Como petroleiras gringas usaram um think
tank para apoiar a Lava Jato e tomar o pré-sal
Durante a
posse da nova presidente da Petrobras, Magda Chambriard, em junho, Luís
Inácio Lula da Silva quis enviar uma mensagem de que a época de ataques à estatal
petrolífera, com o objetivo de desregulamentação, havia acabado.
“Sob o falso argumento
de combater a corrupção, a Operação Lava Jato mira, na verdade, o desmonte, a
privatização da Petrobras… Estou de volta, como está de volta a Petrobras para
o povo brasileiro”, comentou o presidente brasileiro. Lula não está totalmente
certo nessa.
Embora Lula tenha
implementado muitas mudanças, incluindo a revelação do maior plano de gastos da
Petrobras desde 2015, um legado importante da Operação Lava Jato continua até
hoje: a permissão para que empresas estrangeiras assumam um papel de liderança
na exploração dos campos de petróleo do pré-sal na costa brasileira.
<><> O
Atlantic Council e as petroleiras estrangeiras que o financiam
A Petrobras ainda é
operadora na maioria dos contratos do pré-sal, mas, de acordo com uma lei de
2016, empresas petrolíferas internacionais podem liderar suas próprias
operações sem a participação da estatal petrolífera brasileira.
Por exemplo, durante
um leilão em dezembro de 2022, a BP Energy ganhou um contrato para explorar
petróleo no bloco Bumerangue, a 360 km do litoral do estado de São Paulo. Não
muito longe, no campo petrolífero de Bacalhau, as empresas ExxonMobil (EUA), Equinor
(Noruega) e Petrogal (Portugal) planejam iniciar operações este ano.
A Operação Lava Jato
pode ter terminado há três anos, mas os efeitos da desregulamentação e da
privatização que ela trouxe sobrevivem até hoje. No entanto, raramente se
discute o papel de um think tank americano nisso: o Atlantic
Council.
Foi durante um evento
do Atlantic Council em 2017 que o procurador-geral adjunto Kenneth Blanco, ao
lado do procurador brasileiro Rodrigo Janot, anunciou a colaboração
dos EUA na investigação anticorrupção.
Durante o ano
anterior, e talvez mais importante, o Atlantic Council foi uma das maiores
plataformas para capitalizar no caos e promover investimento estrangeiro no
Brasil — o que coincidentemente também ajudou os doadores do think tank.
Em 2016-2017, o Atlantic Council recebeu US$ 350.000 em
contribuições de Chevron, ExxonMobil, Shell e BP combinados.
Porém, esses conflitos
de interesse nunca foram mencionados em todos os artigos, palestras e painéis
do Atlantic Council promovendo essa onda de privatização, que foi uma bênção
para as empresas petrolíferas internacionais.
<><> O que
as petroleiras ganharam? A partilha do pré-sal
Desde 2007, quando
foram encontradas grandes reservas de petróleo na região do pré-sal no litoral
brasileiro, houve divergências no Brasil entre elementos neoliberais e
desenvolvimentistas sobre a melhor forma de explorar esses campos. As
dificuldades logísticas, principalmente pela localização das reservas abaixo de
uma camada de sal de 2 mil metros, também são um desafio significativo.
Em 2010, o governo
Lula anunciou que a Petrobras seria a principal operadora da camada pré-sal na
costa do Brasil, exigindo que a Petrobras tivesse pelo menos 30% de
participação na exploração. As empresas petrolíferas estrangeiras não ficaram
satisfeitas com o que consideraram políticas protecionistas.
Um documento publicado pelo
WikiLeaks revelou que o consulado americano no Rio de Janeiro havia enviado um
telegrama a Washington intitulado “Será que a indústria do petróleo pode
derrotar a lei do pré-sal?”
O telegrama detalhou
as reclamações de executivos de empresas como ExxonMobil, Chevron e Shell.
Patricia Pradal, chefe de relações governamentais da Chevron, foi citada no
telegrama tendo dito que “a indústria tem travado uma ‘dura batalha’ para
aprovar mudanças na legislação, mas a Câmara dos Deputados não levou em
consideração quaisquer preocupações da indústria”.
<><> O
Atlantic Council e a Lava Jato: agora, é preciso privatizar
Entra a Operação Lava
Jato em cena. A Petrobras rapidamente encontrou-se no centro do escândalo; em
poucos anos, a estatal petrolífera passou de segunda maior empresa das Américas
a sinônimo de corrupção, após a revelação de que funcionários da Petrobras
recebiam propinas em troca de contratos com diversas construtoras.
De acordo com o
professor de Economia Luiz Fernando de Paula e o pesquisador Rafael Moura, da
Universidade Federal do Rio de Janeiro, a Operação Lava Jato “completou a
‘tempestade perfeita’ que afetou a Petrobras ao imputar-lhe uma crise
reputacional que levou a ajustes na governança corporativa e menor margem de
manobra para novos projetos”.
Um relatório do
Atlantic Council escrito por Décio Oddone, então ex-CEO da Petrobras Energia,
vinculou as questões de corrupção da Petrobras à necessidade direta de
investimento estrangeiro: “As investigações de corrupção, muitas das quais se
concentram nas interações entre políticos e empreiteiros da Petrobras — a
chamada Operação Lava Jato —, investigaram os problemas da empresa estatal e de
seus principais fornecedores”.
Oddone continua: “A
dívida da Petrobras disparou. Consequentemente, a Petrobras foi forçada a
cortar investimentos e diminuir as previsões de produção… Isso representa um
enorme desafio para a Petrobras e para toda a indústria, mas também traz
grandes oportunidades para empresas que possam preencher o vazio deixado pela
contração da petrolífera estatal e de outras empresas tradicionais”.
Em particular, o
relatório — que foi produzido com a contribuição de vários funcionários do
Atlantic Council — afirma que o investimento estrangeiro é crucial para
explorar as grandes reservas de petróleo encontradas em 2007 na região do
pré-sal.
De acordo com a Lei
12.351/2010, a Petrobras tinha uma participação mínima de 30% em todas as
operações na região do pré-sal. Oddone escreveu que “o Brasil precisa liberar
seu potencial e aumentar a produção, abrindo a camada pré-sal para diferentes
operadores”.
Durante um painel em
julho de 2016, organizado pelo Atlantic Council e intitulado “Petróleo e Gás no
Brasil: uma nova fresta de esperança?”, Oddone criticou a decisão de conceder à
Petrobras a propriedade da camada pré-sal.
“A Petrobras sozinha
não foi capaz de manter o desenvolvimento da maneira que o desenvolvimento era
possível. Então, oportunidades foram perdidas… Se o pré-sal for aberto para
empresas estrangeiras, e também para empresas privadas brasileiras, podemos antecipar
que os investimentos fluirão muito mais rapidamente para o Brasil”, disse.
<><> O
impeachment de Dilma e a vitória do Atlantic Council
Na época do painel,
Dilma havia sido afastada de suas funções presidenciais, mas ainda não havia
sofrido impeachment. Jason Fargo, líder de análise de mercado energético para a
América Latina e outro palestrante no evento do Atlantic Council, estava otimista
sobre as condições de negócios caso Dilma fosse destituída do cargo:
“Com a expectativa de
que Dilma seja oficialmente destituída do cargo em algum momento de agosto,
acho que isso daria às empresas pelo menos alguma sensação de maior confiança
de que este novo governo tem, ao menos, algum poder de permanência”.
O terceiro
palestrante, o jornalista Juliano Basile, disse que seria “estúpido” pensar que
empresas estrangeiras roubariam os recursos do Brasil: “O governo Dilma
Rousseff tinha essa ideia de que as empresas estrangeiras iam tirar os recursos
do Brasil, que é tão antigo, e me permitam dizer que é estúpido, porque elas
não vão tirar as nossas terras nem o nosso oceano, elas vão ajudar a Petrobras
a pegar o petróleo e eles vão pagar por isso e também vão trazer tecnologia
para o país”.
Uma das primeiras
ações do então presidente interino Michel Temer foi nomear o novo presidente da
Petrobras: Pedro Parente. Parente havia atuado como Chefe de Gabinete do
presidente Fernando Henrique Cardoso e era um defensor declarado da
privatização e do investimento estrangeiro.
Uma das primeiras
medidas de Parente foi anunciar que a política de preços seria determinada
pelos preços internacionais do petróleo, e não pelos controles de preços
estabelecidos pelo governo.
No mesmo painel do
Atlantic Council, a nomeação de Parente foi aplaudida por Alexandra Valderrama,
diretora de assuntos governamentais internacionais da Chevron: “Na atual
situação política, sabemos que o presidente interino está fazendo um bom
trabalho; estamos assistindo a mudanças positivas — Pedro Parente, número um, é
uma mudança muito positiva,” disse.
Parente também teve um
relacionamento próximo com o Wilson Center, outro think tank em
Washington que recebe contribuições da indústria petrolífera, chegando até a
dar uma palestra em novembro de 2016 no Wilson Center intitulada “Petrobras: O
Caminho a Seguir”.
Em setembro de 2016,
Jason Marczak, diretor do Centro Adrienne Arsht para a América Latina no
Atlantic Council, opôs-se veementemente aos requisitos de operação conjunta da
Lei 12.351/2010 do governo Lula. Marczak apoiou uma lei que derrubaria a lei de Lula:
“As empresas petrolíferas estrangeiras têm sido relutantes em investir devido
aos requisitos de operação conjunta com a estatal brasileira de petróleo, a
Petrobrás. Há um projeto de lei em tramitação no Congresso neste momento que
reduziria alguns desses termos para incentivar empresas estrangeiras a
investir, com maior potencial de expansão nos campos do pré-sal ao largo do
Rio”.
A nova lei, a Lei
13.365/2016, foi aprovada no final de 2016
e permitiu que as empresas petrolíferas privadas se tornassem as únicas
operadoras dos campos petrolíferos do pré-sal. Como sugerido em uma coluna da Forbes na época, “investidores
estão de olho nisso”.
Oddone, autor do mesmo
relatório do Atlantic Council, foi nomeado diretor geral da Agência Nacional do
Petróleo em dezembro de 2016. Nessa função, supervisionou leilões de
investimento privado e estrangeiro, o primeiro dos quais ocorreu no final de
2017.
Em novembro de 2017,
Oddone palestrou em um evento do Wilson Center intitulado “Leilões
bem-sucedidos do pré-sal colocam o setor de petróleo e gás do Brasil em um
caminho promissor”.
A abertura dos campos
do pré-sal no Brasil foi apontada como uma grande vitória no evento. De acordo
com materiais promocionais do evento no Wilson Center, o leilão foi um
“estrondoso sucesso”, com ExxonMobil, Statoil, Shell, Total SA e BP entre os
participantes do leilão.
<><> Um
conflito de interesses descarado, mas totalmente impune
Nenhum destes
relatórios ou eventos mencionou os conflitos de interesse. Nesse mesmo ano, a
Chevron doou pelo menos US $250 mil ao Atlantic
Council; o CEO e presidente do conselho da Chevron, John Watson, também fez
parte do conselho consultivo internacional do think tank.
Enquanto isso, a
ExxonMobil doou pelo menos US $50 mil, enquanto a
Royal Dutch Shell e a BP doaram pelo menos US $25 mil cada.
Todos continuam contribuindo financeiramente
ao Atlantic Council.
O Atlantic Council até
publiciza um programa de associação corporativa, e anuncia abertamente alguns
benefícios adicionais vinculados a doações. As corporações geralmente desfrutam
de diversos benefícios no papel de “parceiro estratégico” do Atlantic Council,
que incluem briefings exclusivos, jantares privados, uma mesa redonda anual com
o presidente do think tank, e um gerente de parceria para
supervisionar o envolvimento da empresa.
As empresas
estrangeiras que financiam esses think tanks se beneficiaram
financeiramente da abertura no campo petrolífero brasileiro. Chevron, Exxon, Shell e BP, todas receberam contratos de
exploração do pré-sal no Brasil.
A Shell, por exemplo,
anunciou um investimento de 10 bilhões de dólares ao longo de cinco anos no
final de 2016. Parente, como novo presidente da Petrobras, chamou a Shell de “nossa parceira muito
importante” durante sua palestra no Wilson Center.
Em resposta a uma
solicitação de comentário, o Atlantic Council citou sua política de aceitação
de doadores: “O Atlantic Council aceita fundos de uma vasta gama de fontes,
desde que sejam para fins que estejam de acordo com a sua missão.”
Como
demonstraram estudos anteriores, o
financiamento dos think tanks desempenha um papel
significativo na autocensura. No mínimo, o financiamento do Atlantic Council
cria conflitos de interesse em sua independência intelectual; os resultados das
recomendações sobre a abertura do leito do pré-sal, por exemplo, beneficiam
diretamente as empresas petrolíferas multinacionais das quais recebem doações
anuais.
No fim, essas mesmas
empresas ganharam a “dura batalha” contra a Lei 12.351, que começou em 2010,
logo após sua aprovação.
Fonte: Por Nick Cleveland-Stout, em The Intercept
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