‘Apoie os Ianomami.
Não compre ouro brasileiro’: entrevista com o líder indígena Júnior Hekurari
Yanomami
Perguntado
se tinha um recado para o mundo, Júnior Hekurari Yanomami foi enfático: “Não
compre ouro brasileiro”. Júnior, 36 anos, morador da comunidade Surucucu, na
Terra Indígena Yanomami, conversou com a Mongabay em um hotel perto da Avenida
Paulista, em São Paulo.
Lar
de cerca de 27 mil indígenas, a TI Yanomami está sofrendo uma grave crise humanitária, impulsionada pelo
garimpo ilegal de ouro, facilitado e encorajado durante o governo do
ex-presidente de extrema-direita Jair Bolsonaro.
Luiz
Inácio Lula da Silva, que assumiu a presidência no início de janeiro para um
terceiro mandato, elegeu como prioridades máximas a remoção de garimpeiros
ilegais do território e a identificação e responsabilização dos investidores do
garimpo.
O
território Yanomami serve como um teste decisivo para a ousada agenda climática
de Lula. Desde fevereiro, autoridades federais lideraram sucessivas operações
de repressão, destruindo valiosos equipamentos de mineração e fazendo prisões.
Enquanto
muitos garimpeiros ilegais abandonaram o local – muitas vezes para os países
vizinhos Venezuela, Suriname e Guiana, ou outros estados brasileiros, como o
Pará –, Júnior diz que muitos estão apenas ganhando tempo antes de invadir o
território Yanomami novamente.
A
Mongabay entrevistou Júnior na mesma semana em que uma investigação da Associated Press revelou o uso
dos satélites Starlink, de Elon Musk, no território, o que provou ser uma
benção para os garimpeiros ilegais.
A
internet portátil de alta potência permite que as máfias da mineração mantenham
contato, avisem sobre batidas policiais e enviem dinheiro remotamente,
refletindo a natureza cada vez mais high-tech do atual boom da mineração ilegal
no Brasil.
O
território Yanomami tem o tamanho de Portugal e só é acessível, em termos
práticos, por via aérea. Júnior culpou empresários altamente capitalizados no
estado de Roraima por serem os líderes do esquema de mineração ilegal.
Ao
deixar bem claro que não sente pena dos garimpeiros ilegais, muitas vezes
pobres e sem instrução e “usados” pelos empresários, Júnior lembrou que “Terras
Indígenas não são gabinetes de emprego” e admitiu que soluções sustentáveis de
emprego a longo prazo ajudariam.
O
jovem líder recentemente lançou uma campanha durante a entrega do Oscar, “O
Custo do Ouro”, para aumentar a sensibilização sobre as origens muitas vezes
obscuras do metal, bem como a situação atual dos Yanomami.
Diferente
da tradicional estatueta folheada a ouro, 20 indicados à maior premiação do
cinema receberam uma figura de madeira de Omama, uma divindade Yanomami.
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Esta entrevista foi editada para fins de concisão e clareza.
·
Qual foi a ideia da campanha no Oscar?
Júnior
Hekurari Yanomami: Na verdade, foi uma sugestão de algumas pessoas da minha
equipe. Eu pensei que era uma ótima ideia. Sensibilizar os atores mais
conhecidos do mundo. O Oscar tem ouro. Sabemos que toneladas de ouro saem da
Amazônia ilegalmente para outros países e queremos mostrar ao mundo que esse
ouro tem o sangue de famílias que sofreram. Por isso, abordamos grandes
artistas e grandes atores para podermos ter esse diálogo e dizer a eles: “Você
não precisa de ouro”. Para nós, para tirar esse ouro, sofremos muito. Vidas
perdidas, mães sofreram.
·
Como você avalia os esforços do governo Lula para
livrar a terra Yanomami dos garimpeiros ilegais até agora?
Júnior
Hekurari Yanomami: Tem um simbolismo muito forte. Estamos otimistas. O governo
Lula decretou o acompanhamento e proteção da terra Yanomami. Já a Polícia
Federal e o Ibama realizaram grandes operações e retirou muitos garimpeiros
ilegais da Terra Indígena Yanomami. Agora cabe a nós reorganizar as
comunidades. Para nós garantir liberdade, eventos culturais nas comunidades e
garantir o futuro das crianças.
·
A última eleição foi muito apertada. Você tem medo que
uma mudança de governo em 2026 – ou talvez o aumento da instabilidade política
– possa acelerar a destruição de novo?
Júnior
Hekurari Yanomami: Temos medo porque já pedimos essa proteção territorial
[durante o governo Bolsonaro]. A política muda muito. Quem vai ser presidente
em 2026? Pode ser que as pessoas queiram um diferente. A eleição pode mudar
tudo, e aí ficamos desprotegidos de novo. Bolsonaro nos deixou desprotegidos.
Estamos preocupados que pode acontecer de novo: incentivo à entrada de
garimpeiros, cortes nos órgãos de fiscalização, cortes nos recursos para a
saúde indígena.
·
O que os Yanomami podem fazer para curar a terra?
Júnior
Hekurari Yanomami: A destruição é enorme; levará 20 ou 30 anos para voltar.
Precisamos de políticas públicas, o governo tem que fazer um projeto para tirar
o mercúrio dos rios. Até a nascente dos rios foi destruída.
·
O que há de diferente na invasão de hoje em comparação
com a invasão na década de 1980?
Júnior
Hekurari Yanomami: As máquinas e a tecnologia que eles usam hoje são muito mais
potentes. Os peixes estavam se recuperando bem [da última invasão], mas hoje
depois da nova invasão não tem mais.
·
O que você acha do fato de que as autoridades tenham
aprendido equipamentos da Starlink na posse de garimpeiros ilegais nas terras
Yanomami?
Júnior
Hekurari Yanomami: O próprio governo não tem essa tecnologia, mas os
garimpeiros tem. Ai a gente pergunta, como pode ser isso?
·
Os garimpeiros ilegais estão realmente saindo ou apenas
se indo mais profundo no território?
Júnior
Hekurari Yanomami: A gente tem informação que eles estão saindo, mas vão invadir
de novo. Eles sabem que essas operações não serão permanentes. Então, estamos
reivindicando um posto permanente da Funai e do Ibama nas comunidades. Outros
foram para a Venezuela — dá até para ver helicópteros trazendo garimpeiros de
lá — enquanto outros foram para outros estados como o Pará para invadir terras
indígenas de lá.
·
Quem financia o garimpo ilegal na terra Yanomami?
Júnior
Hekurari Yanomami: São 80 a 120 voos diários para a terra Yanomami levando as
pessoas para buscar ouro, para deixar comida, combustível e insumos para os
garimpeiros, para eles destruírem ainda mais a floresta. Não é uma pessoa pobre
que está fazendo isso. Os empresários prometem dinheiro a eles [garimpeiros
ilegais], que eles vão ficar ricos. Mas são os empresários com helicópteros e
aviões que estão ficando ricos.
·
Os preços do ouro estão altos por causa da
instabilidade global causada pela guerra na Ucrânia, o que significa que as
máfias mineradoras tentarão a sorte em terras indígenas. O que precisa ser
feito a médio e longo prazo para evitar outra tragédia?
Júnior
Hekurari Yanomami: Terras Indígenas não são gabinetes de empregos. O governo
tem que criar outras alternativas de emprego para essas pessoas que estão
invadindo.
·
Você tem um recado para o mundo, para o público que
está lendo essa entrevista?
Júnior
Hekurari Yanomami: Apoie o povo Yanomami e não compre ouro do Brasil.
Fonte:
Mongabay
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