terça-feira, 3 de setembro de 2024

Ribeirinhos vivem com menos de 50 litros de água por dia durante seca em RO

Às margens de um dos maiores rios do Brasil — o Madeira — famílias ribeirinhas vivem com menos de 50 litros de água por dia em razão da seca histórica e a estiagem extrema que atinge Rondônia. A quantidade é menos da metade dos 110 litros por dia considerados pela Organização das Nações Unidas (ONU) como necessários para suprir as necessidades básicas de uma pessoa.

“Hoje mesmo foi um dia que ninguém pegou água aqui. A gente tá com a água que veio ontem ainda. Ontem veio um pouco de água e a gente guardou, porque tem dias que não vem”, disse o ribeirinho Raimundo Souza, morador do distrito de São Carlos.

Neste sábado (31), a média observada no Madeira foi de 1,26 metro, quando deveria estar em 4,28 metros, ou seja: o rio está mais de dois metros abaixo do que era esperado.

O nível do Madeira é monitorado desde 1967. Nesses quase 60 anos, nunca houve uma seca tão severa, sobretudo nos meses de julho e agosto. Historicamente, o nível do rio deveria chegar a níveis baixos somente nos meses de setembro e outubro.

A falta d'água afeta diretamente a população. Em São Carlos, para atender ao menos as necessidades básicas, os moradores da comunidade precisam adotar medidas extremas, como fazer buracos no chão para extrair água.

“Às vezes a gente precisa abrir um buraco para apanhar um pouquinho de água pra poder lavar uma louça, tomar um banho. E é contado, a situação pra nós tá difícil”, revela Raimundo.

Na comunidade Maravilha 2, zona rural de Porto Velho, famílias estão racionando água. Nesse período de seca extrema, o "cacimbão" (o poço que abastece as casas), está quase seco. Antes, ele marcava um nível constante de aproximadamente meio metro, hoje os moradores contam com apenas 10 centímetros ou menos.

“Tem 40 anos que a gente mora aqui, nunca tinha secado desse jeito, esse ano é que secou assim. A gente pega um pouquinho, depois pega outro, porque se pegar de uma vez vai secando”, revelou Antônio Nogueira, morador da comunidade.

Outra dificuldade apresentada pela comunidade do Maravilha 2, é a baixa qualidade da água. Ao armazenar as garrafas, os moradores precisam coar a água com uma toalha.

“Eu tenho medo de ficar bebendo essa água. Eu peguei uma infecção de urina que até hoje eu não fiquei boa”, disse Liete Torres, moradora da comunidade.

Para auxiliar no tratamento da água consumida por ribeirinhos e moradores da zona rural, já que eles não têm acesso à água encanada, a Defesa Civil Municipal de Porto Velho distribui kits de hipoclorito de sódio, uma substância que "limpa" a água que agora está sendo consumida pela população.

Um Igarapé localizado na comunidade ribeirinha Maravilha secou, causando a morte de dezenas de peixes e dificultando o acesso à água para os moradores da região.

Atualmente, existem 52 comunidades ribeirinhas em Porto Velho, às margens do rio Madeira. São quase 1,5 mil quilômetros de extensão em água doce. Ainda assim, os ribeirinhos não possuem acesso à água tratada e encanada.

Segundo a Defesa Civil, os ribeirinhos são os mais afetados pela seca em Porto Velho. As comunidades são divididas em três regiões: Alto, Médio e Baixo Madeira.

<><> Menores níveis da história

Segundo dados do Sistema Integrado de Monitoramento e Alerta Hidrometeorológica do Centro Gestor e Operacional do Sistema de Proteção da Amazônia (Censipam), em agosto o Rio Madeira bateu uma sequências de mínimas históricas, mais especificamente desde o dia 24 até o dia 31.

A situação foi semelhante no mês anterior: recordes de seca para o período, com níveis mínimos históricos. No último dia 31 de julho a água baixou a 2,45 metros, o nível mais baixo já registrado no mês desde que o monitoramento passou a ser feito pelo Serviço Geológico do Brasil (SGB)

Na maior parte do ano o rio se manteve abaixo da zona de normalidade e por várias vezes ultrapassou as mínimas já observadas historicamente.

O Madeira abriga duas das maiores usinas hidrelétricas do Brasil: Jirau e Santo Antônio, que representam cerca de 7% da capacidade de geração do sistema elétrico brasileiro. As duas fazem parte do Sistema Interligado Nacional (SIN) e geram energia para todo país.

A ANA já admitiu a possibilidade de paralisação da hidrelétrica de Santo Antônio por causa da seca. O risco se deve ao funcionamento da usina, em formato de “fio d’água”, que não armazena muita água em seu reservatório e depende do fluxo do rio para manter as turbinas em funcionamento.

 

•                                         Seca histórica no alto Solimões afeta agricultura, pesca e encarece transporte fluvial em cidade do AM

Agricultores, pescadores e a população que depende do transporte fluvial em Tabatinga, no interior do Amazonas, estão enfrentando uma crise. Na sexta-feira (30), a o alto Rio Solimões alcançou um o nível mais baixo já registrado na história. No sábado (31), o nível caiu ainda mais, chegando a -1,4 metro, dez centímetros abaixo da medição do dia anterior, conforme dados da estação de monitoramento da Agência Nacional de Águas.

A régua de medição é monitorada diariamente pelo Serviço Geológico Brasileiro (SGB) desde o fim da década de 70. O número está atualmente negativo, ou seja, abaixo da régua de medição. Os dados apontam que esta é a maior seca, pelo menos, dos últimos 40 anos na região.

Conforme a Defesa Civil, a estiagem antecipada já afeta 309.776 pessoas em todo o Amazonas, que também enfrenta os impactos das queimadas. No último dia 28, o governo estadual ampliou um decreto situação de emergência para todos os 62 municípios do estado (antes, apenas 20 estavam em emergência).

Com a falta de chuvas e o nível cada vez mais baixo de rios, lagos e igarapés, a agricultora Maria Lenise, que vive em Tabatinga, teme pelo futuro de suas plantações. Ela precisa vender o que ainda resta antes que tudo se perca.

"A vida na minha comunidade está difícil. Não chove há três meses e nossas plantações estão morrendo. Esta seca está acabando com a gente", lamentou.

De acordo com o SGB, com a previsão de chuvas abaixo do esperado para as próximas duas semanas, o cenário no Alto Solimões pode se agravar ainda mais.

O pescador Benedito Catique, que atua na região há 42 anos, afirma nunca ter visto uma seca tão severa como a deste ano.

"Nunca vi uma seca assim no nosso Amazonas. Está realmente seco. O rio está quase seco, os lagos estão secando, e temos que caminhar mais de 40 minutos para conseguir pescar", relatou.

O vice-presidente da associação de taxistas fluviais de Tabatinga, Aladino Ceita, anunciou um aumento no preço da passagem fluvial. Antes da seca, a travessia custava R$ 40, mas agora subiu para R$ 70, devido ao aumento da distância percorrida pelos barqueiros.

"Precisamos aumentar o preço porque estamos contornando uma ilha. Antes, gastávamos três latas de gasolina; agora, são sete latas e meia. Quando o nível do rio subir, voltaremos ao preço anterior", explicou.

Para atender as famílias afetadas, o governo estadual informou que instalou 25 purificadores de água, dos quais 10 foram destinados à calha do Alto Solimões, e também enviou 100 caixas d'água para melhorar o acesso à água potável na região.

<><> Seca histórica no Rio Solimões

No Amazonas, o Rio Solimões é dividido em três trechos, chamados "calhas":

•                                         Alto Solimões: A "porta de entrada" do rio no Brasil, onde foi registrada a menor cota já observada.

•                                         Médio Solimões: A região intermediária que o rio atravessa.

•                                         Baixo Solimões: A parte final do percurso do rio antes de chegar a Manaus.

A seca na parte alta do rio sugere que, nos próximos dias, as águas possam baixar gradativamente nas outras regiões.

Nas últimas 24 horas, o nível do rio caiu mais 10 centímetros. Na sexta-feira, a cota registrada foi de -0,94 metro, e neste sábado atingiu -1,4 metro na cidade de Tabatinga, na calha do Alto Solimões.

A estiagem é tão severa e fora do comum que o Serviço Geológico Brasileiro precisará ir ao local na próxima semana para instalar uma nova régua capaz de medir até -2 metros, algo inédito.

As duas piores marcas já registradas no Alto Solimões ocorreram ao final do processo de vazante dos rios:

•                                         2010: 11 de outubro, nível de -0,86 metro.

•                                         2023: 23 de outubro, nível de -0,76 metro.

A escassez de água está gerando sérias complicações para grande parte da população local e pode até isolar completamente alguns municípios, como Benjamin Constant e Atalaia do Norte.

Embora as duas cidades estejam conectadas por terra, elas dependem do Rio Solimões para receber remédios, alimentos e outros suprimentos. Segundo Ricelly Dacio, secretário-executivo de Defesa Civil de Benjamin Constant, esse caminho está prestes a secar completamente.

<><> Seca revela ruínas históricas da coroa portuguesa

A severa seca no Rio Solimões revelou um tesouro arqueológico do Amazonas: as ruínas do Forte São Francisco Xavier de Tabatinga. Situado na margem esquerda do rio, abaixo do terminal hidroviário da cidade, o forte, construído no século XVIII, foi crucial para a consolidação do domínio português na região durante a disputa territorial com a Espanha.

O forte, que desempenhou um papel estratégico na defesa contra as expedições espanholas, estava escondido no fundo do rio, mas agora, com o baixo nível das águas, as ruínas voltaram a aparecer.

O Rio Solimões é uma das principais bacias do Amazonas e banha 24 cidades do estado. Mais especificamente, o Alto Solimões abrange nove municípios que totalizam cerca de 260 mil moradores.

O Solimões nasce, na verdade, fora do Brasil, mais precisamente no Peru. Em território peruano recebe o nome de Rio Marañón, que é proveniente de uma geleira situada na Cordilheira dos Andes a mais de 1.600 metros de altitude. Por isso, o nível do rio depende diretamente das chuvas na região dos Andes e é afetado diretamente pelo derretimento atípico gerado pelas mudanças climáticas

Junto do rio Amazonas, forma a maior bacia hidrográfica do mundo. A bacia formada por todo o Amazonas, que compreende o rio Solimões, compreende uma área de mais de 7 milhões de km².

 

Fonte: g1

 

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