Estatal do PT da Bahia defende
mineradora inglesa em conflito com quilombolas
LIDERANÇAS
QUILOMBOLAS da Chapada Diamantina, na Bahia, acusam a empresa estatal CBPM
(Companhia Baiana de Pesquisa Mineral) de atuar em favor dos interesses da
mineradora inglesa Brazil Iron em um conflito com comunidades da região.
Os
quilombolas denunciam os ingleses por danos ambientais nas Justiças do Brasil e
do Reino Unido. Há duas semanas, a corte estrangeira
decidiu dar seguimento à ação movida na Europa.
“Não é
só a empresa que nos ameaça. Agora, é também o Estado”, afirma Catarina
Oliveira da Silva, presidente da associação de moradores da Bocaina, em Piatã
(BA), onde as operações da
mineradora fizeram as paredes das casas racharem por causa das explosões da
mina e a água de uma nascente ser contaminada. “A CBPM virou a garota de recado da
Brazil Iron”, diz a quilombola.
Em
agosto de 2024, a CBPM e a Brazil Iron firmaram um acordo por meio do qual a
estatal baiana assumiu a responsabilidade de intermediar o diálogo entre a
mineradora e a sociedade civil, o que inclui as comunidades quilombolas. A
parceria, cujo objetivo declarado é viabilizar um projeto de quase R$ 30
bilhões da empresa inglesa, prevê também uma consultoria em questões
burocráticas.
Os
resultados dessa colaboração têm aparecido desde então. Em fevereiro deste ano,
o governo estadual enviou um emissário à comunidade da Bocaina: o
tenente-coronel da Polícia Militar da Bahia, Paulo Cezar Cabral, que ocupa o
cargo de mediador de conflitos na gestão do governador Jerônimo Rodrigues
(PT).
Segundo
os moradores, durante reunião no pátio da escola da comunidade, o oficial
questionou a legalidade do reconhecimento do território como quilombola e se
posicionou em defesa dos interesses da mineradora. Vinte dias antes, Cabral
havia treinado técnicos da CBPM sobre “interação social e mediação”, a pedido
do próprio governador, conforme a estatal.
O
próprio presidente da CBPM, Henrique Carballal, é testemunha da Brazil Iron na
ação na Justiça do Reino Unido. Em carta ao tribunal inglês, ele buscou
dissuadir os juízes do caso a aceitar a jurisdição. “Isso poderia desencorajar
o investimento estrangeiro na Bahia”, escreveu, segundo resumo da ação publicado pela
corte inglesa.
Na
carta, Carballal, condenado na semana
passada pela prática de “rachadinha” quando era vereador de Salvador, disse ainda que um
juiz inglês não pode decidir sobre a titulação de terras brasileiras, que o
judiciário brasileiro é “perfeitamente capaz de oferecer uma solução” e que a
“soberania do Estado da Bahia e do Brasil está em risco”.
Em
dezembro de 2024, a CBPM enviou um ofício ao Itamaraty solicitando apoio
diplomático à mineradora inglesa no litígio com os quilombolas, revelou a revista Piauí. No documento, a
estatal alegava que a ação internacional era uma afronta à soberania
brasileira. O Itamaraty não atendeu ao pedido sob a justificativa de não ser
atribuição da pasta intervir em disputas privadas no exterior.
O
ofício foi assinado por Carlos Borel Neto, presidente interino da companhia na
época, pois Carballal estava afastado para coordenar a campanha mal-sucedida do
vice-governador Geraldo Júnior (PMDB) à Prefeitura de Salvador.
Em
fevereiro de 2025, de volta ao comando da estatal, Carballal viajou à Alemanha
com representantes da Brazil Iron. A comitiva visitou a sede da RWE, empresa
alemã de energia renovável, para conhecer tecnologias de mineração sustentável
que, segundo os envolvidos, serão aplicadas nos novos projetos na Bahia. A agenda incluiu também uma
passagem por Londres,
para encontro com a diretoria da mineradora.
- Justiça inglesa proibiu contato da
Brazil Iron com quilombolas
A
atuação da CBPM como intermediadora do diálogo entre a Brazil Iron e as
comunidades é vista pelos quilombolas como uma forma de driblar uma
determinação da Justiça inglesa. Em outubro de 2023, a Alta Corte de Justiça do
país atendeu a um pedido de liminar feito por 103 quilombolas e proibiu
representantes da mineradora de manterem contato com os moradores.
A
decisão foi tomada após relatos de intimidação e pressão que passaram a
acontecer especialmente depois que os quilombolas ingressaram com o processo
judicial no Reino Unido contra a empresa inglesa, por danos ambientais. A
mineradora nega qualquer irregularidade e questiona a legitimidade da corte
estrangeira para julgar o caso.
“É
preocupante que uma questão envolvendo brasileiros, sobre um empreendimento
localizado em território nacional, contra uma empresa regularmente instalada e
registrada no Brasil, seja julgada por um tribunal inglês“, afirma a Brazil
Iron, que vai recorrer da decisão da Justiça
inglesa de dar seguimento à ação (leia íntegra da
resposta).
Na
nota, a mineradora diz também que a afirmação de que esteja usando a estatal
baiana para driblar uma decisão judicial é uma “alegação infundada”. “É
coerente e corriqueiro que o governo do estado e a CBPM tenham interação com
quaisquer comunidades no entorno de empreendimentos desse tipo.”
A Repórter
Brasil procurou a CBPM e o governo da Bahia para responder às denúncias de
que a estatal estaria atuando em favor da mineradora. Em sua resposta, a
estatal não respondeu os questionamentos e os classificou como “tendenciosos” e
“pautados por interesses escusos”.
A
reportagem também solicitou esclarecimentos sobre a atuação de Carballal e o
ofício enviado pela CBPM ao Itamaraty, mas nem a estatal nem o governo baiano
se manifestaram. O questionamento sobre a fala do tenente-coronel Paulo Cezar
Cabral aos quilombolas também ficou sem resposta.
- Estado apoia mineradora em
empreendimento bilionário
A
Brazil Iron mantém projetos de extração de minério de ferro e infraestrutura
pesada na Chapada Diamantina. O novo projeto, que inclui a parceria com a CBPM,
promete explorar minério de ferro “verde” e investimentos de quase R$ 30
bilhões. O plano inclui a construção de uma mina, um ramal ferroviário e
unidades siderúrgicas para produção. A previsão é gerar 55 mil empregos diretos
e indiretos.
O
presidente da CBPM descreveu a parceria com a Brazil Iron, que busca viabilizar
o empreendimento, como “uma mudança de
filosofia”
da estatal: deixaria de atuar apenas na pesquisa mineral para também apoiar a
produção e o desenvolvimento regional.
“As
mesmas técnicas e condições que estão sendo aplicadas aqui [na Alemanha] serão
implementadas no projeto que a Brazil Iron vai desenvolver na Bahia, entre
elas, máquinas que, além de operarem na mineração, são capazes de recompor o
solo, promovendo a recuperação ambiental e o reflorestamento das áreas
exploradas”, escreveu Carballal em uma postagem feita da
Alemanha em fevereiro deste ano.
Antes
de assumir a CBPM, em junho de 2023, Carballal foi eleito vereador três vezes
em Salvador pelo PT, PV e pelo PDT, quando foi líder do governo de Antônio
Carlos Magalhães Neto na Câmara Municipal. Ele foi citado em delações da
Odebrecht como
destinatário de recursos não declarados na campanha eleitoral de 2010.
Na
sexta-feira (21), Carballal foi condenado a três anos e nove meses de
prisão pela prática de “rachadinha”, em decisão proferida pela juíza Virgínia
Silveira Wanderley dos Santos Vieira.
Ele foi
denunciado pelo Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime
Organizado) do Ministério Público da Bahia, em março de 2013, por ter se
apropriado, total ou parcialmente, dos vencimentos de seus 19 assessores entre
2009 e 2010, durante o mandato de vereador. Em sua defesa, Carballal alegou que
a denúncia carecia de provas e que não recebeu repasses ilícitos.
- Alinhamento entre mineradora e Estado
prejudica comunidade
A
promessa de explorar minério de ferro “verde” e de gerar empregos, no entanto,
contrasta com os sentimentos de desconfiança e medo que dominam as comunidades
quilombolas de Bocaina e Mocó, em Piatã.
Para
Vanusia Santos, moradora da comunidade da Bocaina, a relação entre o Estado e
os grandes empreendimentos, como o realizado pela Brazil Iron, privilegia os
interesses das empresas. “O que a gente está vendo aqui é um grande incentivo
[estatal] direcionado às demandas da mineração, enquanto as necessidades
básicas das comunidades tradicionais continuam sem resposta. As vozes das
comunidades locais, que há gerações preservam suas culturas e modos de vida,
são muitas vezes ignoradas”, protesta.
A
tensão entre a mineradora e os quilombolas não é recente. Desde o início das
operações, moradores denunciam
impactos da exploração mineral: além da poeira que cobre os telhados e
invade os pulmões, há relatos de nascentes destruídas, contaminação do solo e
assoreamento do rio Bebedouro. Um estudo da UFBA (Universidade Federal da
Bahia), realizado em 2020, apontou a presença de metais pesados como chumbo,
manganês e fósforo nas amostras de água do rio.
A Repórter
Brasil esteve na comunidade em 2022 e relatou a circulação intensa de
caminhões e explosões próximas às casas. Durante a fase de pesquisa, a
movimentação de terra feita pela Brazil Iron teria assoreado uma nascente,
segundo os moradores.
“Eles
[Brazil Iron] começaram a degradar em cima do morro e o rejeito de minério foi
descendo para a nascente”, detalha a líder quilombola Catarina Silva. Ela
acompanhou a reportagem até o local para mostrar os efeitos do assoreamento
provocado pela mineração, como retrata o vídeo a seguir.
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Além da
nascente, os quilombolas relataram outros impactos ocorridos ao longo dos anos
de perfurações e detonações realizadas pela empresa inglesa. As comunidades
reclamaram do barulho das explosões com dinamite, das rachaduras nas casas e da
poeira excessiva gerada pelo tráfego de caminhões — fator associado a problemas
respiratórios.
Na
ocasião, o gerente de logística da Brazil Iron chamou a polícia para a equipe
da Repórter Brasil e tentou apreender os equipamentos de gravação.
Dias depois, o Inema (Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos da Bahia)
constatou ao menos 15 irregularidades na operação da mineradora e interditou
suas atividades por tempo indeterminado. Entre os problemas identificados,
estavam o assoreamento da nascente e a ausência de um plano de recuperação para
as moradias danificadas.
Em
paralelo ao processo no Reino Unido, a DPU (Defensoria Pública da União)
ajuizou uma ação civil pública no Brasil contra a Brazil Iron e a Agência
Nacional de Mineração, solicitando R$ 5 milhões em indenizações pelos danos
causados às comunidades. A empresa, que se apresenta como líder em “mineração
verde”, nega todas as acusações e afirma atuar dentro da legalidade ambiental.
Recentemente,
a expansão da mineradora britânica na Bahia teve novo desdobramento, quando a
Brazil Iron fez uma oferta de US$ 1 bilhão pela Bahia Mineração (Bamin),
empresa controlada pelo grupo cazaque Eurasian Resources Group (ERG), segundo
a agência Bloomberg.
A Bamin
controla a mina Pedra de Ferro em Caetité, além de ativos estratégicos como o
Porto Sul e um trecho da Ferrovia de Integração Oeste-Leste (Fiol). A Brazil
Iron assinou um acordo de confidencialidade com a ERG, enquanto Vale e governo
federal também demonstraram interesse nos ativos.
>>>>
Posicionamentos enviados para reportagem sobre parceria entre CBPM e Brazil
Iron
Veja as
notas enviadas por Brazil Iron e CBPM:
- Brazil Iron
O
Projeto Ferro Verde da Brazil Iron, com investimentos de US$ 5 bilhões, tem o
potencial de posicionar a Bahia como líder global na produção de ferro verde e
na descarbonização da indústria siderúrgica.
A
Companhia Baiana de Pesquisa Mineral (CBPM), órgão oficial do Estado, acompanha
as atividades de todos os projetos minerais na Bahia. Portanto, é coerente e
corriqueiro que o Governo do Estado e a CBPM tenham interação com quaisquer
comunidades no entorno de empreendimentos desse tipo.
A
relação entre a empresa e o Estado da Bahia, via CBPM, tem como objetivo
assegurar que os direitos das populações da região sejam respeitados e que eles
recebam toda a assistência necessária durante a implementação e desenvolvimento
do empreendimento.
Afirmar
que a Brazil Iron está usando quaisquer dessas instituições para “driblar” uma
decisão judicial é uma alegação infundada.
A
empresa nega ter causado danos às comunidades e reafirma seu compromisso com a
saúde e o bem-estar da população. Para demonstrar essa responsabilidade,
disponibilizou equipes médicas e tratamento integral gratuito para qualquer
pessoa que alegasse ter problemas de saúde decorrentes das atividades no local.
Essa medida proativa reforça a confiança na lisura e nas boas práticas de suas
operações.
Vale
ressaltar que nenhum dos problemas de saúde apontados pelos advogados ingleses
foi comprovado pelos exames realizados. A companhia reafirma que está aberta e
disponível para dialogar com a comunidade.
<><>
Decisão da Justiça Inglesa
A
Brazil Iron reitera sua convicção de que a jurisdição brasileira é legítima e
adequada para avaliar a questão em sua totalidade. A empresa irá recorrer da
decisão proferida pela corte inglesa, que inclusive vetou o diálogo entre as
partes.
Em sua
avaliação, o juiz do caso reconhece o risco de decisões conflitantes com os
processos em andamento no Brasil, afirmando: ‘como as questões centrais do caso
(operação da mina, regulamentação e impacto ambiental) estão diretamente
ligadas ao Brasil, a maioria das evidências relevantes estará lá. Isso
fortalece o argumento de que o caso deveria ser julgado no Brasil.’
O
sistema jurídico brasileiro tem plena competência para analisar e julgar este
caso, com um ordenamento jurídico robusto para questões de responsabilidade
ambiental. As instituições brasileiras, incluindo o Poder Judiciário, o
Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a Defensoria Pública, o Ministério Público
e outros órgãos de proteção, detêm as ferramentas necessárias para assegurar a
aplicação da lei.
- CBPM
É
preocupante que uma questão envolvendo brasileiros, sobre um empreendimento
localizado em território nacional, contra uma empresa regularmente instalada e
registrada no Brasil, seja julgada por um tribunal inglês.
A
Assessoria de Comunicação da Companhia Baiana de Pesquisa Mineral (CBPM)
recebe, com perplexidade, os seus questionamentos, sobretudo em razão do viés
tendencioso evidente na sua formulação. As expressões utilizadas e o juízo de
valor embutido nas colocações feitas demonstram não uma busca genuína por
informação, mas sim a tentativa de direcionar a narrativa de maneira
mal-intencionada.
Não se
trata de uma apuração legítima, mas sim de um exemplo clássico de jornalismo
tendencioso, pautado por interesses escusos. É possível notar que os
questionamentos apresentados têm motivação pessoal, utilizando-se de um suposto
relato da comunidade apenas para conferir legitimidade à abordagem
adotada.
Diante
desse cenário, a Assessoria de Comunicação da CBPM reconhece seu comportamento
como uma prática que fere os princípios básicos da ética jornalística e
compromete a credibilidade da informação, portanto, não compactuará com essa
iniciativa. No entanto, caso haja interesse de uma apuração séria e
comprometida com a verdade, alheia a opiniões pessoais e insinuações ou
distorções, esta Assessoria de Comunicação permanece à disposição para fornecer
informações baseadas em fatos.
Por
fim, faz-se importante reiterar que todas as informações referentes aos
contratos que envolvem a CBPM, assim como as informações referentes a todas as
despesas da empresa, inclusive, a respeito de viagens do presidente ou de
qualquer funcionário em missão oficial, são públicas e podem ser acessadas por
meio dos canais oficiais da companhia, garantindo total transparência e
conformidade com as normas legais.
Fonte:
Repórter Brasil
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