segunda-feira, 11 de novembro de 2024

O que a vitória de Trump significa para o clima?

O presidente eleito dos Estados UnidosDonald Trump, não esconde o que pensa das mudanças climáticas. Durante sua primeira passagem pela Casa Branca, de 2017 a 2021, o republicano questionou diversas vezes o papel da humanidade no problema – que, a seu ver, sequer existiria. Neste ano, ao disputar mais uma vez a eleição, ele se referiu às mudanças climáticas como "uma das maiores tapeações de todos os tempos".

Os EUA são atualmente o segundo maior emissor de gases do efeito estufa, perdendo só para a China; no acumulado histórico, porém, seguem sendo o país que mais agrediu o clima.

Com Trump de volta ao cargo, o que esperar para o clima nos próximos quatro anos?

<><> Acordos globais em jogo

"A vitória de Trump representa um obstáculo real à luta global contra as mudanças climáticas", afirma Alice Hill, pesquisadora do think tank americano Council on Foreign Relations (CFR). "Sob a liderança do presidente Trump, é quase certo que os Estados Unidos vão retroceder nos esforços globais e domésticos para reduzir as emissões de gases de efeito estufa, aumentando a produção de combustíveis fósseis."

Já é praticamente certo que o ano de 2024 será o mais quente já registrado, e o primeiro a superar a marca de 1,5 ºC de aquecimento, segundo um novo relatório do Copernicus, o programa de monitoramento de mudanças climáticas da União Europeia (UE).

Além disso, cientistas há muito tempo alertam para a necessidade de reduzir a emissão de gases que aquecem o planeta. Segundo eles, a meta de corte de 50% precisa ser atingida até 2030 se quisermos evitar a catástrofe climática.

Para isso, os países precisam trabalhar juntos. Mas a promessa trumpista de pôr os "EUA em primeiro lugar" vai justamente contra essa premissa, afirmam especialistas.

<><> Aposta nos combustíveis fósseis

Antes da eleição, Trump prometeu expandir a produção de combustíveis fósseis, além de focar mais em petróleo e gás e investir menos em fontes de energia limpa.

"Trump e seus apoiadores têm uma visão de que petróleo e gás são realmente essenciais para a força global dos Estados Unidos, e que isso não deveria ser ameaçado", afirma Clarence Edwards, diretor executivo do escritório em Washington do think tank E3G, especializado em clima e geopolítica.

O primeiro governo Trump incentivou o aumento da exploração de petróleo e gás natural – inclusive em áreas de proteção ambiental, como o Refúgio Nacional de Vida Selvagem do Ártico, no Alasca – e defendeu a construção de oleodutos como o Keystone XL e o Dakota Access.

Mesmo antes das eleições, Trump já havia sugerido que continuaria nessa direção em um novo mandato. Edwards, porém, diz que isso não deve significar o fim das energias renováveis, e sim que o novo governo vai priorizar energias fósseis.

<><> Acordo de Paris

Durante seu primeiro mandato como presidente dos EUA, Trump abandonou o Acordo de Paris, que visa limitar o aumento da temperatura global a menos de 2 ºC acima dos níveis pré-industriais.

O gesto gerou controvérsia à época, e os EUA acabaram voltando ao acordo no governo de Joe Biden. Mas Edwards acredita que Trump tende a deixá-lo de novo. O republicano foi eleito poucos dias antes do início da COP29, a conferência climática da ONU, que terá início na próxima segunda-feira (11/11) no Azerbaijão.

"Seria um sinal negativo. É importante que os EUA honrem seus compromissos e sejam um ator global comprometido", frisa Edwards. Segundo ele, se Trump abandonar de novo o Acordo de Paris, isso vai gerar dúvidas sobre outros compromissos internacionais relacionados ao clima.

<><> Consequências para as políticas ambientais

No seu primeiro governo, Trump anulou dezenas de regulações ambientais, afrouxou restrições sobre emissões de carbono de usinas de energia e veículos e enfraqueceu normas sobre poluentes como o metano.

Professor de políticas ambientais da Universidade de Michigan, Barry Rabe prevê uma nova onda de flexibilização de regulamentações ambientais.

"Trump sinalizou durante a campanha que tentaria expandir os limites do Poder Executivo além das normas tradicionais, como a retenção de fundos, algo que normalmente não damos ao presidente o poder de fazer", assinala.

Rabe diz também esperar que as normas ambientais voltem a ser mais brandas, o que provavelmente significaria que os EUA não vão atingir suas metas climáticas para 2030.

"Os EUA ficarão consideravelmente aquém dessa meta para o dióxido de carbono, mas também para o metano e a maioria dos outros gases de efeito estufa."

<><> E os investimentos nas energias renováveis?

Edwards, porém, diz não temer um desmonte da Lei de Redução da Inflação (IRA) sob Trump. Assinado por Biden, o dispositivo resultou em bilhões de dólares investidos em energia renovável, produção de veículos elétricos e fabricação de baterias.

"[A lei] tem tido um sucesso enorme na promoção da  manufatura de energia limpa e na criação de empregos em todo o país, especialmente em estados considerados 'vermelhos' [republicanos], que recebem cerca de 70% dos investimentos. Então, acho que haverá um esforço para talvez não revogar a lei por completo, mas ajustá-la."

Rabe, da Universidade de Michigan, concorda e lembra que só o Congresso poderia revogar totalmente a lei. Mas ele diz que não se surpreenderia se Trump tentasse bloquear gastos autorizados pelos parlamentares que o desagradam.

<><> O impacto ambiental do Projeto 2025

Antes da eleição, um grupo de entidades e think tanks conservadores esboçaram um documento controverso intitulado Projeto 2025, que sugere uma série de medidas para um segundo governo Trump.

Uma das propostas é o desenvolvimento contínuo da indústria americana de combustíveis fósseis. O grupo defende aumentar a produção de petróleo, gás natural e carvão, bem como a diminuição das restrições à extração desses recursos e à construção de novas infraestruturas.

A implementação das políticas propostas no documento poderia levar à emissão adicional de 4 bilhões de toneladas de gases do efeito estufa até 2030 – o equivalente a quase um ano do que o país já despeja na atmosfera.

Na prática, isso inviabilizaria o cumprimento da meta dos EUA de cortar 50% de suas emissões até 2030 – uma medida que cientistas defendem como crucial para evitar o pior das mudanças climáticas.

<><> Há esperança

Mas Hill, do think tank CFR, avalia que a eleição de Trump não é o fim das ações climáticas nos Estados Unidos.

Ela aponta que os estados individualmente também têm espaço para ações próprias, e que em alguns casos já há progresso. "A intervenção política e regulatória local será crucial na luta por um planeta mais saudável – com ou sem o apoio do governo Trump."

Para isso, Edwards diz que é essencial unir as pessoas. "Parece fantasioso, mas acho que é importante realmente ter um diálogo bipartidário sobre o que precisamos fazer em relação ao clima", opina. "Não vamos ter uma política climática sustentável e de longo prazo nos Estados Unidos sem um consenso bipartidário."

 

¨      COP29: diretor de cúpula de meio ambiente é flagrado negociando investimentos em petróleo e gás

Um alto funcionário da conferência sobre mudanças climáticas COP29 no Azerbaijão parece ter usado seu cargo para organizar uma reunião para discutir potenciais acordos de combustíveis fósseis.

Uma gravação de câmera escondida mostra o diretor executivo da COP29 do Azerbaijão, Elnur Soltanov, discutindo "oportunidades de investimento" na empresa estatal de petróleo e gás com um homem que se passa por um potencial investidor.

"Temos muitos campos de gás que devem ser explorados", ele diz.

Uma ex-chefe do órgão da ONU responsável pelas negociações climáticas disse à BBC que as ações de Soltanov eram "completamente inaceitáveis" e uma "traição" ao processo da COP.

<><> 'Novos campos de exploração de gás natural'

Além de ser o diretor executivo da COP29, Soltanov também é vice-ministro de energia do Azerbaijão e está no board da estatal de petróleo do país, a Socar.

A BBC News entrou em contato com a equipe da COP29 do Azerbaijão, mas não recebeu resposta.

O petróleo e o gás respondem por cerca de metade da economia total do Azerbaijão e mais de 90% de suas exportações, de acordo com números dos EUA.

A COP29 será aberta em Baku na segunda-feira (11/11) e é a 29ª cúpula climática anual da ONU, onde os governos discutem como limitar e se preparar para as mudanças climáticas e como aumentar a ambição global para enfrentar o problema.

No entanto, este é o segundo ano consecutivo que a BBC revela indícios de irregularidades pelo governo anfitrião.

A BBC recebeu documentos e gravações secretas de vídeo feitas pela organização de direitos humanos Global Witness.

Sabe-se que um de seus representantes abordou a equipe da COP29 se passando por chefe de uma empresa de investimentos fictícia de Hong Kong especializada em energia.

Ele disse que esta empresa estava interessada em patrocinar a cúpula da COP29, mas queria discutir oportunidades de investimento na empresa estatal de energia do Azerbaijão, Socar, em troca. Uma reunião online com Soltanov foi organizada.

Durante a reunião, Soltanov disse que o objetivo da conferência era "resolver a crise climática" e "fazer a transição dos hidrocarbonetos de forma justa, ordenada e equitativa".

Qualquer um, ele disse, incluindo empresas de petróleo e gás, "poderia vir com soluções" porque as "portas estão abertas" do Azerbaijão.

No entanto, ele disse que estava aberto a discussões sobre acordos também - incluindo petróleo e gás.

Inicialmente, Soltanov sugeriu que o potencial patrocinador poderia estar interessado em investir em alguns dos "projetos de transição verde" em que a Socar estava envolvida - mas depois falou sobre oportunidades relacionadas aos planos do Azerbaijão de aumentar a produção de gás, incluindo nova infraestrutura de gasodutos.

"Há muitas joint ventures que poderiam ser estabelecidas", diz Soltanov na gravação. "A Socar está negociando petróleo e gás em todo o mundo, incluindo na Ásia."

Soltanov então descreveu o gás natural como um "combustível de transição".

"Teremos uma certa quantidade de petróleo e gás natural sendo produzidos, talvez para sempre", disse ele.

O órgão de ciência climática da ONU, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), reconhece que haverá um papel para algum petróleo e gás natural até 2050 e além.

No entanto, ficou muito claro que "desenvolver novos campos de petróleo e gás natural é incompatível com limitar o aquecimento a 1,5 °C".

Também vai contra o acordo que o mundo fez na última cúpula climática global para a transição dos combustíveis fósseis.

Soltanov pareceu ansioso para ajudar a dar início às discussões, dizendo ao potencial patrocinador que "ficaria feliz em criar um contato entre sua equipe e a equipe deles [Socar] para que possam iniciar as discussões."

Algumas semanas depois, a falsa empresa de investimentos de Hong Kong recebeu um e-mail - a Socar queria acompanhar a situação.

Tentar fazer negócios como parte do processo da COP parece ser uma violação grave dos padrões de conduta esperados de um funcionário da cúpula.

Esses eventos devem ser sobre reduzir o uso mundial de combustíveis fósseis - o principal impulsionador das mudanças climáticas - não vender mais.

Os padrões são definidos pelo órgão da ONU responsável pelas negociações climáticas, a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC).

A ONU disse que não poderia comentar diretamente sobre nossas descobertas, mas observou que "os mesmos padrões rigorosos" são aplicados a quem quer que seja o anfitrião da conferência, e que esses padrões refletem "a importância da imparcialidade por parte de todos os oficiais presidentes".

Seu código de conduta para oficiais da COP afirma que eles "devem agir sem parcialidade, preconceito, favoritismo, capricho, interesse próprio, preferência ou deferência, estritamente com base em julgamento sólido, independente e justo."

"Eles também devem garantir que opiniões e convicções pessoais não comprometam ou pareçam comprometer seu papel e funções como oficiais da UNFCCC."

Christiana Figueres, que supervisionou a assinatura do acordo de Paris de 2015 para limitar o aumento da temperatura global a bem abaixo de 2 °C, disse à BBC que ficou chocada que alguém no processo da COP usaria sua posição para fechar acordos de petróleo e gás.

Ela disse que tal comportamento era "contrário e flagrante" ao propósito da COP e "uma traição" ao processo.

A BBC também viu e-mails entre a equipe da COP29 e os investidores falsos.

Em uma troca de mensagens, a equipe discute um acordo de patrocínio de US$ 600 milhões com uma empresa falsa em troca da introdução e envolvimento da Socar em um evento sobre "investimento sustentável em petróleo e gás" durante a COP29.

Autoridades ofereceram cinco passes com acesso total à cúpula e redigiram um contrato que inicialmente exigia que a empresa assumisse alguns compromissos com a sustentabilidade. Então, ela recuou - aí um dos requisitos de sustentabilidade foi descartado e outro foi modificado.

A BBC pediu comentários à equipe da COP29 do Azerbaijão e à Socar. Nenhum deles respondeu às solicitações.

As descobertas vêm um ano após a BBC obter documentos vazados que revelaram planos dos Emirados Árabes Unidos de usar seu papel como anfitrião da COP28 para fechar acordos de petróleo e gás.

COP28 foi a primeira vez que se chegou a um acordo sobre a necessidade de transição energética para longe uma produção limpa, sem combustíveis fósseis.

 

Fonte: DW Brasil/BBC News 

 

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