Lesões perigosas:
As quatro mais frequentes explicadas por dois ortopedistas
Se
a dor serve de indicador para o nosso cérebro nos alertar de que algo de errado
está a acontecer, a “dor traumática é, provavelmente, das dores mais úteis”,
nota Miguel Cordeiro, neurorradiologista do Hospital Cruz Vermelha, em Lisboa.
“Sinaliza que houve uma lesão e obriga-nos a reduzir a atividade no segmento do
corpo afetado ou, mesmo, a parar de todo, por forma a dar tempo e oportunidade
ao nosso corpo para cicatrizar a ferida ou a consolidar a fratura.”
Assim,
a dor aguda pode ser útil para se tomarem medidas automáticas, como a
“imobilização” de algum membro, mas também “conscientes”, porque nos levam a
procurar ajuda médica para resolver a lesão. À dor aguda provocada pelo trauma
pode “associar-se uma síndrome vagal”, continua o especialista, e baixar a
pressão arterial, mas pode dar-se exatamente o contrário. “Pode acontecer uma
ativação do sistema nervoso simpático e, assim, aumentar a pressão arterial
como mecanismo fisiológico de fuga, defesa, ou eventualmente para estancar
hemorragia.”
Num
traumatismo, há a “deposição de uma determinada energia”, com uma determinada
velocidade, “num determinado tecido ou órgão”. Em função destas e de outras
variáveis, pode ocorrer uma luxação, uma contusão, entorse ou fratura. Vamos
explicar o que é cada uma delas.
·
Contusão
Uma
contusão resulta de “uma lesão traumática do músculo”, explica Jorge Mineiro,
coordenador da Unidade de Ortopedia e Traumatologia do Hospital CUF
Descobertas, e causa um hematoma. Esta contusão da “massa muscular”, diz, pode
acontecer das mais variadas formas, nomeadamente ao se bater com a mão numa
parede ou aquando de uma futebolada entre amigos. Desse choque brusco resulta
um edema que se trata com gelo, na fase aguda de dor. Claro que tudo “depende
do grau da lesão”, como acontece com todas as restantes de que aqui falamos. No
limite, até pode ser preciso imobilizar a zona da pancada.
·
Entorse
É
uma lesão bastante frequente e tem como ponto de partida um movimento brusco
que provoca alterações numa articulação, causando uma rotura nos ligamentos,
“os tecidos que dão estabilidade às articulações”, nota Jorge Mineiro, que pode
ser parcial ou total, ou seja: vai do “grau 1 ao grau 3”. Nas entorses de grau
1, o tratamento é feito com gelo e imobilizando-se a zona; nas de grau 2,
continua o médico, usam-se “imobilizações dinâmicas”, ou seja, em vez de gesso
ou tala, colocam-se adesivos especiais que permitem alguma mobilidade e que
“são benéficos na cicatrização”. Nas entorses mais graves, as de grau 3, pode
ser necessário fazer intervenção cirúrgica. “Com as técnicas de hoje, que são
minimamente invasivas, reconstruímos os ligamentos.”
·
Fratura
Nas
fraturas, o osso racha ou quebra. “Acontecem quando a energia posta no osso é
superior àquela que o osso suporta, quebrando-o”, diz o ortopedista da CUF
Descobertas. Causam dor aguda e, nos casos mais graves, também têm três graus.
As mais simples são tratadas com a imobilização feita com gesso; nas mais
graves, como é o caso da fratura exposta, é preciso ir ao bloco, dado que o
osso fura a pele e entra em “contacto com o exterior”, levando à entrada de
bactérias. “É necessário limpar muito bem, normalmente usam-se cinco litros de
soro para a limpeza, além de o doente ter de tomar antibióticos”, atesta o
médico. Depois, a zona tem de ser imobilizada. Caso a lesão seja na perna, por
exemplo, usam-se “fixadores metálicos externos” que ficam à volta da perna.
·
Luxação
Nas
luxações, acontece “uma perda de contacto entre duas superfícies articulares”,
explica Jorge Mineiro, o osso desloca-se para fora. Quando a separação é
parcial, ou seja incompleta e ainda existe algum ponto de contacto entre os
ossos, a lesão é designada de subluxação.
Um
caso comum é o “ombro saltar para fora”, por exemplo. A dor é muito forte e é
preciso voltar a colocar o ombro no sítio. A esta “manobra” chama-se redução.
“A luxação deve ser reduzida, o mais depressa possível, e depois imobilizada a
zona”, diz o médico. Caso também haja rotura dos ligamentos, é necessário fazer
uma operação cirúrgica “para não estragar a cartilagem” e voltar a dar
estabilidade às articulações.
<<<<
8 perguntas a João Espregueira-Mendes
Diretor
do Grupo Clínicas Espregueira – FIFA Medical Centre of Excellence fala dos
riscos e dos tratamentos das lesões desportivas para quem faz exercício físico,
em casa ou ao ar livre
1.
O
tipo, a severidade e a localização das lesões estão relacionados com o tipo de
exercício físico. As lesões podem ser precipitadas por fatores de risco que
podem ser intrínsecos (idade, lesão prévia, alterações do alinhamento dos
membros, existência de condições clínicas, peso, género, nível de preparação
física) ou extrínsecos (plano de treino, tipo de piso, tempo, calçado
desportivo). No entanto, deve ser realçado que o risco maior reside na
inatividade física.
2.
É
essencial o acompanhamento e o controlo regular dos atletas por profissionais
de saúde e ciências do desporto. Uma avaliação inicial serve para detetar a
eventual presença de fatores de risco, para evitar riscos que podem ameaçar a
própria vida, como as condições cardíacas silentes. Um simples e acessível
eletrocardiograma poderá fazer toda a diferença. No domínio musculoesquelético,
podem ocorrer lesões, como fraturas por quedas, lesões musculares, fraturas de
stresse ou lesões causadas por mecanismos de entorse que, frequentemente,
afetam o joelho ou o tornozelo.
3.
Uma
entorse é um mecanismo de lesão, não é um diagnóstico. O mecanismo de entorse
traduz um conjunto de movimentos nas articulações que excede a amplitude de
movimentos fisiológicos normais ou que ocorre em planos de movimento que, dada
articulação, devido à sua mecânica, isto é, ao modo de funcionamento, não pode
aceitar. Assim, as consequências podem ser variadas, como ruturas ligamentares
parciais ou totais, fraturas associadas, lesões meniscais, contusões ósseas,
etc. O processo de diagnóstico deve passar pela anamnese (relato detalhado do
que e como aconteceu), avaliação clínica e, havendo indicação, exames
complementares de diagnóstico. O tratamento terá de ser ajustado às
consequências do mecanismo de entorse. Sobretudo, importa alertar para a
importância de diagnosticar de forma precisa para tratar eficazmente. As
entorses no tornozelo são, com frequência, negligenciadas e não deveriam. O
preço a pagar pode ser alto. Sensivelmente, 40% de casos clínicos por entorses
mal tratadas resultam em instabilidade crónica e artrose.
4.
As
lesões musculares podem ter várias apresentações, mais ou menos graves.
Praticamente todas podem ser tratadas com um programa de exercícios
terapêuticos. Este tem dois objetivos, o primeiro é garantir a recuperação e o
segundo passa pela prevenção secundária, ou seja, contribuir para que não
aconteça de novo. Em lesões mais extensas, pode haver indicação para
tratamentos biológicos inovadores e avançados como são os fatores de
crescimento.
5.
A
rutura de ligamentos pode acontecer, sobretudo, ao nível do tornozelo, do
joelho e dos dedos das mãos. Frequentemente, ocorre em consequência de
mecanismo de entorse e/ou de traumatismos diretos. O tratamento pode ser
conservador ou cirúrgico, ter a duração de poucos dias ou semanas ou vários
meses. Atualmente, é muito importante uma medição objetiva da instabilidade. Na
nossa clínica inventámos o Porto Knee Testing Device (PKTD) que é o único no
mundo a medir a laxidez articular na ressonância magnética.
6.
As
lesões nos tendões, as tendinopatias, por exemplo, podem dever-se a uma mudança
brusca na quantidade (nº de km) ou na qualidade de exercício (mudança de
modalidade). Também existem outras razões menos conhecidas, por exemplo,
associadas à toma de determinados antibióticos. As lesões no tendão de Aquiles,
no praticante amador de corrida, podem alcançar uma prevalência na ordem dos
11%. Os que estão a iniciar a prática de corrida têm maior incidência de
lesões. Há que treinar “na medida certa” para maximizar os benefícios e reduzir
o risco de lesões. Na grande maioria dos casos, o tratamento é conservador e
passa pela gestão da carga e pelo fortalecimento progressivo com base em
critérios. Caso o quadro persista após três meses, há que considerar outras
opções terapêuticas. Há alguns meses, publicaram-se orientações
multidisciplinares. Só o facto de ter um plano de treino progressivo, sem
aumento brusco no número de quilómetros percorridos, pode poupar os atletas a
lesões. Por outro lado, exercícios de prevenção, como o fortalecimento muscular
ou a melhoria na biomecânica dos movimentos, poderão fazer toda a diferença.
7.
A
opção pelo tratamento conservador ou cirúrgico depende de qual, para dada
lesão, oferece os melhores resultados. Isto não se sabe por opinião nem se
decide por preferência – isto sabe-se em função do que a ciência e a
consciência profissional ditam após avaliar as opções disponíveis, o contexto
individual, clínico e desportivo do atleta. Lesões como fraturas de stresse em
ossos do pé podem ser tratadas de forma conservadora em alguns atletas e,
preferencialmente, cirúrgica noutros, dependendo da modalidade e da
apresentação da fratura. Lesões ligamentares ou meniscais podem também
necessitar de cirurgia, pelo que dever-se-á avaliar caso a caso. A decisão
interdisciplinar e informada é determinante para o sucesso. Frequentemente,
vemos reunidos um ortopedista, um radiologista, um especialista em Medicina
Desportiva e um fisioterapeuta, para discussão de casos.
8.
O
exercício físico e o desporto têm um impacto positivo e transformador nas pessoas
e na sociedade. Há com certeza lesões. Todavia, estas são um mal menor em
oposição à inatividade física. São os desportos coletivos que apresentam maior
diversidade e risco de lesões. O futebol e o andebol podem ser atividades de
maior risco. No entanto, há programas de prevenção de lesões como o FIFA 11+
que reduzem drasticamente o risco de lesões. Na globalidade, podemos reduzir em
cerca de 40%. No caso particular das mulheres, podemos prevenir cerca de 50%
das lesões do ligamento cruzado anterior do joelho.
Fonte:
Visão Saude
Nenhum comentário:
Postar um comentário