A região onde as
pessoas tomam cerveja no café da manhã
Estamos
em um sábado de manhã, mas parece sexta-feira à noite no bar e restaurante
Gaststätte Großmarkthalle, na zona sul de Munique, na Alemanha. Seus salões
revestidos de madeira estão repletos de gente, garçonetes com roupas típicas
carregam bandejas cheias de bebidas e a freguesia aumenta lentamente.
O
local atrai uma multidão em busca de um clássico café da manhã da Baviera: o
Weißwurstfrühstück - literalmente, "café da manhã com salsicha
branca". A refeição consiste na salsicha branca que originou seu nome,
acompanhada de pretzels macios e mostarda doce - tudo regado a cerveja de
trigo.
Muitos
lugares em todo o mundo mantêm tradições matinais próprias.
Em
Lyon, na França, as pessoas comem miúdos com vinho às nove horas da manhã. Em
Van, na Turquia, o café da manhã típico tem nove pratos. Em Trang, na
Tailândia, não é raro dirigir-se a um restaurante em busca do tradicional dim
sum antes do nascer do sol.
E,
na Baviera, o Estado no sul da Alemanha conhecido pelos seus trajes
tradicionais e pela folia da Oktoberfest, este costume culinário reflete a
alegria local de viver.
"O
Weißwurstfrühstück é mais do que apenas uma refeição; é uma desculpa para uma
reunião informal quando é tarde demais para o café e cedo demais para o
almoço", afirma Frauke Rothschuh, da secretaria de Turismo de Munique.
Segundo ela, as pessoas costumam ficar apreciando o ambiente e, é claro, a
cerveja.
O
café da manhã típico pode ser encontrado em toda a cidade de Munique, mas o
Gaststätte Großmarkthalle aparece constantemente entre os lugares mais bem
avaliados da região. Dois irmãos, Ludwig Wallner e Gabi Walter, administram o
restaurante desde que assumiram o negócio do pai, em 1999.
"Não
mudou muito nos 55 anos [em que minha família está] na administração",
afirma Wallner.
A
decoração é simples e funcional. Luminárias de ferro fundido ficam penduradas
no teto em formato de abóboda e porta-copos de cerveja substituem as toalhas de
mesa. Meu laptop parece não combinar com o ambiente.
Wallner
é o único dono de restaurante da cidade que ainda trabalha como açougueiro. Ele
acorda cedo todas as manhãs e produz as salsichas manualmente com uma receita
secreta da família, da mesma forma em que ele aprendeu quando era criança. Os
ingredientes vêm do matadouro local e do grande mercado atacadista
(Großmarkthalle) vizinho.
Durante
a semana, o restaurante recebe comerciantes famintos e clientes do mercado. No
fim de semana, as grandes mesas são ocupadas por famílias e amigos ou
compartilhadas por grupos menores de estranhos que se cumprimentam
carinhosamente dizendo, em alemão, Servus! ("saúde!").
Todas
as idades são bem-vindas. Você encontra pais raspando o sal dos pretzels para
dar aos seus filhos e clientes assíduos pegando mais uma cerveja sem precisar
pedir.
"Alguns
dos nossos dias mais movimentados são durante a Oktoberfest ou o
Carnaval", explica Wallner, "ou em dias de jogo dos times de futebol
de Munique".
O
'equador da salsicha branca'
Não
se sabe ao certo qual é a origem das Weißwürste - salsichas brancas cozidas,
feitas com vitela, bacon, cebola, salsa e especiarias. Mas a história mais
popular diz que elas foram inventadas por acaso.
Em
1857, o jovem Sepp Moser, dono de restaurante em Munique, esgotou seu estoque
de tripas de carneiro para suas salsichas e as substituiu por tripas de porco.
Com receio de que elas pudessem se romper durante a fritura, Moser decidiu
cozinhá-las em água.
A
aposta deu certo. Hoje, as salsichas cozidas são um dos mais conhecidos pratos
da Baviera e uma das primeiras coisas que os moradores locais recomendam aos
visitantes. O café da manhã é consumido em todo o Estado alemão, especialmente
na Alta Baviera (Oberbayern).
"É
um prato que associo à minha família no interior", afirma Theresa
Portenlänger, que gerencia com seus irmãos o moderno bar Xaver's, em Munique.
"Sempre temos um Weißwurstfrühstück juntos na véspera de Natal."
Pergunto
a ela sobre a ideia de tomar cerveja de manhã e ela responde: "acho que
muitas pessoas, na verdade, não a consideram uma bebida alcoólica. É mais um
alimento comum, como o pão!"
Esta
refeição fica mais difícil de encontrar quando se cruza a chamada linha do
Weißwurstäquator - o "equador da salsicha branca". A linha não tem
uma definição exata; os rios Meno e Danúbio são indicados como possíveis fronteiras.
Mas
esta divisão reflete diferenças culturais, além das culinárias, em cada parte
do país. Você não encontra muitas pessoas usando Lederhosen - as calças típicas
da Baviera - no norte da Alemanha, por exemplo.
Tradicionalmente,
as salsichas devem ser consumidas antes de bater o sino da igreja ao meio-dia.
A tradição vem de uma época anterior à refrigeração e diferentes técnicas de
preparação.
Hoje,
esta preocupação é desnecessária, mas muitos lugares e moradores locais ainda a
obedecem. Outros, como Wallner e Portenlänger, agora servem as salsichas após
esse horário, mas ainda soa estranho pedir o prato no final da tarde.
Servidas
em uma tigela com água quente, as salsichas brancas podem ser consumidas de
diversas formas, mas você precisa antes remover a pele.
A
técnica que me ensinaram é fazer um corte ao longo do comprimento da salsicha e
descascá-la. Os moradores de Munique já têm prática e simplesmente sugam o seu
interior - em alemão, zuzeln.
Mas,
em qualquer lugar aonde você for, o melhor é observar e aprender.
"A
maioria das pessoas é muito fiel ao restaurante do seu bairro", afirma
Rothschuh. "Quando tenho visitantes de fora da cidade, costumo levá-los ao
Turmstüberl, no Museu Karl Valentin, e combinar o Weißwurstfrühstück com um
passeio turístico."
Além
do museu dedicado ao comediante nascido em Munique, outros pontos importantes
incluem os restaurantes Ayinger am Platzl e Donisl, perto da Marienplatz, ou o
Schneider Brauhaus, que tem uma extensa coleção de cerveja de trigo.
O
famoso Hofbräuhaus é outra opção, mas tome cuidado: ele é conhecido como um
local para ver os principiantes comendo a pele da salsicha ou, pior, pedindo
ketchup.
Salsichas
veganas
Munique
tem forte reputação na Alemanha por ser um lugar apegado às suas tradições, mas
isso também está mudando, à medida que sua população mais jovem olha para o
futuro.
Hoje,
nas vizinhanças do Gaststätte Großmarkthalle, você pode encontrar desde tacos
até pizza vegana. A poucas quadras de distância, por exemplo, o café Om Nom
Nom, aberto recentemente em um antigo açougue, serve pratos com queijo vegano.
E,
embora não haja como negar que o Weißwurstfrühstück causa arrepios na espinha
dos nutricionistas ou dos defensores da alimentação vegetariana, até esta
antiga tradição da Baviera está evoluindo.
Em
2022, a startup Greenforce, com sede em Munique (uma das que mais crescem na
Alemanha), lançou salsichas brancas veganas na Oktoberfest.
"Isso
teria parecido muito improvável apenas cinco anos atrás", afirma o
fundador e CEO (diretor-executivo) da empresa, Thomas Isermann, "mas a
recepção positiva dos nossos produtos demonstra como a nutrição consciente
também se aplica a eventos como a Oktoberfest, por mais tradicional que
seja".
A
empresa será o principal fornecedor vegano da Oktoberfest em 2023, abastecendo
diversos restaurantes de Munique, como o Herrschaftszeiten, no centro da
cidade, e o Max Emanuel Brauerei, no bairro estudantil de Maxvorstadt.
Produzidas
na Alemanha com proteína de ervilha, as salsichas veganas têm 76% menos gordura
e 62% menos calorias. Os dois restaurantes recomendam três salsichas como a
porção padrão.
"Para
mim, a opção sem carne não altera o significado, nem a importância social do
café da manhã", afirma Isermann. "O fato é que ela permite que mais
pessoas participem."
Decidi
observar o que Wallner achava das salsichas veganas. Ele havia conversado
comigo calmamente até então, mas ficou rapidamente alvoroçado. "Agora,
você me pegou!", riu-se ele, dando um murro na mesa.
Procurando
dar uma resposta equilibrada, ele disse que sabe que é uma mudança que não pode
ignorar. Mas não consegue reunir as palavras "salsicha" e
"vegana" em uma frase só.
Será
que ele provaria uma? "Sim, claro! É bom conhecer a concorrência."
Fonte:
BBC Travel
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