Medicamento para
dormir pode contribuir para abrandar ou parar a progressão da Alzheimer
Um
estudo recente examinou pacientes que estavam a tomar remédios para dormir
e testou a presença de proteínas-chave da Alzheimer nos mesmos. A
surpresa? Parece que os soporíferos podem contribuir para abrandar ou até mesmo
parar a progressão da doença de Alzheimer. Quem o confirmou, na sexta-feira
passada, num livestream, foi Brendan Lucey, professor associado de
Neurologia e chefe da secção de Medicina do Sono na Washington University, em
St. Louis, no estado norte-americano do Missouri.
"Os
participantes neste ensaio tinham idades compreendidas entre os 45 e os 65
anos. Eles não tinham nenhuma evidência de problemas de memória ou pensamento.
Medimos a qualidade do sono usando um monitor de atividade que é usado no
pulso. E eles tinham evidências de que a eficiência de quanto dormiam à noite
era menor. Então, eles receberam um placebo, aleatoriamente, ou uma das
duas doses de um medicamento chamado Suvorexant (Belsomra) 10 ou 20 miligramas.
E essas são as duas doses aprovadas pela Food and Drug Administration (FDA)
para tratar a insónia", disse.
"O nosso
objetivo é ver como esse medicamento afetou os níveis de beta-amilóide e
fosforilações no fluido que está ao redor do cérebro. E essas proteínas
são marcadores para a patologia da doença de Alzheimer, que são usados para identificar
indivíduos que podem ter alterações no cérebro
consistentes com a doença de Alzheimer, e os nossos alvos para possíveis
intervenções. Deste modo, queríamos
ver se esse medicamento reduzia as quantidades de beta-amilóide,
algo que foi demonstrado em camundongos [pequeno roedor]", sublinhou
o docente nascido e criado em Burlington, no Vermont, que iniciou o percurso
académico na Universidade de Vermont e tornou-se oficialmente médico
na Escola de Medicina da Universidade Johns Hopkins.
"Bem,
acho que o que é empolgante nesse estudo e nesses resultados é que o Suvorexant
é aprovado pela FDA para o tratamento da insónia. E está no mercado desde
2015. E, por isso, já tem muitos dados de segurança disponíveis. A FDA também
tem uma indicação adicional de Suvorexant para tratar a insónia em indivíduos
com doença de Alzheimer leve a moderada. Portanto, embora seja uma substância
controlada, em contraste com outras que foram investigadas como drogas e
intervenções potencialmente modificadoras, o perfil de segurança já é bem
conhecido", declarou o profissional de saúde que, após ter completado o
Ensino Superior, realizou a residência em Neurologia na Washington University e
arrecadou uma bolsa de estudos em neurofisiologia clínica no Brigham and
Women's Hospital.
"Este
é um teste muito pequeno. Mas uma importante prova de conceito e temos
financiamento para testes adicionais que estão em andamento agora, onde
responderemos a algumas perguntas importantes. Primeiro, vemos mudanças
semelhantes nesses biomarcadores ou nessas proteínas, quando esses medicamentos
são administrados por meses? Essa é uma pergunta que temos. Então, dando
períodos de tempo mais longos, vamos testar algumas doses diferentes dessa
classe de medicamentos para ver. Por exemplo, se dermos 10 miligramas de um
medicamento, veremos um efeito muito maior numa dose mais alta. E também
estamos a olhar para indivíduos que são cognitivamente inalterados. Eles
não têm nenhum problema de memória e pensamento, mas têm evidências de
biomarcadores de patologia amiloide", evidenciou Lucey, que, entre os anos
de 2008 e 2012, prestou serviço na Força Aérea dos EUA e depois ingressou no
Departamento de Neurologia da Washington University.
"Portanto,
esses participantes eram biomarcadores negativos. Não os rastreámos para
realmente entrar no estudo, mas sabemos que eles não têm evidências de
deposição de amilóide com base nesses marcadores. Mas, na verdade, queremos
recrutar pessoas que a tenham. E para ver se vemos mudanças semelhantes, o que
sugere que estudos maiores em potencial poderiam ser feitos como uma prevenção
secundária para a doença de Alzheimer", explicou o investigador cujos
interesses de pesquisa se concentram no sono, envelhecimento e doença de Alzheimer,
sendo que o seu laboratório se foca no estudo do potencial das
intervenções do sono para prevenir ou retardar o aparecimento desta patologia.
"Acho
que, do ponto de vista da prevenção, o mais cedo possível, certos problemas
podem ser identificados. Problemas que afetam o risco de doença de Alzheimer e
também uma boa saúde geral devem ser intervencionados, como tensão
arterial alta e problemas de sono como apneia obstrutiva do sono. Muito
disso, os estudos para intervenções ao longo de décadas são obviamente muito
desafiadores, se não impossíveis de serem financiados. Há dados que mostram que
distúrbios do sono muito precoces, digamos na meia-idade, foram associados a um
risco aumentado de ter comprometimento cognitivo ou demência até 25 anos
depois. E, então, se alguém tem insónia ou apneia obstrutiva do sono, tratá-la
assim que for identificada... Tem o potencial de realmente mudar o perfil de
risco e permitir que se siga em frente", realçou, sendo importante lembrar
que cerca de 153 milhões de pessoas no mundo terão demência em 2050, ou
seja, quase o triplo que havia sido estimado para 2019 – 57 milhões.
Esta
foi uma das conclusões publicadas num estudo divulgado na publicação científica
The Lancet Public Health, que adianta estimativas do número de adultos com 40
ou mais anos a viverem com demência em 204 países ou territórios diferentes,
comparando os anos de 2019 e as projeções de 2050. De acordo com este
documento, são quatro os principais fatores de risco: tabagismo, obesidade,
hiperglicemia (excesso de açúcar no sangue) e escolaridade baixa. Em Portugal,
serão 351 504 pessoas com demência em 2050, menos do dobro do número previsto
para 2019, 200 994. Sabe-se que o tipo mais comum de demência é a Alzheimer
que, de acordo com dados da Organização Mundial da Saúde, representa 50 a 70%
dos casos.
"Acho
que as pessoas precisam de se permitir ter tempo suficiente para dormir. A
maioria das pessoas precisa em média de sete, sete horas e meia para dormir sem
interrupções, com um bom ambiente de sono com temperatura mais baixa e
escuridão, dormindo à noite, e não durante o dia. E quando digo às pessoas que
se o sono é um problema e está a afetar o quotidiano delas... Quando estão
muito cansadas para trabalhar ou para fazer coisas que realmente querem
fazer... Digo-lhes sempre que têm de verificar aquilo que se passa",
adiantou, rematando: "Se elas estão a ter insónia e dificuldade em
manter o sono à noite, se elas têm sintomas de distúrbios do sono, como apneia
do sono, ronco e pausas na respiração durante o sono, estas questões devem ser
investigadas. E tratadas. E eu entendo isso neste momento. Esse é realmente o
melhor conselho que posso dar", concluiu.
Em
2019, 6.275 mortes, em Portugal continental, foram atribuídas à demência.
Destas, 1.629 diziam respeito à doença de Alzheimer. Estes dados foram apurados
a partir dos certificados de óbito na Plataforma da Mortalidade da
Direção-Geral da Saúde, pela equipa que levou a cabo o estudo sobre custos
anuais com a Doença de Alzheimer (que se estima que ascendam a 1% do PIB).
Fonte:
Sol.sapo.pt
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