O cemitério de bebês criado para ajudar
mães que perderam filhos antes ou durante o parto
Na parte mais alta do
maior cemitério da Europa Ocidental, bancos e pedrinhas brancas acolhem pais
que perderam uma gestação e um futuro que não chegou a virar realidade.
O Parque de Mariposas
(Parque das Borboletas) fica dentro do Cemitério Municipal Nuestra Señora de la
Almudena e uma pequena placa avisa que esse é um lugar diferente: pela
lembrança dos bebês que morreram durante a gestação ou pouco depois de nascer.
Esse espaço especial
que acabou de ser inaugurado na capital espanhola vai se transformar em um
lugar de conforto para muitos pais. Passar pela dor de perder um filho antes do
nascimento ou poucos dias depois do parto é muito forte e para algumas famílias
não contar com um espaço específico onde enterrar esse corpo pode ser ainda
pior.
"É importante
reconhecer que essa criança já existia no imaginário da mãe antes mesmo de
nascer. Criar esse tipo de espaço físico ajuda a elaborar esse luto perinatal.
Um lugar para honrar a memória dessa criança que partiu", acredita a doula
brasileira Erika Menezes.
O diferencial é que
ali os pais podem espalhar gratuitamente as cinzas dos seus filhos no meio de
um canteiro de rosas brancas. Quem preferir um nicho ou colocar as cinzas em um
columbário, também pode comprar esse serviço.
"Acho muito
acolhedor contar com um lugar assim que só tem bebês estrelinhas", diz a
brasileira Juliana Leister Raya que teve uma perda gestacional de 13 semanas.
Em 2016, o Tribunal
Constitucional da Espanha sentenciou a favor das famílias dando a elas o
direito de receber o corpo do bebê, independente do peso e da idade
gestacional, mas nem todos os hospitais e clínicas cumprem com essa norma.
Quando a Juliana
passou por isso em Madri ela não recebeu os restos cirúrgicos da curetagem no
hospital onde foi atendida. "Eu não sabia que existia essa possibilidade.
Se eu soubesse, teria pedido sim. Na hora eu até perguntei se depois eles iam
me dizer pelo menos o motivo da perda, mas me disseram que nem isso era
possível", relembra emocionada.
Quem também não sabia
desse direito é a brasileira Gláucia Menezes que perdeu uma gestação há pouco
tempo. "Eu não sabia que poderia receber esses restos mortais. Ninguém me
falou sobre isso. Se eu tivesse essa informação, teria escolhido essa opção. Me
senti um pouco lesada por não saber", diz a mineira que mora na Espanha há
três anos.
• Sensibilização profissional
"Antes de tudo é
importante dar tempo aos pais e explicar bem o que vai acontecer quando o feto
sem vida for retirado do útero. É preciso deixar que eles possam passar um
tempo com o corpo da criança", explica a doutora Rita María Regojo, patologista
do Hospital Universitário La Paz.
Segundo a
especialista, existe um movimento na Espanha de sensibilização profissional
nesse sentido. "Para acompanhar uma família nesse momento doloroso é
preciso preparar os profissionais e melhorar os protocolos nos hospitais. O
sistema público espanhol está muito saturado mas mesmo assim é preciso
humanizar a saúde", sentencia.
Erika Menezes, que
trabalha como doula em Madri explica que é muito importante formar
profissionais nesse sentido porque uma das grandes queixas das famílias é a
falta de preparo da equipe médica. ¨A preparação do espaço onde isso vai
acontecer é muito importante. Imagina o quão violento pode ser você estar
ouvindo o choro de um bebê enquanto outra mãe está recebendo um corpo sem
vida¨.
A doutora que é
responsável por analisar os corpos dos bebês e as placentas para descobrir as
causas da morte também acha importante incentivar os pais que desejam a tirar
alguma fotografia do recém-nascido ou fazer uma pegada do pezinho.
"Ao ter poucas
lembranças e experiências com o bebê, a sociedade não reconhece esse luto como
algo realmente doloroso. Se os pais não receberem um bom acompanhamento, essa
dor pode virar patológica. Às vezes esse luto dura muito e ao não ter lembranças
só piora a situação. Por isso é importante guardar esse tipo de memória
física", explica.
• Tabu social
A Juliana acredita que
hoje em dia já se fala mais abertamente desse tipo de assunto mas ainda assim a
paulista acha que para algumas pessoas isso continua sendo um tabu.
"Algumas mulheres contam pelo que passaram mas só depois que já tiveram
outro filho. Vejo que algumas pessoas ainda não falam da dor realmente, do luto
de algo que não veio, do luto de uma expectativa. É muito esquisito porque essa
perda é um luto do futuro".
A doula brasileira
acompanha pais que perderem bebês no primeiro trimestre. "Vejo que a
sociedade não valida essa dor quando alguém diz frases que podem machucar: você
é jovem ou fica tranquila que logo você vai ter outro filho. Há famílias que
tiveram esse bebê muito presente, uma criança que já tinha nome, coisas foram
compradas. É uma dor muito grande e ter essa sensação de que é preciso virar a
página rápido não ajuda", explica Erika.
A mineira Gláucia
também lamenta essa situação. "A humanidade está avançando e agora já
damos nomes as coisas. Vejo que as pessoas estão começando a falar sobre isso,
mas o caminho ainda é longo. Para muitas pessoas o luto perinatal ainda é
menosprezado porque não existiu um bebê que se colocou no colo. A gente sofre
sozinha ou com a família mais próxima. É um luto solitário".
A goiana Ângela Nery
Soares perdeu duas gestações e explica como lidou com esse momento. "A
maneira como eu enfrentei essa perda e tive a sorte de contar com a ajuda da
minha psicóloga foi fazendo um ritual de integração dos meus dois bebês,
cheguei até a dar nome a eles e também escrevi cartas. Assim eu consegui me
conectar com eles e mantive os dois vivos na minha história".
A Juliana, que mora em
Madri há seis anos, comemora a abertura do Parque das Borboletas e também acha
muito importante que sejam criados mais grupos de suporte para mulheres que
passaram por isso. "Quando perdi meu bebê fiquei três semanas de cama e
até hoje eu choro por essa perda. Conversar com outras mulheres que passaram
por isso ajuda muito".
Fonte: BBC News
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