segunda-feira, 2 de setembro de 2024

As bases da psicologia organizacional

Não existe uma “psicologia organizacional crítica”. Ao menos não é o que se estuda hegemonicamente. As ciências sociais produzem críticas acerca dos determinantes que estruturam as sociedades, o que expõe as contradições da violência social. Matéria que possui cadeira cativa nos estudos psicológicos devido ao auxílio para captar os fenômenos da interseção indivíduo-sociedade, as ciências sociais são afastadas do centro da discussão da psicologia organizacional.

Isso se dá porque, como relembra Vladimir Safatle (2020), esta área da psicologia reconhece o indivíduo como um empreendimento empresarial que tem como fim o aumento das margens de lucro e a diminuição dos gastos fixos. Esse objetivo se converte para o sujeito como a tarefa de alcançar um caráter maduro, de personalidade centrada e de seriedade nas condutas.

Não é difícil perceber o acerto do diagnóstico feito por Vladimir Safatle (2020), afinal, as matérias da psicologia organizacional que prezam pela resolução de conflito e a criação de uma liderança eficaz, por exemplo, passam pela prescrição de steps comportamentais. A cartilha que vaticina a criação de líderes centrados e poderosos, portanto, neutraliza o conteúdo espontaneamente crítico dos afetos através de mecanismos de um caráter maduro que possam ser sintetizados na docilidade da comunicação não violenta.

Não se trata, claro, de uma apologia a ausência da ética no ambiente de trabalho, mas de reconhecer o aniquilamento do potencial denunciador contido nos afetos. Campello (2022) demonstra que estes mesmos afetos são ferramentas de crítica social, inclusive profícuos para a identificação de situações de injustiça, permitindo, inclusive, a partilha do sentimento de ser injustiçado.

A compreensão dos afetos enquanto empreendimento, nos mostra Safatle (2020), está inserida no contexto de advento do neoliberalismo, em meados da década de 1980. Foi nessa época que se aprofundaram os estudos em psicologia organizacional voltados para os afetos dos sujeitos nas organizações. Proporcionar felicidade e satisfação aos trabalhadores estava no centro dos estudos após a derrocada das experiências tayloristas. Viu-se que a fragmentação e a velocidade excessiva dos ritmos de trabalho estavam criando trabalhadores exaustos e pouco motivados para o exercício laboral.

No seu lugar, temos as experiências suecas e norueguesas dos grupos de trabalho com seus círculos de controle, cujo mote era a horizontalização do trabalho e diminuição da hierarquia, como no exemplo das fábricas da Volvo. Apesar do insucesso dessas experiências com o passar dos anos, o mundo do trabalho pôde entender que um trabalhador feliz poderia produzir mais. Esta compreensão anda lado-a-lado com o período de implantação massiva da flexibilização do trabalho, sobretudo no contexto de teletrabalho, de forclusão de direitos e terceirização.

Tantas mudanças encontram a sua justificativa para existir nos estudos científicos acerca da motivação, dos níveis de engagement e de inteligência emocional. Afinal, Antunes (2009) resgata da sociologia lembretes de que a ciência não está subordinada ao bem-estar coletivo — se assim fosse, não haveríamos de estar lutando contra a precarização do trabalho e a destituição de direitos básicos ao trabalhador se contamos com níveis tecnológicos que poderiam findar o trabalho precarizado e mal pago. De modo contrário, a ciência está livre para servir ao mercado que a financia.

Um dos construtos teóricos que mais ganha ênfase nos estudos da psicologia organizacional é o da inteligência emocional. O construto criado por Salovey e Mayer (1990) se trata de uma habilidade através da qual o sujeito pode ser mais funcional em suas relações sociais e pessoais, consigo próprio. Trata-se da skill de monitorar as próprias emoções e as emoções dos outros a fim de empregá-las na discriminação e escolha das melhores formas de pensamento e ação. Esta habilidade permite a regulação e o uso correto e coerente para as emoções.

Portanto, para que o sujeito possa apresentar características mais positivas e melhor cultivar as suas relações, precisa desenvolver a capacidade de percepção e controle sobre seus afetos. Tais atributos são o predicado do indivíduo procurado em nosso mundo de trabalho atual: colaborador proativo e astuto, que veste a camisa da organização e não se importa com as dificuldades das condições de trabalho, uma vez que a sua determinação supera quaisquer emoções negativas que possa sentir.

Fica fácil perceber, portanto, como a capacidade crítica que subjaz aos afetos é docilizada através do silêncio. Ao trabalhador é recomendado que canalize seus afetos negativos a fim de não perturbar o ambiente magnânimo do trabalho. Safatle (2020) é perspicaz ao perceber o mecanismo através do qual o resultado de forclusão dos afetos serve ao neoliberalismo.

O silenciamento afetivo favorece a ausência de revoltas contra a violência social perpetrada pelo capital. Trata-se de uma via eficaz para a evitação de grandes manifestações grevistas para reivindicar os direitos do trabalhador. Até porque, um bom trabalhador é aquele compromissado com seu trabalho, pessoa contida que não se deixa tomar pela cólera do emprego precário. Até mesmo os princípios de um trabalho digno se veem impotentes devido à subordinação do trabalho à supremacia do capital.

Finalmente, perguntamo-nos: é possível encontrar um sentido humanizado na ciência da psicologia organizacional? Sim, mas faz-se necessário uma inflexão radical no curso dos estudos psicológicos na organização. Do lado das empresas, a ênfase deve recair na criação de mecanismos que garantam relações de reciprocidade entre organização e trabalhador.

Por outro lado, a academia precisaria reconhecer o potencial legítimo de reivindicação contido na profusão dos afetos, não concebendo-os como desvarios de uma alma perturbada e pouco inteligente. Afinal, a docilidade dos afetos não protesta em situações de injustiça, muito menos produz textos como o de agora.

A partir de tais desvios de rota, a ciência psicológica aplicada às empresas poderia escapar dos exercícios de mindfulness que visam apaziguar as manifestações dos sintomas. Tais sintomas servem como informantes de mensagens latentes revoltadas contra a demanda excessiva, como nos casos da exaustão do burnout. Tratar-se-ia, portanto, de abandonar o projeto de um empreendedorismo egóico para apostar na descentralização do sujeito como modo de advertência sobre os impasses subjacentes à estruturação da vida social.

 

Fonte: Por Luís Felipe Souza, em A Terra é Redonda

 

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