Colômbia: Dois anos de Gustavo Petro
O segundo ano do
“governo da mudança” chega em meio a outro grande escândalo de corrupção.
Centenas de bilhões de pesos do Estado, provenientes do trabalho do povo
colombiano e que deveriam ser destinados à prevenção e atendimento de desastres
(UNGRD), foram usados para o enriquecimento de alguns funcionários e para o
suborno de congressistas em troca de apoio na tramitação das reformas e
projetos do governo. Funcionários de alto escalão, como o Ministro da Fazenda e
o ex-ministro do Interior, estão envolvidos na rede de corrupção, que inclui
membros de partidos governistas como o Pacto Histórico e a Aliança Verde, assim
como representantes de partidos tradicionais.
Evidentemente, acabar
com a corrupção e o clientelismo não foram parte da “mudança” prometida pelo
atual governo. Existem tantas provas do roubo descarado que não há mais como
afirmar que se trata de uma tentativa de golpe de Estado por parte da oposição.
O único recurso restante, também pouco original e bastante batido pelos
presidentes, é alegar que “tudo aconteceu às minhas costas”.
Embora o roubo dos
“recursos públicos” seja muito grave e o barulho estrondoso feito cinicamente
pelos meios de comunicação como o El Tiempo (do grupo Sarmiento Angulo, também
envolvido no esquema de corrupção da Odebrecht), isso não é o fato mais significativo
ou principal do balanço de dois anos de um governo que se autoproclama do povo
e da mudança. Afinal, com esse único fato, sempre resta a saída de alegar que
foram apenas algumas maçãs podres ou que se trata de uma campanha de
descredibilização da oposição. Pelo contrário, se analisarmos os principais
acontecimentos do governo e não nos limitarmos às suas belas e abundantes
palavras ou aos gritos da extrema-direita contra o governo, poderemos fazer um
balanço objetivo sobre o que tem sido o atual governo.
Qualquer pessoa que
tenha participado do movimento popular sabe que a Colômbia não é uma nação
independente, que nosso país é dominado pelo imperialismo, principalmente
ianque. De fato, quase todos os partidos e organizações que hoje fazem parte do
Pacto Histórico ou que o apoiam denunciaram e alguns até se mobilizaram contra
o estabelecimento de bases militares americanas em nosso território, contra o
TLC (Tratado de Livre Comércio) com os EUA, em oposição à chegada de tropas
americanas, em rejeição ao FMI e seus pacotes de ajuste, etc. Agora, o que fez
o “governo do povo” para libertar a nação do domínio estrangeiro, o principal
jugo que impede o progresso de nossa nação?
Mas os fatos são
teimosos, não se pode fugir deles facilmente. Nestes dois anos de governo, como
reconhecem até mesmo seus antigos e novos seguidores, outrora
“anti-imperialistas”, Petro tem mantido “excelentes relações” com os americanos
(e, por sinal, também com os imperialistas europeus). Ele continuou a tarefa
obediente que todos os presidentes colombianos cumprem de garantir a “confiança
dos investidores” (um dos famosos 3 ovos do governo Uribe), ou seja, criar as
melhores condições para que o grande capital imperialista investido em nosso
país obtenha seu máximo lucro.
Quando estava em
campanha, Petro comprometeu-se perante o FMI a manter a estabilidade
macroeconômica e, em reunião com o Conselho de Empresas Americanas (CEA), que
agrupa mais de 100 empresas dos EUA com investimentos na Colômbia, garantiu que
asseguraria a estabilidade jurídica. Tudo isso poderia parecer para alguns uma
astúcia necessária em tempos de campanha, mas, assim que ganhou a presidência,
Biden o chamou para parabenizá-lo, enviou uma delegação para sua posse e, a
partir daí, houve numerosos “diálogos de alto nível” entre os presidentes ou
seus delegados, sempre concluindo como “amistosos” e “bem-sucedidos”. Estas não
são mais do que palavras, então ainda poderia-se pensar que isso é apenas parte
da arte da diplomacia.
Mas os fatos são
teimosos, não se pode fugir deles facilmente. Nestes dois anos de governo, como
reconhecem até mesmo seus antigos e novos seguidores, outrora
“anti-imperialistas”, Petro tem mantido “excelentes relações” com os americanos
(e, por sinal, também com os imperialistas europeus). Ele continuou a tarefa
obediente que todos os presidentes colombianos cumprem de garantir a “confiança
dos investidores” (um dos famosos “3 ovinhos” do governo Uribe), ou seja, criar
as melhores condições para que o grande capital imperialista investido em nosso
país obtenha seu máximo lucro.
E como o governo atual
fez isso? Cumprindo a regra fiscal, medida imposta pelo imperialismo para
garantir, a qualquer custo, a saúde das finanças do Estado com o objetivo de
assegurar o pagamento da dívida externa e a estabilidade para os investimentos
do grande capital; pagando obsequiosamente a dívida externa e ampliando para
tal fim — em um montante superior a qualquer um dos governos anteriores — o
limite de endividamento do Estado; constantemente promovendo o país e seus
recursos naturais sob o slogan: “Colômbia, o país da beleza”; cumprindo
fielmente o prejudicial TLC com os americanos; e mantendo a estabilidade
jurídica e, mais importante ainda, social, para os investimentos do grande
capital imperialista.
Não sobra esclarecer
uma questão antes de concluir esta análise, como todos os governos, incluindo o
atual, querem nos fazer acreditar. O investimento estrangeiro é, como ensinou o
marxismo e como demonstra o “subdesenvolvimento” eterno de nossos países: a
exportação de capital imperialista para explorar a mão de obra, saquear
recursos, usurpar rendas e assim obter o maior lucro possível, cujo destino,
obviamente, são os cofres dos donos desse capital: as potências imperialistas.
Embora essas medidas
econômicas já sejam suficientes para nos dar um julgamento preciso sobre a
relação deste governo com o imperialismo, vejamos outros fatos, ainda mais
claros e indignantes, no campo militar. A chefe do Comando Sul dos EUA declarou
que “a relação com a Colômbia está mais forte do que nunca” e não são apenas
palavras: em apenas dois anos do atual governo, ela fez várias visitas ao nosso
país. Para não nos alongarmos muito, vejamos apenas os “nobres” motivos de duas
de suas visitas. Na visita realizada em outubro de 2022, apenas dois meses após
a posse do novo governo, ela “doou” alguns helicópteros antigos que Petro
rebatizou como “a frota das araras” e disse que seriam destinados ao cuidado da
Amazônia, sob a responsabilidade de um corpo militar conjunto que propôs fazer
com os americanos (como quem deixa as ovelhas aos cuidados do lobo) e que meses
depois o próprio Petro chamou de “OTAN Amazônica”; em outra visita, há um mês,
a chefe do Comando Sul não veio sozinha, trouxe um porta-aviões americano para
as águas do Pacífico para realizar exercícios militares conjuntos e destacou “o
compromisso de apoiar as Forças Armadas colombianas na luta contra os grupos
terroristas”.
Para terminar este
tema, destacaremos mais dois fatos. No governo de Petro, está em construção a
instalação de 3 bases militares americanas localizadas em Gorgona, Pereira e
Letícia. Esta ação vende-pátria fala por si só, mas diante de tanta demagogia,
vale a pena fazer estas perguntas: Pode-se considerar progressista e
anti-imperialista um governo que constrói bases militares americanas em nosso
país? Por que muitos que, em 2009, rejeitaram o acordo feito pelo governo de
Uribe com os americanos para que suas tropas tivessem acesso livre a 7 bases
militares na Colômbia, agora permanecem em silêncio diante do estabelecimento
de 3 bases americanas em nossa pátria com a aprovação do governo de Petro? Ou
será que os americanos deixaram de ser imperialistas e dignificaram suas
intenções?
O último fato também é
bastante revelador. Petro, em seu primeiro discurso na ONU, que alguns de seus
seguidores chegaram a classificar como “anti-americano”, pediu para “acabar com
a irracional guerra contra as drogas” que “enche nossas terras de sangue”. No
entanto, um ano e meio depois, em junho passado, lançou, com o “apoio” dos
Estados Unidos, a Missão Cauca, um plano que, como analisou o meio
digital La Silla Vacía, é, na essência, uma reedição de um dos
planos militares do governo de Uribe com o qual “Petro abraça vinte anos de
contra-insurgência na Colômbia”. E claro, como poderiam não ter a mesma
essência se ambos foram desenhados e dirigidos pelo mesmo mestre? Esta Missão,
que o jornalista chama, ironicamente, de “contrainsurgência humana”, é a mesma
guerra americana disfarçada de guerra contra as drogas, que o imperialismo
americano desencadeou por décadas em nossas terras, sempre com o aval dos
gerentes de turno, e este novamente não foi uma exceção. Os adornos não
encobrem grandes defeitos.
Todas essas são provas
de que o atual governo não apenas mantém, mas aprofunda o domínio estrangeiro
sobre nosso país, com uma diferença importante: usa a linguagem do movimento
popular para se apresentar como um defensor da autodeterminação das nações, como
um governo progressista, de “esquerda”, e com isso consegue enganar e iludir
uma parte significativa do povo.
Agora vamos analisar o
que o governo fez em relação a outro grande problema da nação colombiana: o
problema da terra. Como se sabe, na Colômbia há poucos com muita terra e muitos
com pouca terra. Ao povo, a terra foi arrancada desde a conquista e até hoje
está concentrada em poucos latifundiários; toda investigação confirma isso, a
luta camponesa e a guerra no campo atestam.
O que o atual governo
fez a respeito? Prometeu em campanha uma reforma agrária, mas, diante do
alvoroço que essa palavra causa entre os latifundiários, os tranquilizou,
esclarecendo que a faria sem expropriar “um ápice de terra”, compromisso que
formalizou em cartório e, para ser justo, é uma das poucas promessas cumpridas.
Dois meses após ser eleito, estabeleceu um “pacto histórico” com Lafaurie,
presidente da Fedegan, representante dos latifundiários, propondo que o Estado
compraria metade de suas terras a um preço inflacionado, em suas palavras:
“estamos comprando a preço comercial. E mais, estamos elevando o preço da
terra”. E que, para a outra metade das terras que eles manteriam, “damos um
crédito” com condições muito boas “para plantar árvores e para que as vacas
comam olhando para cima”, resultando, no final, em que “o pecuarista ganha
mais”.
Os latifundiários
ficaram muito satisfeitos com este “pacto histórico”. Lafaurie o promoveu
amplamente como um negócio “vencedor”, acrescentando que com os “beneficiários
da reforma agrária” se “poderiam aproveitar as sinergias da vizinhança e a
assistência da Fedegan”. Uribe disse: “Foi dado um grande passo quando o
Presidente Petro, neste momento, não fala em expropriações, mas em comprar um
determinado número de hectares”.
Antes de analisar esta
“reforma agrária”, vejamos, nos dois anos do “governo da mudança”, quanto de
terra foi distribuído. Durante a campanha, Petro prometeu que daria 3 milhões
de hectares aos camponeses, cumprindo a meta do Acordo de Paz com as Farc. Algum
tempo depois de assumir o cargo, rompeu sua promessa e reduziu para a metade:
1,5 milhões. Recentemente, afirmou – considerando que, em dois anos, comprou
cerca de 100 mil hectares – que “com um grande esforço poderíamos chegar a 500
mil até o final do governo”. Assim, a reforma agrária de Petro será, no melhor
dos casos e de acordo com suas palavras mais recentes, de cerca de 500 mil
hectares entregues aos camponeses, uma cifra insignificante considerando que
apenas entre 1995 e 2004 – segundo o relatório da Comissão da Verdade – os
camponeses foram despojados de mais de 8 milhões de hectares e que o punhado de
latifundiários na Colômbia possui entre 20 e 30 milhões de hectares, enquanto
milhões de camponeses não têm terra ou têm terra insuficiente.
Tanto o design quanto
a execução deste projeto estão longe de representar uma reforma agrária. Não se
pode ver o camponês e o latifundiário como dois atores desligados; são classes
antagônicas: o camponês trabalha a terra, o latifundiário – de diferentes
formas – se apropria de parte desse trabalho, ou seja, o explora. Ao comprar
uma parte da terra (e a preços altos) dos latifundiários, estes, como aponta
Petro, se tornarão mais ricos e, além disso, será legalizado o despejo violento
que fizeram das terras camponesas com suas forças militares e paramilitares, o
que os envalentona. Se, além disso, quem decide qual terra vender são os
latifundiários, obviamente venderão aos camponeses as piores terras e ficarão
com as melhores, como já foi evidenciado em várias compras estatais de terras
inadequadas para a produção agropecuária. Latifundiários mais ricos, mais
poderosos e legitimados, frente a camponeses com pouca terra ou terras
arruinadas, subjugados e dependentes deles, é o que Lafaurie deseja quando usa
o eufemismo de que com esta reforma agrária do governo Petro se aproveitarão
“as sinergias da vizinhança e a assistência da Fedegan”.
É evidente que, sem
mudar a estrutura de propriedade da terra e entregando apenas 500 mil hectares
aos camponeses, no máximo algumas formas de semifeudalidade no campo mudarão,
mas a essência subsistirá: a terra continuará concentrada nas mãos dos latifundiários,
o campesinato continuará sendo um semi-servo submetido ao latifundiário e o
poder local permanecerá nas mãos dos latifundiários, seus clãs e gamonais.
Assim, cumpridos dois
anos do governo de Petro, o problema da terra e o problema camponês continuam,
e ao final de seu mandato, continuarão. Isso é ainda mais evidente quando,
paralelamente ao aumento do poder, legitimidade e arrogância dos latifundiários,
os camponeses que tomam as terras por vias de fato são ameaçados e reprimidos
(Petro e França ordenaram a remoção violenta das invasões), e os camponeses são
corporativizados para que suas organizações apoiem o governo e desistam da luta
direta pela terra, que é a única forma que reduziu a concentração de terras em
nosso país e que pode resolver o problema da terra, destruindo o latifúndio e
tomando todas as terras para o campesinato.
Bem, agora analisemos
rapidamente, pois o espaço está acabando, como o governo atual tem enfrentado o
problema de que alguns poucos grupos monopolistas locais (Sarmiento, GEA,
Gilinski, Santo Domingo, Ardila Lule, etc.) dominam as principais alavancas da
economia nacional, exploram as classes trabalhadoras e controlam a vida do
povo.
Embora o governo de
Petro tenha atacado esses grupos em alguns discursos e tenha tido certos
atritos com alguns deles, na essência, na prática ele os favoreceu e buscou
reiteradamente convidá-los para o grande “Acordo Nacional”. Vejamos apenas
alguns exemplos. Desde a divulgada reunião de “Petro com os magnatas” em
novembro de 2023, foram formadas várias grandes alianças “público-privadas” do
governo Petro com esses grupos monopolistas, como a “Missão Guajira” com
o grupo Aval de Sarmiento Angulo e Claro de Carlos Slim, a “Missão Cacau”
com Nutresa do grupo Gilinski, e um acordo entre o “Grupo Empresarial
Antioqueño, Gilinski e o governo para investir nos territórios”. Na viagem que
Petro fez à Europa em junho deste ano, ele viajou acompanhado por
representantes de Argos (GEA), Gilinski e Ardila Lule. No mesmo mês, convidado
pelos Bancos para sua Convenção anual, disse: “sistema financeiro mundial
relativamente privado vs. Poderes públicos mundiais: complementares ou
contraditórios? Minha opinião é que são complementares”. E, para se ainda
restar alguma dúvida após isso, Laura Sarabia, diretora do Dapre, disse há
apenas duas semanas diante de representantes do grande capital na Colômbia:
“posso lhes dizer que há um presidente que considera o setor privado como um
aliado, obviamente há diferenças, mas a chave é encontrar consenso”.
Assim, no “governo da
mudança”, grandes monopólios que asfixiam o povo continuam dominando a
economia, e Petro se declara e se comporta como seu aliado.
Em conclusão, o
balanço de dois anos do governo de Petro nos confirma que este é um governo
aliado do imperialismo, dos latifundiários e da grande burguesia, as classes
que exploram e oprimem o povo, que mantêm a nação subjugada e atrasada, os
verdadeiros inimigos da revolução colombiana e da nova democracia. A
particularidade é que é um governo que se apresenta, mais do que qualquer
outro, como um “governo do povo”, e com demagogia e políticas compensatórias
(migalhas) consegue confundir muitas pessoas do povo. É dever da imprensa
democrática e popular e de todos os revolucionários ajudar pacientemente e
persuasivamente o povo a tirar o véu da demagogia, para encontrar a essência
oportunista do atual governo e manter um movimento popular independente do Estado
burguês-latifundiário e de todos os partidos políticos, que lute pelos direitos
do povo e se torne progressivamente uma força capaz de levar adiante a
Revolução de Nova Democracia.
Fonte: A Nova
Democracia
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