quinta-feira, 27 de abril de 2023

De Washington a Xangai: a trajetória de um Brasil(eiro) do FMI ao Banco do BRICS

Muitas das vezes a trajetória de um país nas relações internacionais acaba se confundindo com a própria trajetória de seus principais operadores em política externa.

Dada essa relação verdadeiramente curiosa e peculiar, é possível dizer que boa parte da história política do Brasil de meados dos anos 2000 refletiu – em certa medida – os passos do economista Paulo Nogueira Batista Jr.

Para efeito de contextualização, Batista Jr. atuou como diretor-executivo pelo Brasil no Fundo Monetário Internacional entre os anos de 2007 e 2015, ocupando posteriormente o cargo de vice-presidente do Novo Banco de Desenvolvimento – também conhecido como Banco do BRICS – de 2015 a 2017.

Durante esses dez anos, o mundo testemunhou significativas transformações que tiveram efeito não somente na conjuntura internacional como na própria posição do Brasil no sistema. A princípio, quando Paulo Nogueira era diretor atuante no FMI, o Brasil, assim como os demais países do BRICS, acabou melhorando sua posição relativa na instituição depois das reformas de cotas aprovadas em 2008.

Naquele período, o Brasil já havia consolidado um discurso em torno da redução no desequilíbrio no poder de voto dos países emergentes no FMI, em contraste com a posição privilegiada dos países do G7.

Como Batista Jr. descreve em uma de suas obras principais, "O Brasil não Cabe no Quintal de Ninguém", o principal empecilho para uma reforma abrangente no âmbito do FMI era a resistência dos países europeus à mudança, os quais continuavam agarrados "a posições e privilégios" que refletiam o peso que eles tinham no passado.

Em suma, a Europa se via como a principal defensora do status quo institucional baseado em uma realidade inexistente, dificultando assim a redistribuição do poder decisório para outros centros econômicos emergentes, como era o caso do Brasil.

Não por acaso, para Paulo Nogueira a super-representação europeia no FMI tratava-se de "um problema tão ou mais grave do que o excessivo poder dos Estados Unidos" na instituição. Custava à Europa aceitar a realidade de seu declínio econômico no sistema internacional. Com isto, a insatisfação dos Estados menos privilegiados ia apenas se acumulando.

Batista Jr., por sua vez, foi ao mesmo tempo articulista e testemunha de uma cooperação política cada vez maior entre Brasil, Rússia, China e Índia dentro do FMI, passando a atuar em conjunto para a definição de posições comuns.

Dessa cooperação surgia uma coalização de países que lutavam por uma reforma na governança financeira internacional, baseada no realinhamento de poder de voto e de cotas mais justas para as economias emergentes.

Logo, quando eclode a Crise Financeira de 2008 o próprio G7 como gestor da agenda financeira global perdeu legitimidade. Aquele era um momento de transformação sem precedentes no sistema, e o Brasil aproveitou a oportunidade para fazer com que o G20 – e não mais o G7 - se tornasse o principal foro para a governança da economia mundial.

Tal é a realidade que se faz presente até os dias de hoje. Como se não bastasse, em 2009 Brasil, Rússia, Índia e China decidiam criar o grupo BRIC, dando então seus primeiros passos na consolidação de uma entidade política que discursava em prol de um sistema internacional multipolar e mais representativo.

Tratava-se de um conjunto de Estados que, nas palavras de Batista Jr., estavam inconformados "com a atual governança internacional, que tem origem na estrutura de poder que emergiu depois da Segunda Guerra Mundial".

No limite, era uma estrutura que consagrava os privilégios das potências europeias e dos Estados Unidos e que se oporia ferrenhamente a mudanças que pudessem prejudicar sua hegemonia no sistema. Dada a importância adquirida pelo BRICS para a mudança desse quadro, em 2011, por iniciativa brasileira, os países do grupo também passaram a se reunir às margens das discussões do G20.

A intenção do BRICS, manifestada logo em suas primeiras cúpulas, era atingir uma maior "democratização" das relações internacionais. Ora, como apontava Paulo Nogueira, os organismos multilaterais do pós-guerra representados pelas Nações Unidas, o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial funcionavam de maneira verdadeiramente oligárquica.

Todas essas questões inquietavam não somente o próprio Batista Jr. como também o Brasil. Diante desse contexto, na Cúpula de 2014 em Fortaleza, os países do BRICS decidiram anunciar a criação do Novo Banco de Desenvolvimento (NBD), a ser sediado em Xangai (na China), voltado para o financiamento de projetos de infraestrutura e de desenvolvimento sustentável.

Apontava-se então para uma mudança no centro de gravidade da política internacional brasileira, que migrava cada vez mais seu olhar de Washington para Xangai. À época, já estava mais do que claro que a velha ordem do pós-guerra liderada pelos Estados Unidos e seus aliados dava lugar a uma configuração de poder multipolar no sistema internacional, propiciando o surgimento de novas instituições de governança financeira multilateral.

Não somente isso, era a primeira vez que o Brasil participava – desta vez como ator fundamental – da criação de um banco de desenvolvimento com potencial de alcance global. Para Batista Jr., que assumiria em 2015 o cargo de vice-presidente da instituição, o Novo Banco de Desenvolvimento representava a insatisfação do BRICS com a lentidão nas reformas dos organismos de Bretton Woods, dominados pelo Ocidente.

Tratava-se, ademais, de uma tentativa dos países emergentes de ganhar mais espaço no cenário internacional por meio de seus próprios esforços. O Brasil ganhava com isso, e ao mesmo tempo sinalizava-se para o fortalecimento do BRICS como um ator global relevante.

Entre 2007 e 2017, portanto, os desenvolvimentos da política externa brasileira, desde Washington até Xangai, mostravam que o país não estava realmente satisfeito com sua posição no sistema. Refletindo o pensamento de Paulo Nogueira Batista Jr., o Brasil era muito grande para caber no quintal de alguém. Aliás, continua sendo.

 

Ø  BRICS: por que cada vez mais Estados declaram interesse em se juntar ao grupo?

 

A partir da implementação da operação militar especial russa na Ucrânia, diversos países manifestaram interesse em aderir ao bloco político. Para entender melhor a tendência, a Sputnik ouviu o embaixador e emissário da República da África do Sul no BRICS, Anil Sooklal.

Desde o início da operação militar especial da Rússia na Ucrânia, em fevereiro de 2022, a arquitetura política global passou a evidenciar suas falhas, é o que afirma o emissário sul-africano no BRICS (grupo composto por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), Anil Sooklal, quando questionado sobre o que poderia motivar os novos interesses em relação ao bloco.

Para Sooklal, a nova onda de demanda surge a partir de Estados mais marginalizados, do Sul Global, que não são tratados com igualdade pelos países centrais, que trabalham apenas para a manutenção de sua hegemonia.

"[...] Acho que cada vez mais os países do Sul Global querem exercer sua independência, sua soberania e também ter suas vozes ouvidas no cenário global. E veem o BRICS como o fórum mais receptivo e mais alinhado às suas aspirações de criar uma comunidade global mais igualitária, inclusiva e justa", afirma o emissário.

De acordo com o embaixador, a onda de países emergentes da América Latina, da África, Oriente Médio e Ásia, que desejam se tornar membros do BRICS, significa que a defesa da multipolaridade ainda é a maneira mais inclusiva de promover o desenvolvimento de suas economias na defesa por uma ordem mundial em que suas vozes podem ecoar para além do que acreditam os Estados hegemônicos.

"Isso é uma afirmação de que o BRICS tem sido um campeão do Sul Global ao abordar as questões em torno da arquitetura política global desigual, da arquitetura financeira e comercial globais, que favorecem o Norte Global. E é por isso que os países estão dizendo que precisamos de uma mudança nesta arquitetura global e o BRICS é defensor disso", destacou.

De acordo com o especialista, somente na África, Argélia, Egito e Tunísia já se declararam especificamente interessados na adesão ao BRICS e que a expansão do bloco precisa começar a ser discutida.

O processo de expansão de um bloco de importância como o BRICS — que reúne os maiores mercados consumidores do mundo em termos reais quando observados população e espaço para investimentos — é complexo. Existem modalidades como membros observadores, membros plenos e países parceiros, mas a elaboração de como fazer essa importante expansão ainda está em desenvolvimento. Apesar disso, o Novo Banco de Desenvolvimento (NBD) do BRICS, agora presidido pela ex-presidente do Brasil, Dilma Rousseff (2011-2016), está um pouco mais avançado nessa discussão.

"[...] Através do Novo Banco de Desenvolvimento, já admitimos novos sócios como membros do banco. Quatro países — Uruguai, Emirados Árabes Unidos, Egito e Bangladesh — foram admitidos como membros do BRICS no banco. Portanto, a expansão na instituição financeira do BRICS já ocorreu. Agora, o que se busca desses países é a associação política com o BRICS", explica Sooklal.

Segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI), os países do BRICS ultrapassaram a contribuição do G7 (grupo composto por Alemanha, Canadá, Estados Unidos, França, Itália, Japão e Reino Unido) para o crescimento global já a partir de 2020, o que, na opinião do especialista significa um impacto relevante na economia mundial.

"Em termos de produto interno bruto [PIB] e paridade do poder de compra [PPC], o BRICS agora é maior que o G7. O BRICS representa 31,5% e o G7 30%. Mas se somarmos os quatro novos membros do NBD ao PIB do BRICS, sobe para 34,5%. Então você pode ver que o BRICS em sua forma atual está se tornando maior que o G7 e, está previsto que até 2030, o BRICS será responsável por 50% do PIB global. Portanto, uma adesão ampliada também aumentará a pegada econômica global do BRICS", concluiu.

 

Ø  Kremlin: Rússia vai participar ativamente da próxima cúpula do BRICS

 

A Rússia participará ativamente da próxima cúpula do BRICS, planejando realizar conversações bilaterais com o país anfitrião, a África do Sul, disse o porta-voz do presidente russo, Dmitry Peskov.

Anteriormente, o presidente sul-africano Cyril Ramaphosa comunicou que as autoridades do país estudaram a possibilidade de se retirar do Tribunal Penal Internacional (TPI). Mais tarde, a administração presidencial do país negou essas declarações.

Perguntado sobre como a mudança de opinião dos políticos sul-africanos vai afetar a possível visita e participação do presidente russo, Vladimir Putin, da cúpula do BRICS, que se realizará na África do Sul em agosto, Peskov disse:

"A Rússia é um participante importante e responsável do BRICS. É claro que também participaremos dos trabalhos da cúpula a ser realizada na África do Sul. É claro que isso será precedido por nossos contatos bilaterais com os sul-africanos. Vamos esclarecer a posição deles."

O porta-voz informou anteriormente que o líder russo recebeu um convite para a cúpula.

·         Mandado de prisão de Putin

A câmara de pré-julgamento do Tribunal Penal Internacional (TPI) emitiu em 17 de março um mandado de prisão do presidente da Rússia Vladimir Putin e da provedora russa dos direitos das crianças, Maria Lvova-Belova.

O TPI acusa as autoridades russas de supostamente "deportarem" crianças que a Rússia resgatou dos bombardeios ucranianos e levou da zona de guerra para áreas seguras.

O Ministério das Relações Exteriores da Rússia declarou que o TPI é uma estrutura limitada, externa à ONU, da qual muitos Estados não participam.

A jurisdição do TPI não é reconhecida por países que abrigam mais da metade da população mundial, inclusive a Rússia, os EUA, a China, a Índia, a Turquia, o Irã, a Arábia Saudita, a Indonésia, o Egito e outros.

A representante oficial do Ministério das Relações Exteriores Maria Zakharova observou que as principais autoridades estatais têm imunidade contra as decisões do TPI e uma vez que a Rússia nunca fez parte do tribunal e não coopera com ele, suas ações contra a Rússia são "legalmente nulas e sem efeito".

 

Ø  Inflação em países desenvolvidos estimula conversão para outras moedas, aponta especialista

 

As transações em moedas dos países economicamente desenvolvidos estão se tornando menos atraentes também devido à contínua alta inflação lá, compartilhou sua opinião com à Sputnik o especialista em mercado de ações da BCS Mundo de Investimentos Yevgeny Kalyanov.

Anteriormente, o ministro das Finanças da Rússia, Anton Siluanov, declarou que mais de 70% dos pagamentos no comércio entre a Rússia e a China já são feitos em suas moedas nacionais. O chefe do Ministério das Finanças acrescentou que ainda há um ano ou dois esse indicador era de 30%.

"A inflação nos países desenvolvidos está forçando os outros países a pagar em moedas nacionais", diz Kalyanov.

"À medida que a dívida dos emissores de moedas nacionais ocidentais cresce em relação ao produto interno bruto [PIB], suas moedas perdem atratividade. Além disso, outro motor da transição para transações em moedas nacionais é a alta demanda por matérias-primas. As mercadorias se tornam respaldo do dinheiro, substituindo as reservas de ouro. Alguns pagamentos por petróleo e gás já estão sendo feitos em moedas nacionais, e esses são os bens mais importantes no processo de desdolarização", acrescentou.

Para a Rússia, o uso de "moedas regionais fortes" é interessante, e o melhor exemplo aqui é o yuan, diz Kalyanov.

As sanções internacionais causam dificuldades à cooperação empresarial com a China. É necessário aumentar a coordenação entre os países e suas empresas, a fim de eliminar as dificuldades nas transações comerciais, e para as transações é necessário criar um banco de compensação para operações em yuans no território da Rússia, sugere.

 

Fonte: Sputnik Brasil

 

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