Como a cor da água
determina o tom de tudo o que vemos
–
Veja, mamãe! Posso ver você através da água!
–
Filho, isso acontece porque a água é quase transparente.
–
E por que não posso ver quando olho através de um copo de leite?
–
Porque a água é tão especial que é nela que nós vivíamos, bilhões de anos
atrás...
É
claro que você já se perguntou alguma vez, da mesma forma que esta criança
fictícia, por que alguns objetos têm certas cores e outros têm cores
diferentes. Ou por que algumas coisas são quase transparentes, como a água.
A
resposta a esta pergunta está relacionada ao olho humano, à água e, sobretudo,
a algo fascinante: nossos antepassados de bilhões de anos atrás.
Talvez
não seja uma explicação simples, que a criança fictícia possa entender. Mas a
BBC News Mundo – o serviço em espanhol da BBC – procurou o físico espanhol
Alberto Aparici para decifrá-la.
• Luz visível
Nossa
viagem em busca das respostas começa com um ponto básico: em que consiste a
luz, que nos permite ver o que há à nossa volta.
A
luz, ou luz visível, é a parte da radiação eletromagnética que é transmitida em
forma de ondas e pode ser percebida pelo olho humano.
Dentro
das ondas eletromagnéticas, existe todo um espectro ou classificação de acordo
com o chamado comprimento de onda, ou seja, a distância entre os picos de cada
onda.
É
desta forma que dividimos o espectro eletromagnético, do maior comprimento de
onda para o menor, em ondas de rádio, micro-ondas, infravermelho, luz visível,
ultravioleta, raios X e raios gama.
“Quanto
menor o comprimento de onda, mais energia ela contém e, por isso, pode produzir
efeitos físicos mais importantes”, explica Aparici. “Elas podem causar mais
danos, no caso de seres vivos, ou queimar mais, no caso de materiais.”
Por
isso é que, por exemplo, enquanto as ondas de rádio e as micro-ondas são
praticamente inofensivas para os seres humanos, os raios X e os raios gama
podem ser prejudiciais.
Sabemos
que podemos enxergar em outras faixas, por exemplo, com equipamentos como o de
raio X. Mas, quando o assunto é o olho humano, só podemos contar com a faixa de
luz visível.
Mas
Alberto Aparici esclarece que “não existe uma fronteira física entre uma faixa
e outra. A fronteira é definida pelos nossos olhos, pelo que conseguimos ver.”
E, dentro da reduzida faixa que os nossos olhos são capazes de observar,
definimos um espectro de cores similar ao que entendemos como arco-íris.
Isaac
Newton foi o primeiro a explicar o espectro visível. Ele se atreveu a dividi-lo
em sete cores: vermelho, laranja, amarelo, verde, azul, anil e violeta. Por
isso, não é de se estranhar que, no espectro eletromagnético, existam duas
faixas com nomes referentes às cores nos dois extremos da luz visível – o
infravermelho e o ultravioleta.
• As cores refletidas
Neste
ponto, você com certeza irá se perguntar: se dois objetos recebem a mesma luz
visível, por que vemos um de uma cor e o outro, de cor diferente?
“Quando
um objeto recebe a luz, ele absorve algumas cores e reflete outras”, explica
Aparici. “Isso tem a ver com a estrutura interna dos átomos que compõem o
objeto. E a cor que você vê é definida pelas cores que ele não absorve.”
Se
temos um livro azul, por exemplo, é porque, na sua composição, ele absorve
todos os tons vermelhos e verdes, mas reflete o azul ou violeta.
E,
se observarmos uma banana com a cor amarela, isso significa que a sua estrutura
faz com que ela absorva a cor azul, refletindo o verde e o vermelho que nos
fazem ver o amarelo, quando sobrepostos.
Explicado
o motivo das cores que observamos, precisamos agora colocar roupas de banho
para entrar na água.
• Transparente ou azul?
Se
observarmos um copo de água sem impurezas, podemos verificar que ela é incolor,
ou transparente. Mas, se olharmos para o mar, tudo muda. A maioria das pessoas
irá concordar que ele tem um tom azul ou, às vezes, verde.
A
explicação da transparência é que “a água, por ser líquida, permite que a luz a
atravesse”, segundo Aparici.
“Nos
objetos sólidos, aos quais estamos acostumados, existe todo tipo de superfície
interna que a luz encontra e acaba se refletindo – e gerando cores para a nossa
visão. Na água, a luz entra, não é absorvida, mas também não é refletida. A luz
simplesmente atravessa a água”, explica o físico.
Mas,
quando a água se apresenta em grandes quantidades, outros fatores entram em
jogo.
Em
relação ao mar, com sete ou oito metros de profundidade, a água é capaz de
absorver a cor vermelha, enquanto o azul chega a profundidades maiores sem ser
absorvido, nem refletido.
Nós
vemos o mar na cor azul porque as impurezas existentes são capazes de fazer
refletir a única cor que sobra, que é o azul.
Se
houvesse uma grande massa de água totalmente imóvel e sem impurezas, veríamos o
fundo – a não ser que ela fosse tão grande que também pudesse absorver a cor
azul, o que faria com que a víssemos na cor preta.
• Ver debaixo d’água
A
transparência da água pode parecer algo natural. Mas, se olharmos para o
espectro eletromagnético, iremos perceber que ela só é verificada na luz
visível.
No
ultravioleta e no infravermelho, a água não é nada transparente, já que absorve
as cores com muita facilidade. E é exatamente esta particularidade que explica
como é fascinante a nossa evolução.
Quando
éramos apenas bactérias unicelulares e vivíamos debaixo d’água, mais de três
bilhões de anos atrás, a luz começou a tornar-se um elemento essencial.
“Porque
grande parte dos nossos antepassados vivia graças à luz, seja porque eles
faziam fotossíntese, como as plantas hoje em dia, ou porque se moviam em
lugares onde alguém os iria comer se os visse”, explica Aparici.
“Para
estes seres, interessava saber onde havia luz e onde não havia. Os que fossem
fotossintéticos queriam ir para a luz e os que queriam fugir dos predadores
iriam para o escuro se esconder.”
Essas
bactérias desenvolveram uma espécie de órgãos ou sensores para detectar a
origem da luz. E esses sensores só conseguiam funcionar na única faixa do
espectro em que a água é quase transparente e a luz chegava até eles, ou seja,
na faixa de luz visível.
Esta
necessidade de poder deslocar-se pela água foi o que levou nossos ancestrais
unicelulares a desenvolver os chamados proto-olhos. Mas estes sensores de luz
evoluíram de tal forma que se calcula que, pelo menos 550 milhões de anos
atrás, já existiam as primeiras versões dos olhos animais.
Por
isso, se você hoje pode ver um tomate vermelho ou uma planta verde, é graças
aos seus antepassados unicelulares, que apostaram sua sobrevivência naquela
pequena faixa em que a água é quase transparente.
Fonte:
BBC News Mundo
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