As bases da psicologia organizacional
Não existe uma
“psicologia organizacional crítica”. Ao menos não é o que se estuda
hegemonicamente. As ciências sociais produzem críticas acerca dos determinantes
que estruturam as sociedades, o que expõe as contradições da violência social.
Matéria que possui cadeira cativa nos estudos psicológicos devido ao auxílio
para captar os fenômenos da interseção indivíduo-sociedade, as ciências sociais
são afastadas do centro da discussão da psicologia organizacional.
Isso se dá porque,
como relembra Vladimir Safatle (2020), esta área da psicologia reconhece o
indivíduo como um empreendimento empresarial que tem como fim o aumento das
margens de lucro e a diminuição dos gastos fixos. Esse objetivo se converte
para o sujeito como a tarefa de alcançar um caráter maduro, de personalidade
centrada e de seriedade nas condutas.
Não é difícil perceber
o acerto do diagnóstico feito por Vladimir Safatle (2020), afinal, as matérias
da psicologia organizacional que prezam pela resolução de conflito e a criação
de uma liderança eficaz, por exemplo, passam pela prescrição de steps comportamentais.
A cartilha que vaticina a criação de líderes centrados e poderosos, portanto,
neutraliza o conteúdo espontaneamente crítico dos afetos através de mecanismos
de um caráter maduro que possam ser sintetizados na docilidade da comunicação
não violenta.
Não se trata, claro,
de uma apologia a ausência da ética no ambiente de trabalho, mas de reconhecer
o aniquilamento do potencial denunciador contido nos afetos. Campello (2022)
demonstra que estes mesmos afetos são ferramentas de crítica social, inclusive
profícuos para a identificação de situações de injustiça, permitindo,
inclusive, a partilha do sentimento de ser injustiçado.
A compreensão dos
afetos enquanto empreendimento, nos mostra Safatle (2020), está inserida no
contexto de advento do neoliberalismo, em meados da década de 1980. Foi nessa
época que se aprofundaram os estudos em psicologia organizacional voltados para
os afetos dos sujeitos nas organizações. Proporcionar felicidade e satisfação
aos trabalhadores estava no centro dos estudos após a derrocada das
experiências tayloristas. Viu-se que a fragmentação e a velocidade excessiva
dos ritmos de trabalho estavam criando trabalhadores exaustos e pouco motivados
para o exercício laboral.
No seu lugar, temos as
experiências suecas e norueguesas dos grupos de trabalho com seus círculos de
controle, cujo mote era a horizontalização do trabalho e diminuição da
hierarquia, como no exemplo das fábricas da Volvo. Apesar do insucesso dessas
experiências com o passar dos anos, o mundo do trabalho pôde entender que um
trabalhador feliz poderia produzir mais. Esta compreensão anda lado-a-lado com
o período de implantação massiva da flexibilização do trabalho, sobretudo no
contexto de teletrabalho, de forclusão de direitos e terceirização.
Tantas mudanças
encontram a sua justificativa para existir nos estudos científicos acerca da
motivação, dos níveis de engagement e de inteligência emocional. Afinal,
Antunes (2009) resgata da sociologia lembretes de que a ciência não está
subordinada ao bem-estar coletivo — se assim fosse, não haveríamos de estar
lutando contra a precarização do trabalho e a destituição de direitos básicos
ao trabalhador se contamos com níveis tecnológicos que poderiam findar o
trabalho precarizado e mal pago. De modo contrário, a ciência está livre para
servir ao mercado que a financia.
Um dos construtos
teóricos que mais ganha ênfase nos estudos da psicologia organizacional é o da
inteligência emocional. O construto criado por Salovey e Mayer (1990) se trata
de uma habilidade através da qual o sujeito pode ser mais funcional em suas relações
sociais e pessoais, consigo próprio. Trata-se da skill de monitorar as próprias
emoções e as emoções dos outros a fim de empregá-las na discriminação e escolha
das melhores formas de pensamento e ação. Esta habilidade permite a regulação e
o uso correto e coerente para as emoções.
Portanto, para que o
sujeito possa apresentar características mais positivas e melhor cultivar as
suas relações, precisa desenvolver a capacidade de percepção e controle sobre
seus afetos. Tais atributos são o predicado do indivíduo procurado em nosso mundo
de trabalho atual: colaborador proativo e astuto, que veste a camisa da
organização e não se importa com as dificuldades das condições de trabalho, uma
vez que a sua determinação supera quaisquer emoções negativas que possa sentir.
Fica fácil perceber,
portanto, como a capacidade crítica que subjaz aos afetos é docilizada através
do silêncio. Ao trabalhador é recomendado que canalize seus afetos negativos a
fim de não perturbar o ambiente magnânimo do trabalho. Safatle (2020) é perspicaz
ao perceber o mecanismo através do qual o resultado de forclusão dos afetos
serve ao neoliberalismo.
O silenciamento
afetivo favorece a ausência de revoltas contra a violência social perpetrada
pelo capital. Trata-se de uma via eficaz para a evitação de grandes
manifestações grevistas para reivindicar os direitos do trabalhador. Até
porque, um bom trabalhador é aquele compromissado com seu trabalho, pessoa
contida que não se deixa tomar pela cólera do emprego precário. Até mesmo os
princípios de um trabalho digno se veem impotentes devido à subordinação do
trabalho à supremacia do capital.
Finalmente,
perguntamo-nos: é possível encontrar um sentido humanizado na ciência da
psicologia organizacional? Sim, mas faz-se necessário uma inflexão radical no
curso dos estudos psicológicos na organização. Do lado das empresas, a ênfase
deve recair na criação de mecanismos que garantam relações de reciprocidade
entre organização e trabalhador.
Por outro lado, a
academia precisaria reconhecer o potencial legítimo de reivindicação contido na
profusão dos afetos, não concebendo-os como desvarios de uma alma perturbada e
pouco inteligente. Afinal, a docilidade dos afetos não protesta em situações de
injustiça, muito menos produz textos como o de agora.
A partir de tais
desvios de rota, a ciência psicológica aplicada às empresas poderia escapar dos
exercícios de mindfulness que visam apaziguar as manifestações dos sintomas.
Tais sintomas servem como informantes de mensagens latentes revoltadas contra a
demanda excessiva, como nos casos da exaustão do burnout. Tratar-se-ia,
portanto, de abandonar o projeto de um empreendedorismo egóico para apostar na
descentralização do sujeito como modo de advertência sobre os impasses
subjacentes à estruturação da vida social.
Fonte: Por Luís Felipe
Souza, em A Terra é Redonda
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