sexta-feira, 4 de abril de 2025

Luís Nassif: 1929-2025, a política de Trump e a nova depressão

Livro 'Cabeças de Planilha' traçou a dinâmica da grande crise construída em 1929 e agora uma nova crise vai se desenhando sob Trump.

<><> Peça 1 – os dois ciclos de financeirização

Quem levou meu livro “Os Cabeças de Planilha”, de 22 anos atrás, lembra-se do paralelo que tracei entre dois períodos: o da segunda metade do século 19 e do século 20.

Nos dois períodos houve a seguinte dinâmica:

  1. Grandes descobertas tecnológicas abrindo novas oportunidades para o capital financeiro.
  2. Capital financeiro impondo o livre fluxo de capitais, valendo-se da influência dos “financistas” em seus respectivos países.
  3. O capital financeiro apropriando-se das riquezas nacionais, em parceria com os capitais financeiros locais, e agravando a disparidade de renda.
  4. Uma revolta da opinião pública contra o Estado e contra o modelo de democracia norte-americano, provocando a ascensão do fascismo e do comunismo.
  5. Uma grande crise global, levando à Segunda Guerra Mundial e à substituição da hegemonia britânica pela norte-americana.

<><> Peça 2 – o que foi a grande depressão

A corrida comercial protecionista foi a causadora da grande depressão de 1929. Com a ajuda da Inteligência Artificial:

>>>  Contexto Pré-1929: Protecionismo e Superprodução

1. Pós-Primeira Guerra Mundial (1918-1930):  

Parte superior do formulário

Parte inferior do formulário

   – Os EUA emergiram como a maior potência industrial, enquanto a Europa estava devastada pela guerra.  

   – Os países europeus dependiam de empréstimos americanos e importações, mas, na década de 1920, começaram a recuperar suas indústrias, aumentando a concorrência.  

   – Os EUA produziam em excesso (especialmente agrícolas e industriais), mas o mercado interno e externo não absorvia toda a produção.  

2. Tarifas Protecionistas Iniciais:  

   – Os EUA já tinham políticas protecionistas, como a Tarifa Fordney-McCumber (1922), que aumentava impostos sobre importações para proteger indústrias nacionais.  

   – Isso dificultava que outros países exportassem para os EUA, reduzindo sua capacidade de obter dólares para pagar dívidas de guerra.  

>>>  O Gatilho: A Lei Smoot-Hawley (1930)

– Em junho de 1930, o Congresso dos EUA aprovou a Tarifa Smoot-Hawley, elevando impostos sobre mais de 20.000 produtos importados (alguns chegavam a 60% de taxa).  

– Objetivo declarado: Proteger fazendeiros e indústrias americanas da concorrência estrangeira após a quebra da bolsa em 1929.  

>>> Efeito real:  

  – Retaliação global: Países como Canadá, Reino Unido, Alemanha e França impuseram tarifas semelhantes contra produtos americanos.  

  – Queda do comércio mundial: Entre 1929 e 1933, o comércio internacional caiu 66% em valor.  

  – Colapso de economias exportadoras: Países dependentes de exportações (como Argentina e Brasil) sofreram com a queda de demanda.  

#  Consequências para a Crise de 1929

1. Agravamento da Depressão:  

   – Com menos comércio, empresas fecharam, desemprego disparou (atingindo 25% nos EUA), e a produção industrial encolheu.  

   – Bancos quebraram devido a empréstimos não pagos por empresas e fazendeiros.  

2. Isolamento Econômico:  

   – O protecionismo criou um ciclo vicioso: menos comércio menos crescimento mais protecionismo.  

   – Países adotaram políticas de “empobrecer o vizinho” (*beggar-thy-neighbor*), piorando a crise global.  

3. Fim do Padrão-Ouro:  

   – Muitas nações abandonaram o padrão-ouro para desvalorizar suas moedas e ganhar vantagem comercial, gerando instabilidade financeira.  

  # Exemplo Prático: EUA vs. Europa

– Antes do protecionismo: A Alemanha exportava manufaturados para os EUA e usava os dólares para pagar dívidas de guerra.  

– Após Smoot-Hawley: A Alemanha não conseguia exportar, entrou em crise hiperinflacionária e deixou de pagar reparações, afetando toda a economia global.  

#  Legado

– O fracasso do protecionismo nos anos 1930 levou, após a Segunda Guerra Mundial, à criação do GATT (1947) e depois da OMC, para promover livre comércio e evitar guerras comerciais.

# Medidas de recuperação

    ▫ Conferências internacionais foram realizadas para estabilizar o comércio e a economia global.

▫ Acordos para reduzir tarifas e promover a cooperação multilateral foram discutidos.

 Políticas Domésticas de Recuperação

▫ O New Deal, implementado por Franklin D. Roosevelt, incluiu medidas para estimular a economia interna.

▫ Programas de obras públicas e reformas financeiras visaram revitalizar o mercado interno e criar empregos.

>>>> Passo 2 –  a nova Lei Smoot-Hawley

# Principais pontos do anúncio:

  • Tarifa básica de 10%: Será aplicada uma tarifa mínima de 10% sobre todas as importações para os EUA, com início em 5 de abril de 2025. The White House
    Tarifas recíprocas mais altas: A partir de 9 de abril de 2025, países com os quais os EUA possuem déficits comerciais significativos enfrentarão tarifas adicionais. Por exemplo:
    • União Europeia: 20%
    • China: 34%
    • Japão: 24%
    • Reino Unido: 10%
    • Índia: 26%
    • Vietnã: 46%
    • Taiwan: 32%
    • Automóveis estrangeiros: 25%
    • Brasil: 10%

A União Europeia enfrentará tarifas de 20%, a China de 34% e o Reino Unido apenas a taxa básica de 10%. No entanto, Canadá e México ficaram isentos devido a acordos comerciais existentes. Trump classificou as tarifas como “recíprocas” e prometeu que elas inaugurariam uma “era dourada” para os EUA.

<><> Peça 3 – o caos no comércio mundial

Em 2024, os Estados Unidos registraram déficits comerciais significativos com diversos países. Os principais déficits foram:

  • China: aproximadamente $279 bilhões, com importações focadas em vestuário, maquinário e eletrônicos.
  • México: cerca de $152 bilhões, principalmente em veículos e autopeças. 
  • Vietnã: aproximadamente $104 bilhões, incluindo importações de máquinas, aparelhos mecânicos, têxteis e calçados. 
  • Alemanha: cerca de $83 bilhões, com destaque para autopeças, veículos, medicamentos e maquinário.
  • Irlanda: aproximadamente $87 bilhões, com importações significativas de produtos farmacêuticos e químicos. 
  • Japão: cerca de $69 bilhões, principalmente em veículos e suprimentos industriais.
  • Canadá: aproximadamente $63 bilhões, com importações de petróleo bruto e gás natural.
  • Taiwan: cerca de $74 bilhões, incluindo eletrônicos e componentes tecnológicos. 
  • Coreia do Sul: aproximadamente $66 bilhões, com destaque para eletrônicos e automóveis.
  • Índia: cerca de $46 bilhões, incluindo pedras preciosas, produtos farmacêuticos e têxteis.

Como se observa, a maior parte das importações é da indústria de transformação. Por outro lado, a maior parcela das exportações brasileiras para os Estados Unidos é da indústria de transformação. Mantidas essas tarifas, significará uma oportunidade para o Brasil ampliar suas exportações de manufaturados para os Estados Unidos.

Por outro lado, os Estados Unidos são grande exportador de alimentos:

  • México: US$ 30,3 bilhões (17,2% das exportações), com destaque para milho, carne suína, laticínios, soja, carne de aves e carne bovina.
  • Canadá: US$ 28,4 bilhões (16,1%), principalmente carne bovina, frutas e vegetais.
  • China: US$ 24,7 bilhões (14%), com reduções nas vendas de soja e milho devido à concorrência sul-americana.
  • União Europeia: US$ 12,8 bilhões (7,3%), impulsionados por frutas secas e destilados.

Se mantivesse as tarifas contra México e Canadá abriria enorme espaço para o Brasil. Mas Trump voltou atrás porque uma retaliação do México afetaria substancialmente os estados agrícolas, vizinhos do México, fortes redutor de apoio a Trump.

No momento, não consigo buscar dados atualizados diretamente, mas com base em informações anteriores, aqui estão os valores aproximados das exportações de etanol dos EUA para os principais mercados em 2024.

Por outro lado, vários países diretamente afetados pelas novas tarifas são grandes importadores do etanol norte-americano.

  • Reino Unido – Aproximadamente 400 milhões de litros.
  • União Europeia – Cerca de 600 milhões de litros distribuídos entre vários países.
  • Índia – Entre 300 e 400 milhões de litros.
  • Colômbia – Em torno de 250 milhões de litros.

O Brasil importou 109 milhões de litros no ano passado.

<><> Peça 4 – a estratégia brasileira

O Brasil não ficou na primeira divisão de retaliações. Esse descompasso tarifário, por sua vez, abre bom espaço para os produtos agrícolas brasileiros. Mas uma guerra comercial com os EUA, prejudicaria o desempenho dos manufaturados brasileiros.

Provavelmente a estratégia brasileira no curto prazo será de negociação das tarifas. Mas, desde já, terá que se valer da Apex (Agência de Promoção das Exportações) para realocar suas exportações.

Provavelmente as principais cabeças do comércio exterior deram início a esse reavaliação de cenário.

¨      “Libertação” dos EUA? As reações dos países à guerra tarifária de Trump

O tarifaço de Donald Trump após a sentença devastadora a parceiros comerciais em todo o mundo, no que ele chamou de “Dia da Libertação”, não tardou a gerar reações. A China e Europa responderam imediatamente aos anúncios, garantindo duras retaliações, no que promete ser o início de uma grave crise comercial mundial.

A China, o país mais afetado, deverá pagar uma taxa de um total de 54% sobre todos os produtos exportados para os Estados Unidos. Isso porque, acima da tarifa de 20% já atualmente aplicada, Trump decretou um adicional de 34% nesta quarta-feira (02).

“A China se opõe firmemente a isso e tomará resolutamente contramedidas para salvaguardar seus próprios direitos e interesses”, respondeu, imediatamente, o Ministério do Comércio da China, em comunicado.

A pasta, responsável pelas relações comerciais internacionais, afirmou que a atitude de Trump é uma “prática típica de intimidação unilateral” e que as taxas não são verdadeiramente “recíprocas”.

Parte superior do formulário

Parte inferior do formulário

EUA TRAVAM GUERRA COMERCIAL

A alegação do mandatário norte-americano é que os EUA deverá aplicar as mesmas taxas de importação aplicadas pelos países correspondentes, de forma a supostamente proteger o comércio e indústria nacionais. Para o governo chinês, a decisão dos EUA é “inconsistente comas as regras do comércio internacional” e tem como base “avaliações subjetivas e unilaterais”, ou seja, não leva em consideração o peso e impacto, o que inclui não somente os países afetados, como também as próprias indústrias norte-americanas.

Para se ter uma ideia, gigantes da Big Tech dos próprios EUA perderam bilhões em valores de mercado nesta quarta, após o anúncio de Trump. A Apple, por exemplo, já perdeu mais de US$ 100 bilhões, em poucas horas, por deter parte significativa da produção na China, Índia e Vietnã, todos países que sofreram os altos reajustes de Trump.

Além da reação propriamente do mercado, que lida com inseguranças e temores, os recuos e perdas econômicas ocorrerão diretamente nas produções destes países e vendas de peças para indústrias-chave dos EUA que necessitam das mesmas para a sua própria produção.

Algumas das altas taxas anunciadas nesta quarta entrarão em vigor já neste sábado, 5 de abril.

CHINA: A PRINCIPAL MIRA DOS EUA

Desde o primeiro dia de governo, Trump anunciou 10% de imposto sobre as importações chinesas e, um mês depois de assumir a Casa Branca, uma nova rodada de 10% adicionais de taxas.

As primeiras respostas de Pequim também foram imediatas, com taxas retaliatórias sobre uma série de importações dos EUA, com um pacote de taxas de 15% sobre carvão e gás natural liquefeito e 10% sobre petróleo bruto, máquinas agrícolas e alguns veículos.

Desta vez, contudo, o tom foi mais forte e a China pediu que Washington cancele as novas medidas tarifárias, indicando uma resposta mais dura, caso contrário.

“A China insta os Estados Unidos a cancelarem imediatamente as taxas unilaterais e a resolverem adequadamente as disputas com os seus parceiros comerciais através de um diálogo justo”, disse, em comunicado.

Segundo o Ministério do Comércio chinês, o novo tarifaço “colocam em risco o desenvolvimento econômico global” e promete “lutar para defende os direitos e interesses”. Ao final da mensagem, Pequim deu um claro recado: “Não há vencedores numa guerra comercial.”

CONFIRA AS REAÇÕES INTERNACIONAIS

A Ásia foi o principal continente afetado pelo anúncio de Trump. Além da China, a Índia sofrerá uma tarifa de 26% e o Japão – que sofrerá um total de 24% de taxas sobre as importações para os EUA – respondeu à Casa Branca, afirmando que as medidas “extremamente lamentáveis” implicarão em ameaças aos investimentos dos japoneses no país.

A Coreia do Sul também entrou na mira, com um total de 25% para o país. O líder interino, Han Duck-soo, afirmou que “uma guerra tarifária global se tornou realidade” e pediu às autoridades “todos os esforços para superar a crise comercial”.

Os demais países serão taxados em um total de 10%, incluindo os países da América Latina, Reino Unido e Cingapura. Sem muitas reações, o primeiro-ministro britânico Keir Starmer disse que o país buscará “manter a calma”.

A União Europeia também reagiu ao anúncio de Trump e a presidente da Comissão, Ursula von der Leyen, disse que o bloco está finalizando “o primeiro pacote de contramedidas em resposta às tarifas do aço” e que defenderá “os interesses a valores” da Europa.

O Brasil aprovou uma lei que permitiu uma retaliação contra os norte-americanos, com apoio dos ruralistas na Câmara dos Deputados. O projeto seguiu para a sanção presidencial nesta mesma quarta-feira (02).

Já o México e Canadá, que sofreram uma das maiores taxas iniciais, permanecem com os mesmos 25% de tarifas do mês passado. Naquele período, ambos os países já reagiram e o premir canadense, Mark Carney, alertou que as tarifas “irão mudar fundamentalmente o sistema de comércio mundial”.

De forma ainda mais intimidatória, os EUA se anteciparam às reações de todos os países e, à imprensa, o secretário do Tesouro, Scott Bessent, disse que aqueles que retaliarem os EUA sofrerão aumentos ainda maiores de taxas.

“Meu conselho para todos os países neste momento é: Não retaliem”, disse. “Se você retaliar, haverá uma escalada.”

 

Fonte: Jornal GGN

 

Nenhum comentário: