Novas acusações revelam calotes e abusos do
coach de masculinidades Manoel Pinto
Depois
da reportagem que revelou como um coach
de masculinidades aplicou calotes contra
dez pessoas, a Agência Pública e o portal Eufemea receberam relatos
de outras oito pessoas, homens e mulheres, que também alegam ter sido
enganadas, manipuladas e prejudicadas por ele. Ao todo, foram ouvidas mais de
20 pessoas, entre ex-companheiras, ex-colegas de trabalho e ex-funcionários,
mas nem todas autorizaram a publicação de suas histórias.
Manoel Pinto fez carreira em agências de
publicidade de Maceió (AL), sua cidade natal, e ganhou popularidade após ter se
autodeclarado especialista de masculinidades – ramo ligado ao feminismo que
debate como desconstruir o machismo em homens – em São Paulo. Ele era
contratado por grandes empresas, como Petrobras e Ambev, para falar sobre o
assunto com seus funcionários, e foi ligado ao Instituto Papo de Homem.
Pinto faturava até R$ 50 mil por palestra
para pregar que homens têm que dividir as tarefas dentro de casa, cuidar dos
filhos e lutar contra o patriarcado junto com as mulheres. Dentro de casa,
porém, era diferente. De acordo com relatos ouvidos pela reportagem, Pinto era
violento com a filha, cometeu abusos psicológicos e era um “traidor compulsivo”
de ex-namoradas. Segundo as pessoas entrevistadas, ele também não pagou
funcionários, acumulou dívidas em nome de outras pessoas e inventou uma série
de mentiras para justificar seus atos.
Além disso, ainda de acordo com os relatos,
Pinto se esforçava para passar uma imagem diferente do que ele era. Ao adotar o
discurso das masculinidades, uma pauta ligada à esquerda, ele omitiu que na
verdade já foi filiado ao Partido Novo, ao Avante, e ao PTB, que são de
direita. De acordo com as pessoas entrevistadas, o coach frequentava
lugares caros e da alta sociedade, apesar de pedir dinheiro emprestado para
namoradas porque estaria quebrado.
Na reportagem publicada no dia 17,
a Pública já havia mostrado relatos de dez pessoas que acusavam Pinto
de calotes financeiros que somam R$ 200 mil. De acordo com elas, o coach dizia
que precisava de dinheiro porque era pai solo e tinha suspeita de câncer – o
que seria mentira.
Tentamos contato com Pinto, que alegou que a
primeira reportagem teria “distorcido” as suas respostas – apesar de a conversa
ter sido gravada e reproduzida de modo fiel –, que “não autoriza publicações em
seu nome” e ameaçou a reportagem de processo. Na conversa anterior, no início
de março, ele admitiu que não praticava o que pregava nas palestras e cometeu
erros, mas alegou que “não é mau-caráter” e apenas “foi moleque”.
<><> Por que isso importa?
- Após
as primeiras revelações de estelionato financeiro e amoroso contra o coach
de masculinidades Manoel Pinto, pela Agência Pública, surgiram novas
acusações.
- Ao
todo, 22 pessoas, entre ex-companheiras e ex-funcionários, dizem que foram
enganadas, manipuladas e prejudicadas por ele.
A publicitária Viviane Santos teve um relacionamento
com Pinto por quatro anos, entre 2016 e 2020. Eles tiveram uma agência de
publicidade juntos, apesar de, segundo ela, nunca ter sido nomeada como sócia
ou sequer registrada. Santos diz que era a responsável por todo o trabalho em
casa e na agência, enquanto Pinto se dedicava a gravar vídeos tentando virar
influencer. Em um deles, ele aparecia lavando o banheiro – coisa que nunca
fazia no dia a dia, de acordo com a ex-companheira.
“Era eu que fazia tudo dentro da empresa, eu
que botava dinheiro dentro de casa, e ainda fazia as tarefas domésticas, como
se fosse a empregada”, diz Santos. Além de não ajudar, Pinto também não seria o
“pai amável” que dizia ser. Ela conta ter presenciado várias situações em que o
ex-companheiro foi agressivo com a filha mais nova.
“Ele gritava e perdia a paciência com coisas
bobas. Por exemplo, se ela não tinha feito a lição de casa ou estava fazendo
birra, ele batia na mesa, dava palmadas nela, nos braços e no bumbum. Dentro de
casa ele era assim, mas na rua, na frente de outras pessoas, era o pai mais
carinhoso e amoroso possível”, diz a ex-companheira.
“Uma vez, na casa da mãe dele, quando a
menina tinha uns 5 anos, ele perdeu a paciência com algo e bateu nela com muita
violência, praticamente espancou. Foi assustador. Nós tentamos fazer ele parar,
mas não adiantou”, lembra.
Santos carregou uma dívida de mais de R$ 30
mil do cartão de crédito que Pinto usava e outras contas que ele teria colocado
no nome dela – como o aluguel do escritório da agência. Ela diz que ainda há
outras dívidas da agência, como o salário de funcionários que ele deixou de
pagar.
“Ele me colocava pra baixo, me fazia sentir
que não era capaz. Dizia que só estava comigo por causa da minha bunda”,
afirma. “Minha autoestima acabou. Engordei 20 quilos, almoçava na frente do
computador porque trabalhava o tempo inteiro. Era muito infeliz.”
Segundo Santos, ele não batia nela, mas
descontava em móveis e na parede quando ficava nervoso. Por não ter apanhado,
ela diz que foi desacreditada quando contou para outras pessoas que vivia um
relacionamento abusivo. “Me falavam: ‘Mas ele é tão gente boa, será que você
não está exagerando?’.”
Ela só terminou o relacionamento após meses
de terapia. Ao falar sobre o assunto, ainda se emociona. “Eu pensava: ‘Será que
sou tão burra por ter deixado ele fazer tudo isso comigo?’. Sempre fui forte,
independente, mas deixei ele me manipular assim”, diz. “Eu não queria ficar no
papel de vítima, então, quando eu falava e as pessoas não acreditavam, passei a
ficar em silêncio.” Após a publicação da primeira reportagem
da Pública sobre o caso, ela diz que teve coragem de falar para
servir de alerta a outras mulheres.
Outra ex-noiva de Pinto, que preferiu não ser
identificada, conta uma história parecida. Eles ficaram juntos entre 2010 e
2012. No começo, tudo eram flores. Depois, as contas e o serviço passaram a
ficar com ela. “Ele me traiu e roubou como fez com as outras. Uma das mulheres
com quem me traiu ficou grávida, e ainda assim ele queria casar comigo. Me
convenceu a fazer um empréstimo para limpar seu nome, porém nunca me pagou,
depois saiu dizendo que não me devia nada. Na época, foram R$ 9 mil”, afirma.
Uma outra ex-namorada que também falou sob
condição de anonimato detalhou a maneira como ele “fisgava” as mulheres. “Vinha
com conversa de homem apaixonado, de quem estava muito a fim. Ele conversa
olhando no olho, com toques, cerca a pessoa de uma forma como se estivesse
enfeitiçado”, afirma. “Mas fui percebendo as red flags [sinais
de alerta]. Ele falava mal de outras mulheres, se fazia de vítima e contava
mentiras. Dei um basta.”
·
Mentiras e manipulação
Outra mulher que também preferiu não ter o
nome divulgado contou que estava vivendo uma fase difícil em seu relacionamento
e que Pinto, ao perceber isso, se aproximou oferecendo apoio. “Ele dizia que
estava preocupado comigo, que, se estivesse acontecendo alguma coisa violenta,
era para eu contar a ele”, relata.
Certo dia, ele a convidou para gravar um
vídeo em sua casa. Durante a visita, ele a chamou para um dos quartos, alegando
que precisava falar algo sério. Foi então que afirmou ter acessado a ficha
criminal do companheiro dela, dizendo que havia uma medida protetiva por
violência contra a mulher e que ele teria agredido a ex-companheira.
“Ali acabou o meu mundo. Eu entrei em
desespero”, afirma. Ela conta que Pinto usou um discurso de preocupação e usou
nomes de advogadas e de delegadas para justificar que tinha conseguido essa
informação porque era amigo delas. “E que eu não podia contar nada para ele,
senão corria risco de vida”, diz.
Assustada e grávida, ela terminou o
relacionamento, mas sente culpa até hoje. “Você tem noção do que esse homem fez
comigo? Eu passei dois anos em depressão profunda. Cheguei em casa, acusei meu
companheiro injustamente. Ele é um homem correto, e o que mais me dói é que eu
acreditei no Manoel, mas não acreditei no meu companheiro.
Depois do nascimento do filho, ela enfrentava
um momento delicado e foi nesse período, em 2021, que Pinto voltou a procurá-la
com outro tipo de abordagem. “Ele começou a insinuar que cuidaria bem do meu
filho, disse que já tinha passado por isso e que entendia como era”, relata.
Ela conta que, com o tempo, as
conversas com ele passaram a cruzar limites. “Ele começou a dizer que eu era
muito ‘gata’”, relembra. Ela disse que foi nesse momento que “a ficha caiu”.
Desconfiada, procurou o ex-companheiro e percebeu que Pinto havia mentido sobre
todo o histórico de violência. “Ele não mente só pra tirar dinheiro das
pessoas. Ele mente para manipular, para controlar, para destruir vidas”,
desabafa.
·
Calotes a
ex-funcionários
O publicitário Júnior Araújo trabalhou na
agência de Pinto e Santos entre 2018 e 2019. Ele conta que o coach tinha com
funcionários um modus operandi parecido ao que utilizava com
mulheres: era gentil e carinhoso no começo e, depois de ganhar a confiança,
passava a ser agressivo.
Segundo ele, o ex-chefe o xingava na frente
de outras pessoas, já jogou um fone de ouvido no seu rosto, apresentava
trabalho que o funcionário fez a clientes como se tivesse sido ele quem tinha
feito e atrasou três meses de salário. Araújo teve que entrar na Justiça para
receber os R$ 10 mil que lhe eram devidos, mas só obteve um acordo para receber
R$ 5 mil em dez vezes.
Um publicitário que preferiu não ser
identificado também trabalhou na agência de Pinto e Santos em 2019. Antes de
aceitar a proposta, chegou a receber alertas sobre o comportamento do
empresário, mas não acreditou. Ele trabalhou entre dois e três meses, mas
recebeu apenas uma parte do combinado. “No primeiro mês, pagaram R$ 500, porque
eu tinha começado no meio do mês. Mas depois, quando trabalhei o mês completo,
com todas as contas para pagar, eles não me pagaram”, afirma.
O publicitário lembra que os atrasos foram
justificados por supostos problemas internos. “Diziam que tinha dado um
problema aqui, outro lá, e o tempo foi passando. Eu cobrava, perguntava o que
estava acontecendo, e nada”, relata. Após ter marcado uma reunião para tentar
resolver a situação dos pagamentos atrasados, foi surpreendido com o
encerramento repentino das atividades da empresa.
O prejuízo, no entanto, foi além do
financeiro imediato. Os meses seguintes foram marcados por instabilidade
emocional e dificuldades para arcar com compromissos pessoais. “Fiquei com
dívidas na faculdade, atrasei quase todas as minhas contas. Foram uns cinco
meses bem tristes”, afirma.
Uma ex-funcionária que trabalhou na agência
de Pinto e Santos entre 2017 e 2018 compartilhou os impactos emocionais e
financeiros que sofreu durante o período. Segundo ela, Pinto tentava manter a
equipe motivada por meio de promessas e apelos emocionais. Na época, ela
recebia R$ 826,80. Ela relata que ele chegava à agência chorando, dizendo estar
enfrentando problemas de saúde e afirmando que não tinha condições de pagar os
salários, mas pedia que todos continuassem trabalhando.
À reportagem, ela relembra que, no período
final da graduação, foi aprovada para um intercâmbio na Coreia do Sul com bolsa
de estudos, mas comprometeu-se a continuar trabalhando na agência até a data da
viagem. No entanto, os atrasos salariais começaram a se tornar frequentes.
“Já estávamos há dois meses sem salário. E,
como eu era responsável pelos orçamentos, sabia que o dinheiro estava entrando
na agência. Atendíamos muitos clientes, com valores altos de produção, e mesmo
assim os salários não eram pagos”, afirma.
Preocupada e precisando do salário, ela foi
conversar com Pinto e explicou sobre a oportunidade que tinha conseguido, mas
que precisava do salário, já que a bolsa de estudos não cobriria tudo. Mas,
após essa conversa, ela teria passado a ser alvo de constrangimentos dentro da
agência. “Ele falava na frente de todo mundo. ‘Tá vendo, galera? Ela passou no
intercâmbio e agora não quer mais ajudar a gente.’ Dizia que eu atrapalhava o
trabalho dos outros, que todo mundo sofria por causa de mim. Sendo que todos ali
também estavam sem salário”, relembra.
A saída dela da agência aconteceu após um
episódio envolvendo uma confraternização. Ela foi ao local combinado, mas
descobriu que o endereço havia sido alterado sem que fosse informada. “Falei no
grupo da confraternização e ninguém respondeu. Depois, o Manoel me ligou e
começou a me esculhambar. Disse que eu queria aparecer, que estava virando a
agência contra ele, que os meus amigos tinham vergonha de mim. Disse que eu não
ia dar certo no intercâmbio.”
A ex-funcionária só recebeu o salário devido,
de forma parcelada, após ter entrado com uma ação trabalhista, mas ela diz que,
emocionalmente, demorou anos para se recuperar. “Infelizmente, isso foi no
início da minha carreira. E por muito tempo eu não enxergava o meu valor, não
reconhecia o peso da minha experiência. Foi só no fim de 2024 que eu comecei a
perceber que eu não era o que ele dizia.”
“Ele sempre dizia que estava doente, que era
pai solo, que enfrentava uma vida difícil com as filhas… E eu só conseguia
pensar: ele está manipulando todo mundo”, acrescenta.
Viviane Santos reconhece que vários
funcionários ficaram sem pagamento, mas diz que Pinto era o responsável por
decidir como usar o dinheiro recebido pela agência e era ele quem decidia quem
iria receber ou não. “Eu não concordava com muitas coisas, mas tinha que
aceitar”, diz.
Outra pessoa que trabalhou por anos com Pinto
em outra agência, e que não quis ser identificada, diz que teve “sérios
problemas” com ele. O coach teria causado conflitos na equipe ao dar em cima de
colegas e clientes. Ele não teria pago um carro que comprou de um dos
funcionários da empresa. Os chefes teriam intermediado para apaziguar as brigas
– ele concordou em devolver o carro, mas não deixou de cantar as mulheres.
“Ele tinha a traição como algo patológico.
Procurava mulheres com problemas de autoestima e ia construindo uma
proximidade. Primeiro é um cavalheiro, um gentleman, daqui a pouco
a mulher empresta dinheiro, entra em sociedade, ele gasta tudo e some. Vi ele
fazer isso com pelo menos seis mulheres”, diz. “Ele usava isso até para fazer
negócios. Ele olhava para uma cliente e falava ‘aquela é carente, eu vou
pegar’.”
Por fim, Pinto inventou que estava com
leucemia (na primeira matéria, mostramos que ele mentia que estava com câncer)
e conseguiu um acerto para ser demitido da agência. As pessoas da empresa
ficaram aliviadas. “Sinto que ele poderia ter feito menos vítimas se eu tivesse
tido coragem de botar a boca no trombone”, diz um ex-colega de trabalho.
Fonte: Por Amanda Audi e Raíssa França, da
Agencia Pública
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