ele é uma figura importante no movimento MAGA (“Make America Great Again”) e mantém laços estreitos com muitos funcionários de alto escalão da administração. Elon Musk agora domina o ouvido de Trump.

É típico de líderes personalistas, como Donald Trump, colocar cortesãos uns contra os outros para nenhum acumular muito poder. Ele acredita poder permanecer no topo e aproveitar os conflitos para seu próprio benefício.

Independentemente do provável racha, para Dani Rodrik, “a tragédia é os eleitores menos educados da classe trabalhadora terem se juntado à mensagem antielitista de Donald Trump e continuarão sendo os perdedores. Nenhum dos braços da coalizão de Donald Trump oferece uma visão convincente para eles”.

As aspirações dos nacionalistas econômicos dependem de um renascimento irrealista nos empregos de manufatura. A agenda política urgente seria criar uma economia de classe média em uma sociedade pós-industrial. No entanto, as diferentes elites da direita lutam por suas próprias versões dos Estados Unidos, isto é, favoráveis ao seus negócios particulares.

Afinal, Donald Trump ao se candidatar usou sua marca pessoal como celebridade televisa (após o término do programa de TV O Aprendiz) para recuperar sua situação financeira de endividado por alavancagem financeira com dinheiro de outros, muitos caloteados. Como presidente, ele aproveitou sua posição para beneficiar suas empresas, algo amplamente documentado.

¨      Vice de Trump decide viajar à Groelândia – sem ser convidado

A viagem de representantes de alto escalão dos Estados Unidos à Groenlândia vem sendo criticada há dias. Agora, a agenda da delegação foi reduzida – o que acalmou um pouco os ânimos, pelo menos do lado dinamarquês. Em vez de locais históricos e uma corrida de trenós puxados por cães, o programa vai consistir apenas em uma visita a uma base militar dos EUA.

O ministro das Relações Exteriores da Dinamarca, Lars Lökke Rasmussen, disse à estação de rádio DR na quarta-feira (26/03) que via de forma "muito positiva" a mudança de planos da delegação americana para sua estadia na ilha. Segundo o dinamarquês, seu governo "não tem objeções" à visita à base militar. Anteriormente, a primeira-ministra dinamarquesa, Mette Frederiksen, havia falado em uma "pressão inaceitável" dos EUA.

<><> Viagem acompanhada de delegação – mas de natureza "puramente privada"

Em um vídeo divulgado na terça-feira, o vice-presidente dos EUA, J.D. Vance, anunciou que pretende acompanhar sua esposa Usha numa visita à ilha, um território semiautônomo da Dinamarca. "Houve muita empolgação em torno da nossa visita à Groenlândia nesta sexta-feira, então decidi que não quero que ela se divirta sozinha", anunciou o vice do presidente Donald Trump em um vídeo na plataforma X. Na Base Espacial de Pituffik, ele "receberá um briefing sobre questões de segurança no Ártico e se reunirá com soldados americanos".

Originalmente, a Casa Branca havia anunciado que Usha Vance visitaria o território autônomo dinamarquês de quinta a sábado ao lado do filho do casal – mas sem o marido – e acompanhada de uma delegação dos EUA. Segundo a imprensa americana, também deverão fazer parte da delegação o conselheiro de Segurança Nacional de Trump, Mike Waltz, e o Secretário de Energia, Chris Wright – embora a visita tenha sido novamente declarada como puramente privada.

<><> O que os EUA querem da Groenlândia?

Esta já é a segunda viagem de uma delegação dos EUA à Groenlândia desde o início do segundo mandato de Donald Trump. No início de janeiro, seu filho Donald Jr. já havia viajado para a capital da Groenlândia, Nuuk, por um dia, no que também foi motivo de polêmica.

Trump está de olho na Groenlândia há muito tempo. Já em 2019, durante seu primeiro mandato, ele havia declarado sua intenção de comprar a ilha – algo que já naquela época os groenlandeses rejeitaram com indignação.

Agora, em seu segundo mandato, ele voltou a reivindicar o controle da ilha e sua intenção de torná-la parte dos Estados Unidos. Como justificativa, Trump alega sobretudo razões de segurança. Groenlândia e Dinamarca, por sua vez, rejeitam veementemente a anexação.

A ideia de uma tomada da Groenlândia pelos EUA não é nova: após a Segunda Guerra Mundial, o presidente democrata dos EUA, Harry S. Truman, também já havia feito uma oferta secreta de compra à Dinamarca por US$ 100 milhões em ouro – que foi igualmente rejeitada.

<><> Grande importância geopolítica

Para os americanos, a maior ilha do mundo tem, de fato, grande importância geoestratégica. Os EUA fazem fronteira com o Ártico através do estado do Alasca e operam uma base da Força Aérea no noroeste da Groenlândia desde 1951. A base é uma parte importante do sistema americano de alerta precoce para possíveis ataques de mísseis balísticos intercontinentais.

De acordo com a revista militar austríaca Militär Aktuell, a pista da base de Pituffik é usada para mais de 3 mil voos anuais dos EUA e de outros países. A base é a instalação mais ao norte do Pentágono e abriga o porto de águas profundas mais ao norte do mundo.

Outro fator importante são as rápidas mudanças climáticas no Ártico: com o derretimento do gelo, abrem-se novas rotas de navegação que antes ficavam bloqueadas na maior parte do ano ou até mesmo o ano inteiro. Segundo as previsões, a calota de gelo do Ártico deverá sofrer um recuo considerável durante os meses de verão entre 2030 e 2040. Isso pode levar ao estabelecimento de três novas rotas de navegação para a viagem do Pacífico ao Atlântico – significativamente mais curtas do que as rotas anteriores.

<><> Matérias-primas sob o gelo

Uma dessas rotas, a chamada Passagem do Nordeste, perto do território russo, já está sendo expandida pela China e pela Rússia como uma rota comercial e marítima para o transporte de matérias-primas.

Assim como já discutido no caso da Ucrânia, os EUA também visam à extração de terras raras e outras matérias-primas no Ártico, necessárias para a produção de aparelhos elétricos: a região autônoma é rica em metais, diamantes, carvão e urânio.

Em uma entrevista à emissora de TV alemã NTV, o professor de ciência política de Colônia, Thomas Jäger, mencionou outro possível motivo por trás das intenções do líder americano. "É de se supor que Trump queira seguir a tradição de presidentes que expandiram fortemente seu território — no século 19, quando os Estados Unidos avançaram para o oeste e depois compraram o Alasca". Segundo Jäger, isso seria algo que, na própria visão de Trump, "faria dele um grande presidente".

<><> O que dizem os groenlandeses?

Muitos groenlandeses, porém, não querem se deixar enganar e vêm protestando contra as políticas de Trump há algum tempo. Dias atrás, o premiê groenlandês, Mute Egede, que está prestes a deixar o cargo, descreveu a visita da delegação como uma "provocação". Já Jens-Frederik Nielsen, líder do partido democrata – que venceu as últimas eleições parlamentares –, falou em "falta de respeito".

Embora o programa da visita da delegação americana tenha mudado, muitos ainda estão irritados com a visita, disse o jornalista groenlandês Masaana Egede à emissora DR. "Acho que muitas pessoas ainda veem isso como uma provocação."

As eleições parlamentares de 11 de março na Groelândia também foram influenciadas pelas declarações do novo presidente dos EUA – e foram, portanto, inclusive antecipadas. O partido do primeiro-ministro Egede e seus parceiros de coalizão sofreram perdas significativas, deixando a vitória para o partido de centro-direita Demokraatit.

O resultado da eleição é visto sobretudo como um sinal de que a maioria dos groenlandeses quer a independência da Dinamarca. Desde 1979, a Groenlândia goza de autonomia em muitas áreas, mas ainda cabe à antiga potência colonial decidir sobre questões de política externa e defesa. Além do mais, violações dos direitos humanos cometidas contra os inuítes no passado também fazem com que muitos groenlandeses queiram se separar em definitivo da Dinamarca.

Resta saber, no entanto, se uma Groenlândia independente conseguiria sobreviver economicamente: todos os anos, Copenhague transfere o equivalente a cerca de 550 milhões de euros para a ilha — cerca de um terço de seu orçamento.

Apesar das dificuldades, tornar-se parte dos EUA tem o apoio de poucos. De acordo com uma pesquisa realizada pelo jornal dinamarquês Berlingske e pelo periódico groenlandês Sermitsiaq no final de janeiro, 85% dos groenlandeses rejeitaram a tomada de sua ilha pelos EUA. A deputada da Groenlândia no parlamento dinamarquês, Aaja Chemnitz, também criticou nas redes sociais: "Está claro que o campo de Trump não respeita nosso direito à autodeterminação sem interferência externa"

 

Fonte: Por Fernando Nogueira da Costa, em A Terra é Redonda/DW Brasil

 

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