segunda-feira, 3 de abril de 2023

Adhemar Bahadian: O in(v)(f)erno do neoliberalismo e a resistência da Democracia

Você pode escolher à vontade. Desde as manifestações contra a reforma previdenciária na França até a surpreendente revolta popular em Israel. Em ambas, e em muitas outras passadas e futuras, há a clara indicação do esgotamento do modelo neoliberal como fórmula aceitável de convivência social e de progresso econômico.

Até aí não há novidade, pois, o sacrossanto sistema financeiro internacional mostra sinais de esgotamento nervoso e provoca reações de suspeita e temor nos poupadores ou simples correntistas de bancos anteriormente julgados acima de qualquer suspeita, como os suíços e talvez muito proximamente os alemães.

Instala-se de forma cada vez mais endêmica uma óbvia tentativa de estimular saídas deste nó górdio pelo estímulo à opção totalitária ou pelo menos antidemocrática. O caso de Israel parece didático.

A tentativa de modificar as regras de composição e atuação da Suprema Corte de Israel, em muito lembra o mesmo coro desafinado recentemente no Brasil.

Em que pese a celebrada experiência e vivência política de Benjamin Netanyahu, não há como não ver em suas arriscadas manobras políticas o mesmo caldo de cultura já identificado em países comprometidos com o novo eixo autoritário de governança. Eixo a lembrar a aliança nazifascista dos anos 30 do século passado.

A tentativa de opção autoritária em Israel foi maciçamente rejeitada por amplo escopo político-popular em que partidos de centro-direita, direita e esquerda se uniram em manifestações populares resistentes ao aparato repressor policial.

Mais até: as Forças Armadas se opuseram claramente ao golpismo escancarado de Netanyahu, da mesma formaanteriormente enfatizada pelo Exército dos Estados Unidos, quando Trump pretendeu golpear as instituições democráticas nas eleições de 2021.

O que se torna mais transparente neste final de quase 40 anos de uma ideologia neoliberal astuciosa é a falência do pensamento mágico trazido por Reagan-Thatcher de que o mercado é dotado de mecanismo autoregulador e que a supervisão ou o disciplinamento do Estado é desnecessária ou contraproducente.

O que estamos a ver no chamado eixo da extrema direita, hoje ainda atiçado por ideólogos como o patético Steve Bannon, é a defesa não da Democracia e de seus clássicos mecanismos institucionais, mas a pregação pouco evangélica de retorno a um autoritarismo em que o líder carismático se sobrepõe a todo e qualquer controle democrático, sobretudo de um sistema judicial independente.

O pleito de Benjamin Netanyahu é ridiculamente ostensivo em sua proposta de transformar o judiciário num segmento auxiliar do Executivo.

Ao falar em risco de guerra-civil, Netanyahu atravessa a linha vermelha da soberania nacional e salpica no inconsciente coletivo o temor de ainda maior desarranjo político numa das áreas geopolíticas mais sensíveis do planeta.

A reação de Biden à manobra não poderia ser mais contundente, mas talvez será a diáspora judaica a que promoverá reações mais definitivas ao conluio de um Bibi com uma extrema direita fundamentalista religiosa e politicamente. Esquecida dos ideais democráticos dos grandes líderes fundadores de Israel, comprometidos com a convivência com uma Palestina independente.

A síntese que acabo de recordar, nos permite identificar os riscos que corremos os democratas nesta entressafra onde o neoliberalismo não morreu e o sucedâneo, qualquer que seja sua denominação, ainda não surgiu.

Em particular, há dois aspectos contraditórios em ebulição. O primeiro deles é a tentativa de impingir como democrático um regime autocrático como o vigente na Hungria. Outro, mais pernicioso ainda, e que surge, aqui e ali, como recidiva de doença maligna em certos setores da "inteligência" brasileira, é a defesa de um governo autocrático, com um Judiciário castrado, para impedir a sempre temida instalação no país de um regime comunista ou ateu. Fantasia do porte, porém sem o charme, do Sebastianismo em Portugal.

Qualquer das duas posições seja a de Viktor Orban, Erdogan, ou outros aprendizes de feiticeiros, seja a de um neo-imperador nativo iluminado, teria como consequência natural a inconstitucionalidade fragrante diante da Constituição de 1988. Alternativa subversiva a 2018 que, nos Estados Unidos da América, levou ao fim do "american way of life”.

A superposição de crise neoliberal e Pandemia aprofunda mecanismos de retração civilizacional com a rejeição a imigrantes, o agravamento da discriminação racial e quebra de valores tradicionais de solidariedade, agravada pelo crescente desnível de renda entre segmentos sociais.

Hoje, nos encontramos nesta disjuntiva: um projeto larvar de retorno ao autoritarismo de colorido totalitário ou a determinada convicção de que apenas a superação dos mecanismos esterilizantes do neoliberalismo poderá restabelecer uma sociedade convivial.

Minha impressão - sem ufanismo descabido - é a de que o Brasil talvez seja um dos países mais equipados social e materialmente para sair do impasse aparentemente insuperável em que nos encontramos. Mais até: um dos poucos com uma retaguarda climática, energética, territorial e agrícola expressiva a respaldar uma diplomacia com uma visão do futuro do planeta Terra, em que a expressão “Nações Unidas” não designaria apenas a sede de um organismo internacional à beira do East River, em Nova Yorque.

Para tanto, será necessário em primeiro lugar nos pautarmos pelos direitos e deveres inscritos em nossa Constituição de 1988, em especial na construção cotidiana do Estado de Bem-Estar Social, nossa meta maior. Em segundo lugar, mas tão importante quanto o primeiro, será lembrar que estamos todos no mesmo avião e que na hora da turbulência o caviar da primeira classe regurgita igual ao pão dormido da moçada.

 

       Mercado ‘São Tomé’ quer ver para crer. Por Gilberto Menezes Côrtes

 

O último dia de formação da taxa de câmbio (Ptax) distorce um pouco as cotações do dólar comercial. As a reação do mercado de dólar na quinta(30), no dia seguinte à 1ª apresentação das linhas mestras do arcabouço fiscal pelos ministros da Fazenda, Fernando Haddad, e do Planejamento e Gestão, Simone Tebet, mostrou a menor cotação do ano (R$ 5,07%, na 6ª jornada seguida de baixa). Há de imediato, a percepção de que o Banco Central, mesmo com o terreno mais firme na área fiscal, não pretende tão cedo baixar a Selic.

Como a taxa básica de juros no país estará em 13,75% ao ano até 3 de maio, dia em que o Federal Open Market Committee, do Federal Reserve (o BC dos Estados Unidos), dirá se a taxa básica do dólar será mantida nos atuais 4,75%-5,00% ao ano, ou subirá 0,25 ponto percentual, o mercado ficou mais confiante de que nos próximos 30 dias haverá grande vantagem em trazer dólares para o Brasil. Salvo um cataclisma, os ganhos estão garantidos.

Assim, os bilhões de dólares mantidos em “off-shores” de paraísos fiscais por brasileiros vêm fazer “turismo financeiro” no mercado brasileiro que paga as maiores taxas de juros reais entre os mercados de moeda confiáveis (Argentina, Venezuela e Turquia, estão excluídos, claro, assim como a Rússia).

•        Sem querer, querendo

A análise de algumas das principais instituições financeiras sobre o arcabouço fiscal tem mais condicionantes do que apoios. Quase todos foram bem surpreendidos com a exposição de Haddad e Simone Tebet. Em situações intermediárias de crescimento econômico, a variação real dos gastos públicos será 70% da variação real da receita líquida.

Os gastos com saúde, educação e emendas parlamentares individuais voltarão a crescer conforme o desempenho da receita, em linha com as regras previstas na Constituição, mas devem respeitar o limite total de gasto anual. A principal dúvida é se este ajuste das contas públicas, baseado sobretudo no crescimento das receitas, será viável tendo em vista a elevada carga tributária e natural resistência do Congresso em elevar impostos ou cortar benefícios fiscais.

Parece evidente que o governo aposta, sobretudo, no crescimento da economia, que faz a toda a roda da produção e da renda (emprego) crescerem e acomodar os problemas. Por isso, há tanta zanga quanto ao freio de mão dos juros puxado pelo Banco Central.

A reação do Congresso será sentida semana que vem (antes do recesso da Páscoa), quando Haddad detalhar medidas para reforçar a arrecadação, extinguindo desonerações e benefícios fiscais a determinados segmentos. Haddad citou a necessidade de incluir na arrecadação federal as atividades e os setores que pagam pouco ou nenhum imposto, além de reduzir os benefícios fiscais. O Secretário do Tesouro Nacional comentou que estas medidas somarão R$ 100 bilhões e que impactarão as contas públicas de forma permanente. Os primeiros efeitos ocorrerão neste ano e no próximo.

Na próxima semana, o governo envia à Câmara Federal o projeto de lei complementar que estabelece o novo arcabouço fiscal. A principal dúvida é se este ajuste das contas públicas, baseado principalmente no crescimento das receitas, será viável tendo em vista a elevada carga tributária e natural resistência do Congresso em elevar impostos ou cortar benefícios fiscais.

•        Mais um alarme não acorda o BC

Confesso ter sono pesado. Nem sempre desligo o despertador de véspera. Quando toca de manhã, acorda a minha mulher, que fica aborrecida. Mas em matéria de insensibilidade, o Banco Central me supera. Em muito. E prejudica a todos que querem investir, produzir e consumir sem se enforcar nos “juros pornográficos”, como define o presidente da Fiesp, Josué Gomes da Silva.

Ainda às voltas com a falta de componentes, mas, sobretudo, por falta de demanda, a Volkswagen vai ampliar as férias coletivas de seus trabalhadores, nas fábricas de motores e automóveis em São Carlos e Taubaté, respectivamente, em São Paulo. Os pátios estão cheios por culpa dos juros altos, que inibem os financiamentos. O novo período de férias coletivas começará no início de abril (vale dizer, desde amanhã).

O encalhe de produtos se espalha por várias cadeias produtivas, devido à redução das vendas do comércio, porque as famílias, já endividadas, resistem aos juros altos, mas o Banco Central não acorda e acha que assim vai atingir a meta de inflação de 2024 (a deste ano está perdida, como as de 2021 e 2022).

 

 

Fonte: Jornal da Brasil

 

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