De Washington a
Xangai: a trajetória de um Brasil(eiro) do FMI ao Banco do BRICS
Muitas das vezes a trajetória de um país nas
relações internacionais acaba se confundindo com a própria trajetória de seus
principais operadores em política externa.
Dada
essa relação verdadeiramente curiosa e peculiar, é possível dizer que boa parte
da história política do Brasil de meados dos anos 2000 refletiu – em certa
medida – os passos do economista Paulo
Nogueira Batista Jr.
Para
efeito de contextualização, Batista Jr. atuou como diretor-executivo pelo
Brasil no Fundo Monetário
Internacional entre
os anos de 2007 e 2015, ocupando posteriormente o cargo de vice-presidente
do Novo Banco de Desenvolvimento –
também conhecido como Banco do BRICS – de 2015 a 2017.
Durante
esses dez anos, o mundo
testemunhou significativas transformações que tiveram efeito não
somente na conjuntura internacional como na própria posição do Brasil no
sistema. A princípio, quando Paulo Nogueira era diretor atuante no FMI, o
Brasil, assim como os demais países do
BRICS,
acabou melhorando sua posição relativa na instituição depois das reformas de
cotas aprovadas em 2008.
Naquele
período, o Brasil já havia consolidado um discurso em torno da redução no
desequilíbrio no poder de voto dos países emergentes no FMI, em contraste com a
posição privilegiada dos países do G7.
Como
Batista Jr. descreve em uma de suas obras principais, "O Brasil não Cabe
no Quintal de Ninguém", o principal empecilho para uma reforma abrangente
no âmbito do FMI era a resistência
dos países europeus à mudança, os quais continuavam agarrados "a
posições e privilégios" que refletiam o peso que eles tinham no passado.
Em
suma, a Europa se via como a principal defensora do status quo institucional baseado em uma realidade inexistente,
dificultando assim a redistribuição do poder decisório para outros centros
econômicos emergentes, como era o caso do Brasil.
Não
por acaso, para Paulo Nogueira a super-representação europeia no FMI tratava-se
de "um problema tão ou mais grave do que o excessivo poder dos
Estados Unidos"
na instituição. Custava à Europa aceitar a realidade de seu declínio econômico
no sistema internacional. Com isto, a insatisfação dos Estados menos
privilegiados ia apenas se acumulando.
Batista
Jr., por sua vez, foi ao mesmo tempo articulista e testemunha de uma cooperação
política cada vez maior entre Brasil,
Rússia, China e Índia dentro do FMI, passando a atuar em conjunto
para a definição de posições comuns.
Dessa
cooperação surgia uma coalização de países que lutavam por uma reforma na
governança financeira internacional, baseada no realinhamento de poder de voto
e de cotas mais justas para as economias emergentes.
Logo,
quando eclode a Crise Financeira de 2008 o próprio G7 como gestor da agenda
financeira global perdeu legitimidade. Aquele era um momento de transformação
sem precedentes no sistema, e o Brasil aproveitou a oportunidade para fazer com que o
G20 –
e não mais o G7 - se tornasse o principal foro para a governança da economia
mundial.
Tal
é a realidade que se faz presente até os dias de hoje. Como se não bastasse, em
2009 Brasil, Rússia, Índia e China decidiam criar o grupo BRIC, dando então
seus primeiros passos na consolidação de uma entidade política que discursava
em prol de um sistema
internacional multipolar e mais representativo.
Tratava-se
de um conjunto de Estados que, nas palavras de Batista Jr., estavam inconformados "com a
atual governança internacional, que tem origem na estrutura de poder que
emergiu depois da Segunda Guerra Mundial".
No
limite, era uma estrutura que consagrava os privilégios das potências europeias
e dos Estados Unidos e que se oporia ferrenhamente a mudanças que pudessem
prejudicar sua hegemonia no sistema. Dada a importância adquirida pelo BRICS para a mudança desse quadro,
em 2011, por iniciativa brasileira, os países do grupo também passaram a se
reunir às margens das discussões do G20.
A
intenção do BRICS, manifestada logo em suas primeiras cúpulas, era atingir uma maior "democratização"
das relações internacionais. Ora, como apontava Paulo Nogueira, os
organismos multilaterais do pós-guerra representados pelas Nações Unidas, o
Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial funcionavam de maneira verdadeiramente
oligárquica.
Todas
essas questões inquietavam não somente o próprio Batista Jr. como também o
Brasil. Diante desse contexto, na Cúpula
de 2014 em Fortaleza, os países do BRICS decidiram anunciar a criação
do Novo Banco de
Desenvolvimento (NBD), a ser sediado em Xangai (na China), voltado
para o financiamento de projetos de infraestrutura e de desenvolvimento
sustentável.
Apontava-se
então para uma mudança no centro de gravidade da política internacional
brasileira, que migrava cada vez mais seu olhar de Washington para Xangai. À época, já estava mais do
que claro que a velha ordem do pós-guerra liderada pelos Estados Unidos e seus
aliados dava lugar a uma configuração de poder multipolar no sistema
internacional, propiciando o surgimento de novas instituições de governança
financeira multilateral.
Não
somente isso, era a primeira vez que o Brasil participava – desta vez como ator
fundamental – da criação de um banco de desenvolvimento com potencial de
alcance global. Para Batista Jr., que assumiria em 2015 o cargo de
vice-presidente da instituição, o Novo
Banco de Desenvolvimento representava a insatisfação do BRICS com a
lentidão nas reformas dos organismos de Bretton Woods, dominados pelo Ocidente.
Tratava-se,
ademais, de uma tentativa dos países emergentes de ganhar mais espaço no
cenário internacional por meio de seus próprios esforços. O Brasil ganhava com
isso, e ao mesmo tempo sinalizava-se para o fortalecimento do
BRICS como um ator global relevante.
Entre
2007 e 2017, portanto, os desenvolvimentos
da política externa brasileira, desde Washington até Xangai, mostravam
que o país não estava realmente satisfeito com sua posição no sistema.
Refletindo o pensamento de Paulo Nogueira Batista Jr., o Brasil era muito
grande para caber no quintal de alguém. Aliás, continua sendo.
Ø
BRICS:
por que cada vez mais Estados declaram interesse em se juntar ao grupo?
A
partir da implementação da operação militar especial russa na Ucrânia, diversos
países manifestaram interesse em aderir ao bloco político. Para entender melhor
a tendência, a Sputnik ouviu o embaixador e emissário da República da África do
Sul no BRICS, Anil Sooklal.
Desde
o início da operação militar especial da Rússia na Ucrânia, em fevereiro de
2022, a arquitetura política global passou a evidenciar suas falhas, é o que
afirma o emissário sul-africano no BRICS (grupo composto por Brasil, Rússia,
Índia, China e África do Sul), Anil Sooklal, quando questionado sobre o que
poderia motivar os novos interesses em relação ao bloco.
Para
Sooklal, a nova onda de demanda surge a partir de Estados mais marginalizados,
do Sul Global, que não são tratados com igualdade pelos países centrais, que
trabalham apenas para a manutenção de sua hegemonia.
"[...]
Acho que cada vez mais os países do Sul Global querem exercer sua
independência, sua soberania e também ter suas vozes ouvidas no cenário global.
E veem o BRICS como o fórum mais receptivo e mais alinhado às suas aspirações
de criar uma comunidade global mais igualitária, inclusiva e justa",
afirma o emissário.
De
acordo com o embaixador, a onda de países emergentes da América Latina, da
África, Oriente Médio e Ásia, que desejam se tornar membros do BRICS, significa
que a defesa da multipolaridade ainda é a maneira mais inclusiva de promover o
desenvolvimento de suas economias na defesa por uma ordem mundial em que suas
vozes podem ecoar para além do que acreditam os Estados hegemônicos.
"Isso
é uma afirmação de que o BRICS tem sido um campeão do Sul Global ao abordar as
questões em torno da arquitetura política global desigual, da arquitetura
financeira e comercial globais, que favorecem o Norte Global. E é por isso que
os países estão dizendo que precisamos de uma mudança nesta arquitetura global
e o BRICS é defensor disso", destacou.
De
acordo com o especialista, somente na África, Argélia, Egito e Tunísia já se
declararam especificamente interessados na adesão ao BRICS e que a expansão do
bloco precisa começar a ser discutida.
O
processo de expansão de um bloco de importância como o BRICS — que reúne os
maiores mercados consumidores do mundo em termos reais quando observados
população e espaço para investimentos — é complexo. Existem modalidades como
membros observadores, membros plenos e países parceiros, mas a elaboração de
como fazer essa importante expansão ainda está em desenvolvimento. Apesar
disso, o Novo Banco de Desenvolvimento (NBD) do BRICS, agora presidido pela
ex-presidente do Brasil, Dilma Rousseff (2011-2016), está um pouco mais
avançado nessa discussão.
"[...]
Através do Novo Banco de Desenvolvimento, já admitimos novos sócios como
membros do banco. Quatro países — Uruguai, Emirados Árabes Unidos, Egito e
Bangladesh — foram admitidos como membros do BRICS no banco. Portanto, a
expansão na instituição financeira do BRICS já ocorreu. Agora, o que se busca
desses países é a associação política com o BRICS", explica Sooklal.
Segundo
o Fundo Monetário Internacional (FMI), os países do BRICS ultrapassaram a
contribuição do G7 (grupo composto por Alemanha, Canadá, Estados Unidos,
França, Itália, Japão e Reino Unido) para o crescimento global já a partir de
2020, o que, na opinião do especialista significa um impacto relevante na
economia mundial.
"Em
termos de produto interno bruto [PIB] e paridade do poder de compra [PPC], o
BRICS agora é maior que o G7. O BRICS representa 31,5% e o G7 30%. Mas se
somarmos os quatro novos membros do NBD ao PIB do BRICS, sobe para 34,5%. Então
você pode ver que o BRICS em sua forma atual está se tornando maior que o G7 e,
está previsto que até 2030, o BRICS será responsável por 50% do PIB global.
Portanto, uma adesão ampliada também aumentará a pegada econômica global do
BRICS", concluiu.
Ø
Kremlin: Rússia vai
participar ativamente da próxima cúpula do BRICS
A
Rússia participará ativamente da próxima cúpula do BRICS, planejando realizar
conversações bilaterais com o país anfitrião, a África do Sul, disse o
porta-voz do presidente russo, Dmitry Peskov.
Anteriormente,
o presidente sul-africano Cyril Ramaphosa comunicou que as autoridades do país
estudaram a possibilidade de se retirar do Tribunal Penal Internacional (TPI).
Mais tarde, a administração presidencial do país negou essas declarações.
Perguntado
sobre como a mudança de opinião dos políticos sul-africanos vai afetar a
possível visita e participação do presidente russo, Vladimir Putin, da cúpula
do BRICS, que se realizará na África do Sul em agosto, Peskov disse:
"A
Rússia é um participante importante e responsável do BRICS. É claro que também
participaremos dos trabalhos da cúpula a ser realizada na África do Sul. É
claro que isso será precedido por nossos contatos bilaterais com os
sul-africanos. Vamos esclarecer a posição deles."
O
porta-voz informou anteriormente que o líder russo recebeu um convite para a
cúpula.
·
Mandado
de prisão de Putin
A
câmara de pré-julgamento do Tribunal Penal Internacional (TPI) emitiu em 17 de
março um mandado de prisão do presidente da Rússia Vladimir Putin e da
provedora russa dos direitos das crianças, Maria Lvova-Belova.
O
TPI acusa as autoridades russas de supostamente "deportarem" crianças
que a Rússia resgatou dos bombardeios ucranianos e levou da zona de guerra para
áreas seguras.
O
Ministério das Relações Exteriores da Rússia declarou que o TPI é uma estrutura
limitada, externa à ONU, da qual muitos Estados não participam.
A
jurisdição do TPI não é reconhecida por países que abrigam mais da metade da
população mundial, inclusive a Rússia, os EUA, a China, a Índia, a Turquia, o
Irã, a Arábia Saudita, a Indonésia, o Egito e outros.
A
representante oficial do Ministério das Relações Exteriores Maria Zakharova
observou que as principais autoridades estatais têm imunidade contra as
decisões do TPI e uma vez que a Rússia nunca fez parte do tribunal e não coopera
com ele, suas ações contra a Rússia são "legalmente nulas e sem
efeito".
Ø
Inflação
em países desenvolvidos estimula conversão para outras moedas, aponta
especialista
As
transações em moedas dos países economicamente desenvolvidos estão se tornando
menos atraentes também devido à contínua alta inflação lá, compartilhou sua
opinião com à Sputnik o especialista em mercado de ações da BCS Mundo de
Investimentos Yevgeny Kalyanov.
Anteriormente,
o ministro das Finanças da Rússia, Anton Siluanov, declarou que mais de 70% dos
pagamentos no comércio entre a Rússia e a China já são feitos em suas moedas
nacionais. O chefe do Ministério das Finanças acrescentou que ainda há um ano
ou dois esse indicador era de 30%.
"A
inflação nos países desenvolvidos está forçando os outros países a pagar em
moedas nacionais", diz Kalyanov.
"À
medida que a dívida dos emissores de moedas nacionais ocidentais cresce em
relação ao produto interno bruto [PIB], suas moedas perdem atratividade. Além
disso, outro motor da transição para transações em moedas nacionais é a alta
demanda por matérias-primas. As mercadorias se tornam respaldo do dinheiro,
substituindo as reservas de ouro. Alguns pagamentos por petróleo e gás já estão
sendo feitos em moedas nacionais, e esses são os bens mais importantes no
processo de desdolarização", acrescentou.
Para
a Rússia, o uso de "moedas regionais fortes" é interessante, e o
melhor exemplo aqui é o yuan, diz Kalyanov.
As
sanções internacionais causam dificuldades à cooperação empresarial com a
China. É necessário aumentar a coordenação entre os países e suas empresas, a
fim de eliminar as dificuldades nas transações comerciais, e para as transações
é necessário criar um banco de compensação para operações em yuans no
território da Rússia, sugere.
Fonte:
Sputnik Brasil
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