Luís Nassif: 1929-2025, a política de Trump e
a nova depressão
Livro 'Cabeças de Planilha' traçou a dinâmica
da grande crise construída em 1929 e agora uma nova crise vai se desenhando sob
Trump.
<><> Peça 1 – os dois ciclos de
financeirização
Quem levou meu livro “Os Cabeças de
Planilha”, de 22 anos atrás, lembra-se do paralelo que tracei entre dois
períodos: o da segunda metade do século 19 e do século 20.
Nos dois períodos houve a seguinte dinâmica:
- Grandes
descobertas tecnológicas abrindo novas oportunidades para o capital
financeiro.
- Capital
financeiro impondo o livre fluxo de capitais, valendo-se da influência dos
“financistas” em seus respectivos países.
- O
capital financeiro apropriando-se das riquezas nacionais, em parceria com
os capitais financeiros locais, e agravando a disparidade de renda.
- Uma
revolta da opinião pública contra o Estado e contra o modelo de democracia
norte-americano, provocando a ascensão do fascismo e do comunismo.
- Uma
grande crise global, levando à Segunda Guerra Mundial e à substituição da
hegemonia britânica pela norte-americana.
<><> Peça 2 – o que foi a grande
depressão
A corrida comercial protecionista foi a
causadora da grande depressão de 1929. Com a ajuda da Inteligência Artificial:
>>> Contexto Pré-1929:
Protecionismo e Superprodução
1. Pós-Primeira Guerra Mundial
(1918-1930):
– Os EUA emergiram como a
maior potência industrial, enquanto a Europa estava devastada pela
guerra.
– Os países europeus
dependiam de empréstimos americanos e importações, mas, na década de 1920,
começaram a recuperar suas indústrias, aumentando a concorrência.
– Os EUA produziam em
excesso (especialmente agrícolas e industriais), mas o mercado interno e
externo não absorvia toda a produção.
2. Tarifas Protecionistas
Iniciais:
– Os EUA já tinham
políticas protecionistas, como a Tarifa Fordney-McCumber (1922), que aumentava
impostos sobre importações para proteger indústrias nacionais.
– Isso dificultava que
outros países exportassem para os EUA, reduzindo sua capacidade de obter
dólares para pagar dívidas de guerra.
>>> O Gatilho: A Lei
Smoot-Hawley (1930)
– Em junho de 1930, o Congresso dos EUA
aprovou a Tarifa Smoot-Hawley, elevando impostos sobre mais de 20.000 produtos
importados (alguns chegavam a 60% de taxa).
– Objetivo declarado: Proteger fazendeiros e
indústrias americanas da concorrência estrangeira após a quebra da bolsa em
1929.
>>> Efeito real:
– Retaliação global: Países como
Canadá, Reino Unido, Alemanha e França impuseram tarifas semelhantes contra
produtos americanos.
– Queda do comércio mundial:
Entre 1929 e 1933, o comércio internacional caiu 66% em valor.
– Colapso de economias
exportadoras: Países dependentes de exportações (como Argentina e Brasil)
sofreram com a queda de demanda.
# Consequências para a Crise de 1929
1. Agravamento da Depressão:
– Com menos comércio,
empresas fecharam, desemprego disparou (atingindo 25% nos EUA), e a produção
industrial encolheu.
– Bancos quebraram devido a
empréstimos não pagos por empresas e fazendeiros.
2. Isolamento Econômico:
– O protecionismo criou um
ciclo vicioso: menos comércio → menos crescimento → mais protecionismo.
– Países adotaram políticas
de “empobrecer o vizinho” (*beggar-thy-neighbor*), piorando a crise
global.
3. Fim do Padrão-Ouro:
– Muitas nações abandonaram
o padrão-ouro para desvalorizar suas moedas e ganhar vantagem comercial,
gerando instabilidade financeira.
# Exemplo Prático: EUA vs. Europa
– Antes do protecionismo: A Alemanha
exportava manufaturados para os EUA e usava os dólares para pagar dívidas de
guerra.
– Após Smoot-Hawley: A Alemanha não conseguia
exportar, entrou em crise hiperinflacionária e deixou de pagar reparações,
afetando toda a economia global.
# Legado
– O fracasso do protecionismo nos anos 1930
levou, após a Segunda Guerra Mundial, à criação do GATT (1947) e depois da OMC,
para promover livre comércio e evitar guerras comerciais.
# Medidas de recuperação
▫ Conferências
internacionais foram realizadas para estabilizar o comércio e a economia
global.
▫ Acordos para reduzir tarifas e promover a
cooperação multilateral foram discutidos.
Políticas Domésticas de Recuperação
▫ O New Deal, implementado por Franklin D.
Roosevelt, incluiu medidas para estimular a economia interna.
▫ Programas de obras públicas e reformas
financeiras visaram revitalizar o mercado interno e criar empregos.
>>>> Passo 2 – a nova Lei
Smoot-Hawley
# Principais pontos do anúncio:
- Tarifa
básica de 10%:
Será aplicada uma tarifa mínima de 10% sobre todas as
importações para os EUA, com início em 5 de abril de 2025. The White House
Tarifas recíprocas mais altas: A partir de 9 de abril de 2025, países com os quais os EUA possuem déficits comerciais significativos enfrentarão tarifas adicionais. Por exemplo: - União
Europeia: 20%
- China:
34%
- Japão:
24%
- Reino
Unido: 10%
- Índia:
26%
- Vietnã:
46%
- Taiwan:
32%
- Automóveis
estrangeiros: 25%
- Brasil:
10%
A União Europeia enfrentará tarifas de 20%, a
China de 34% e o Reino Unido apenas a taxa básica de 10%. No entanto, Canadá e
México ficaram isentos devido a acordos comerciais existentes. Trump
classificou as tarifas como “recíprocas” e prometeu que elas inaugurariam uma
“era dourada” para os EUA.
<><> Peça 3 – o caos no comércio
mundial
Em 2024, os Estados Unidos registraram
déficits comerciais significativos com diversos países. Os principais déficits
foram:
- China:
aproximadamente $279 bilhões, com importações focadas em vestuário,
maquinário e eletrônicos.
- México: cerca de $152
bilhões, principalmente em veículos e autopeças.
- Vietnã:
aproximadamente $104 bilhões, incluindo importações de máquinas, aparelhos
mecânicos, têxteis e calçados.
- Alemanha: cerca de $83
bilhões, com destaque para autopeças, veículos, medicamentos e maquinário.
- Irlanda:
aproximadamente $87 bilhões, com importações significativas de produtos
farmacêuticos e químicos.
- Japão: cerca de $69
bilhões, principalmente em veículos e suprimentos industriais.
- Canadá:
aproximadamente $63 bilhões, com importações de petróleo bruto e gás
natural.
- Taiwan: cerca de $74
bilhões, incluindo eletrônicos e componentes tecnológicos.
- Coreia
do Sul:
aproximadamente $66 bilhões, com destaque para eletrônicos e automóveis.
- Índia: cerca de $46
bilhões, incluindo pedras preciosas, produtos farmacêuticos e têxteis.
Como se observa, a maior parte das
importações é da indústria de transformação. Por outro lado, a maior parcela
das exportações brasileiras para os Estados Unidos é da indústria de
transformação. Mantidas essas tarifas, significará uma oportunidade para o
Brasil ampliar suas exportações de manufaturados para os Estados Unidos.
Por outro lado, os Estados Unidos são grande
exportador de alimentos:
- México: US$ 30,3
bilhões (17,2% das exportações), com destaque para milho, carne suína, laticínios,
soja, carne de aves e carne bovina.
- Canadá: US$ 28,4
bilhões (16,1%), principalmente carne bovina, frutas e vegetais.
- China: US$ 24,7
bilhões (14%), com reduções nas vendas de soja e milho devido à
concorrência sul-americana.
- União
Europeia: US$ 12,8 bilhões (7,3%), impulsionados por frutas secas e
destilados.
Se mantivesse as tarifas contra México e
Canadá abriria enorme espaço para o Brasil. Mas Trump voltou atrás porque uma
retaliação do México afetaria substancialmente os estados agrícolas, vizinhos
do México, fortes redutor de apoio a Trump.
No momento, não consigo buscar dados
atualizados diretamente, mas com base em informações anteriores, aqui estão os
valores aproximados das exportações de etanol dos EUA para os principais
mercados em 2024.
Por outro lado, vários países diretamente
afetados pelas novas tarifas são grandes importadores do etanol
norte-americano.
- Reino
Unido –
Aproximadamente 400 milhões de litros.
- União
Europeia –
Cerca de 600 milhões de litros distribuídos entre vários
países.
- Índia –
Entre 300 e 400 milhões de litros.
- Colômbia – Em torno
de 250 milhões de litros.
O Brasil importou 109 milhões de litros no
ano passado.
<><> Peça 4 – a estratégia
brasileira
O Brasil não ficou na primeira divisão de retaliações.
Esse descompasso tarifário, por sua vez, abre bom espaço para os produtos
agrícolas brasileiros. Mas uma guerra comercial com os EUA, prejudicaria o
desempenho dos manufaturados brasileiros.
Provavelmente a estratégia brasileira no
curto prazo será de negociação das tarifas. Mas, desde já, terá que se valer da
Apex (Agência de Promoção das Exportações) para realocar suas exportações.
Provavelmente as principais cabeças do
comércio exterior deram início a esse reavaliação de cenário.
¨
“Libertação” dos EUA? As
reações dos países à guerra tarifária de Trump
O tarifaço de Donald Trump após a sentença
devastadora a parceiros comerciais em todo o mundo, no que ele chamou de “Dia
da Libertação”, não tardou a gerar reações. A China e Europa responderam
imediatamente aos anúncios, garantindo duras retaliações, no que promete ser o
início de uma grave crise comercial mundial.
A China, o país mais afetado, deverá pagar
uma taxa de um total de 54% sobre todos os produtos exportados para os Estados
Unidos. Isso porque, acima da tarifa de 20% já atualmente aplicada, Trump
decretou um adicional de 34% nesta quarta-feira (02).
“A China se opõe firmemente a isso e tomará
resolutamente contramedidas para salvaguardar seus próprios direitos e
interesses”, respondeu, imediatamente, o Ministério do Comércio da China, em
comunicado.
A pasta, responsável pelas relações
comerciais internacionais, afirmou que a atitude de Trump é uma “prática típica
de intimidação unilateral” e que as taxas não são verdadeiramente “recíprocas”.
EUA TRAVAM GUERRA COMERCIAL
A alegação do mandatário norte-americano é
que os EUA deverá aplicar as mesmas taxas de importação aplicadas pelos países
correspondentes, de forma a supostamente proteger o comércio e indústria
nacionais. Para o governo chinês, a decisão dos EUA é “inconsistente comas as
regras do comércio internacional” e tem como base “avaliações subjetivas e
unilaterais”, ou seja, não leva em consideração o peso e impacto, o que inclui
não somente os países afetados, como também as próprias indústrias
norte-americanas.
Para se ter uma ideia, gigantes da Big Tech
dos próprios EUA perderam bilhões em valores de mercado nesta quarta, após o
anúncio de Trump. A Apple, por exemplo, já perdeu mais de US$ 100 bilhões, em
poucas horas, por deter parte significativa da produção na China, Índia e
Vietnã, todos países que sofreram os altos reajustes de Trump.
Além da reação propriamente do mercado, que
lida com inseguranças e temores, os recuos e perdas econômicas ocorrerão
diretamente nas produções destes países e vendas de peças para indústrias-chave
dos EUA que necessitam das mesmas para a sua própria produção.
Algumas das altas taxas anunciadas nesta
quarta entrarão em vigor já neste sábado, 5 de abril.
CHINA:
A PRINCIPAL MIRA DOS EUA
Desde o
primeiro dia de governo, Trump anunciou 10% de imposto sobre as importações
chinesas e, um mês depois de assumir a Casa Branca, uma nova rodada de 10% adicionais de
taxas.
As primeiras respostas de Pequim também
foram imediatas,
com taxas retaliatórias sobre uma série de importações dos EUA, com um pacote
de taxas de 15% sobre carvão e gás natural liquefeito e 10% sobre petróleo
bruto, máquinas agrícolas e alguns veículos.
Desta
vez, contudo, o tom foi mais forte e a China pediu que Washington cancele as
novas medidas tarifárias, indicando uma resposta mais dura, caso contrário.
“A
China insta os Estados Unidos a cancelarem imediatamente as taxas unilaterais e
a resolverem adequadamente as disputas com os seus parceiros comerciais através
de um diálogo justo”, disse, em comunicado.
Segundo
o Ministério do Comércio chinês, o novo tarifaço “colocam em risco o
desenvolvimento econômico global” e promete “lutar para defende os direitos e
interesses”. Ao final da mensagem, Pequim deu um claro recado: “Não há
vencedores numa guerra comercial.”
CONFIRA
AS REAÇÕES INTERNACIONAIS
A Ásia
foi o principal continente afetado pelo anúncio de Trump. Além da China, a
Índia sofrerá uma tarifa de 26% e o Japão – que sofrerá um total de 24% de
taxas sobre as importações para os EUA – respondeu à Casa Branca, afirmando que
as medidas “extremamente lamentáveis” implicarão em ameaças aos investimentos
dos japoneses no país.
A
Coreia do Sul também entrou na mira, com um total de 25% para o país. O líder
interino, Han Duck-soo, afirmou que “uma guerra tarifária global se tornou
realidade” e pediu às autoridades “todos os esforços para superar a crise
comercial”.
Os
demais países serão taxados em um total de 10%, incluindo os países da América
Latina, Reino Unido e Cingapura. Sem muitas reações, o primeiro-ministro
britânico Keir Starmer disse que o país buscará “manter a calma”.
A União
Europeia também reagiu ao anúncio de Trump e a presidente da Comissão, Ursula
von der Leyen, disse que o bloco está finalizando “o primeiro pacote de
contramedidas em resposta às tarifas do aço” e que defenderá “os interesses a
valores” da Europa.
O
Brasil aprovou uma lei que permitiu uma retaliação contra os norte-americanos,
com apoio dos ruralistas na Câmara dos Deputados. O projeto seguiu para a
sanção presidencial nesta mesma quarta-feira (02).
Já o
México e Canadá, que sofreram uma das maiores taxas iniciais, permanecem com os
mesmos 25% de tarifas do mês passado. Naquele período, ambos os países já
reagiram e o premir canadense, Mark Carney, alertou que as tarifas “irão mudar
fundamentalmente o sistema de comércio mundial”.
De
forma ainda mais intimidatória, os EUA se anteciparam às reações de todos os
países e, à imprensa, o secretário do Tesouro, Scott Bessent, disse que aqueles
que retaliarem os EUA sofrerão aumentos ainda maiores de taxas.
“Meu
conselho para todos os países neste momento é: Não retaliem”, disse. “Se você
retaliar, haverá uma escalada.”
Fonte: Jornal GGN
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