terça-feira, 12 de novembro de 2024

O que esperar do Brasil na Conferência do Clima

Sem o presidente da República nesta edição da Conferência do Clima das Nações Unidas, a COP29, que começa nesta segunda-feira (11/11) em Baku, Azerbaijão, a delegação brasileira chega com novas promessas. Parte do plano para cortar as emissões nacionais de gases estufa nos próximos dez anos foi anunciado dias antes, de surpresa, na noite da última sexta-feira.

A meta ainda deve ser apresentada formalmente pelo vice-presidente, Geraldo Alckmin, no documento oficial chamado de Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC, na sigla em inglês). Ela estabelece que, em 2035, o país vai despejar na atmosfera entre 850 milhões e 1 bilhão de toneladas de gás carbônico, o que significa uma redução de 59% a 67% em comparação aos níveis de 2005.

Quem trabalha fora do governo com o tema das mudanças climáticas esperava mais da administração de Luiz Inácio Lula da Silva. Embora o país tenha sido o segundo a apresentar sua nova NDC, atrás dos Emirados Árabes, a faixa dos números apresentados preocupa.

"Na prática, [a meta] mantém o país entre os poucos que ainda liberarão mais de 1 gigatonelada de CO2 por ano. O governo brasileiro ainda pode corrigir esse rumo antes de enviar oficialmente a meta à ONU", diz à DW Natalie Unterstell, presidente do Instituto Talanoa e especialista em política climática.

Márcio Astrini, diretor-executivo do Observatório do Clima (OC), rede com mais de 40 organizações da sociedade civil, concorda. "Se a meta é entre 850 milhões de CO2 e 1 bilhão, na prática, a primeira meta é 1 bilhão. Vai depender do que será apresentado no corpo da NDC durante a COP 29", comenta.

Em 2023, as emissões brutas de gases de efeito estufa do Brasil foram de 2,3 bilhões de toneladas de gás carbônico equivalente (GtCO2e). O número representa uma redução de 12% em relação a 2022, quando o país emitiu 2,6 bilhões de toneladas, segundo dados do Sistema de Estimativa de Esmissão de Gases, plataforma de monitoramento criada pelo OC.

<><> Tudo sobre dinheiro

São muitos os países que chegam à COP29 marcados por catástrofes recentes devido a algum evento extremo climático. Das enchentes no Rio Grande do Sul passando pela seca na Amazônia, o Brasil está nesta lista, incluindo Espanha, Estados Unidos e nações africanas.

Em Baku, a discussão vai pender para quem vai pagar esta conta: serão necessários trilhões de dólares para prevenir e proteger as pessoas contra os impactos do aquecimento do planeta já previstos há décadas por cientistas.

Vencer o impasse histórico do financiamento, que coloca em pontas diferentes da mesa de negociação as nações desenvolvidas e as mais pobres, já seria um avanço, defende Fernando Sampaio, da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura. "A solução da crise climática depende de recursos, de uma resposta conjunta das nações", comenta à DW.

Nesse sentido, o retorno de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos, segundo maior poluidor do planeta atrás da China, tem tudo para bagunçar as conversas. O vencedor das eleições é um notório negacionista do clima e, durante seu primeiro mandato, se negou a cumprir os compromissos de corte de emissões assumidos por Barack Obama durante a assinatura do Acordo de Paris, em 2015.

Naquele ano, na COP21, na capital francesa, os países concordaram em estabelecer compromissos nacionais para evitar que o aumento médio da temperatura global ultrapasse 1,5 °C em relação à era pré-Revolução Industrial. Medições recentes apontam que 2024 tem tudo para se tornar o mais quente da história, com aumento médio do termômetro no limite.

"Ainda que não tenham cumprido as promessas anteriores de colocar dinheiro na mesa à altura da sua responsabilidade, os americanos têm relevância nos aportes aos fundos climáticos internacionais e serão peça-chave nas negociações. Com a eleição de Trump, está dado que os americanos vão se abster das suas responsabilidades históricas", analisa Unterstell.

<><> E o fim dos combustíveis fósseis?

O Brasil chega a Baku com bons números na bagagem. Em 2024, a taxa de desmatamento na Amazônia caiu 30,6% em relação ao período anterior, que vai de agosto de 2022 a julho de 2023. No Cerrado, que desaparece numa velocidade maior, o ritmo de destruição também diminuiu. Foi uma redução de 25,8% em relação ao período anterior, a primeira em cinco anos no bioma.

"Os números são inquestionáveis", diz Astrini. "Mas reduzir o desmatamento para quem quer ser líder e vai presidir uma COP não é suficiente. Para ser líder, é preciso incidir na agenda global, e não nos problemas domésticos. Incidir na agenda tem a ver com discutir os combustíveis fósseis e o financiamento. E não é o caso do Brasil", critica.

Antes de chegar a Baku, a COP28, em Dubai, produziu um texto que colocou o ano de 2050 como limite para zerar as emissões líquidas geradas por combustíveis fósseis. O documento evitou falar explicitamente sobre "eliminação" de petróleo, gás e carvão, e disse que uma transição deve ser acelerada nesta década.

"Cabe à COP de Baku avançar, ou ao menos não permitir retrocessos na menção do documento final da COP 28, que citou pela primeira vez a necessidade de que os países reduzam o uso de combustíveis fósseis", afirma Sampaio.

Ainda não se sabe como o Brasil vai lidar com este tema. Em casa, o país pode inaugurar em breve uma nova frente de exploração de petróleo, na bacia marítima da Foz do Amazonas, ou Margem Equatorial. A Petrobrás busca licença há uma década para perfurar poços na região, mas nunca teve o pedido autorizado. O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), apesar de ter um parecer interno assinado por analistas que recomendam o arquivamento do pedido, deu mais uma chance para a petroleira detalhar seus planos e tentar mais uma vez.

<><> O que virá para Belém

Com uma boa reputação junto a delegações do mundo inteiro, a diplomacia brasileira deve adotar uma postura colaborativa em Baku. É desejado que o máximo de "nós" possíveis sejam desatados para que não se acumulem para a próxima COP, marcada para acontecer em Belém no próximo ano.

Até 2025, todos os 196 países que assinaram o Acordo de Paris precisam renovar seus compromissos climáticos nacionais, ou NDCs. A soma de todos eles teria que ser suficiente para limitar o aumento da temperatura a 1,5 °C. Com o que se tem até agora, o mundo ruma para um aquecimento de 2,5°C a 2,9°C até o fim do século, segundo a ferramenta que monitora as NDCs criada pelo World Resource Institute.

Para que a transição de Baku para Belém seja suave, a atual rodada teria que pressionar os países a assumirem metas mais ambiciosas em suas NDCs, criar um novo modelo de financiamento climático e garantir dinheiro público - e trilionário - aos mais vulneráveis, sugerem fontes ouvidas pela DW.

E a raiz da crise climática jamais deve ser colocada de lado: a queima desenfreada de petróleo nos últimos 200 anos que levou ao acúmulo sem precedentes de gases de efeito estufa da atmosfera. É este o grande vilão causador das mudanças climáticas, como ressalta o consenso científico.

"Não se pode esquecer: é crucial avançar em um roteiro claro para a transição para longe dos combustíveis fósseis", diz Natalie Unterstell sobre a COP 29.

 

¨      América Latina experimenta soluções para crise energética

Enquanto alguns países preparam o retorno das usinas nucleares, outros apostam no lítio. No Brasil, euforia do hidrogênio verde é grande: investidores estrangeiros já apostam no Nordeste como polo energético global.

Horas ou até dias sem eletricidade no Equador e em Cuba, gargalos no Brasil: na América Latina, o abastecimento de energia atravessa tempos difíceis. Os motivos são muitos, um dos quais é que a região – na verdade, pioneira das energias renováveis – está sendo agora especialmente atingida pelos efeitos das mudanças climáticas: secas durando semanas baixaram os níveis dos rios e represas que alimentam as usinas hidrelétricas.

As disputas pela distribuição já começaram, com a Colômbia, por exemplo, suspendendo temporariamente o fornecimento de energia ao Equador para não colocar a sua própria rede em risco. Embora os motivos dos gargalos difiram de país para país, as consequências são as mesmas: racionamentos e apagões, forçando um debate sobre como estabilizar a situação energética.

<><> Energia nuclear e ressalvas ao lítio

Na América Central, El Salvador é um dos países que planejam retornar à energia termonuclear. "Dentro de sete anos, pretendemos ter primeiro um reator de pesquisa, e depois um de produção", anunciou o chefe da Comissão Executiva Hidrelétrica do Rio Lempa (CEL), Daniel Álvarez, durante uma recente conferência em Assunção.

Também em outros países o tema energia nuclear retornou à pauta, com uma nova geração de reatores menores despertando interesse. O consenso é que essa forma de produção seria livre de emissões carbônicas e, portanto, verde.

O debate energético também passa pelo mineral lítio. No atual estado da ciência, ele é indispensável para a maior parte da produção de baterias para os automóveis elétricos, que estão substituindo os movidos a combustíveis fósseis. Em diversos países latino-americanos, contudo, esse tema encontra resistência, por exemplo devido ao grande volume d'água exigido na extração do lítio.

É o caso, por exemplo, de um projeto de extração no Peru: nas proximidades da geleira de Quelccaya, na região de Puno, no alto dos Andes, a firma Yellowcake, sucursal da canadense American Lithium, pretende extrair 9,5 milhões de toneladas dessa matéria prima.

Em entrevista ao portal da Radio France International, o ambientalista Vito Calderón criticou o projeto, levando em consideração o abastecimento d'água dos habitantes: como "a água doce dessa região flui para a bacia de Azángaro, a qual desemboca no lago Titicaca", ele teme que o recurso seja contaminado ou desconectado do circuito natural.

<><> Euforia do hidrogênio verde e o Brasil

Enquanto isso, em parte da América do Sul a euforia inicial em torno do hidrogênio de baixo carbono como solução mágica parece ter cedido lugar a um certo desencanto. Recentemente, o portal chileno Emol resumiu esse sentimento no artigo Hidrogênio verde: Dúvida global quanto ao setor industrial estratégico para o futuro do Chile, em que aponta como causa da retração a grande escala dos investimentos envolvidos.

Alex Godoy, diretor do Centro de Pesquisa de Sustentabilidade e Gestão Estratégica (CiSGER) da Universidad del Desarrollo, recomenda mais realismo e pequenos passos controláveis e planejáveis: "O cronograma deveria estabelecer metas de curto prazo, possibilitando projetos de investimentos rentáveis, mas também ambientalmente corretos."

A grande exceção nesse quadro é o Brasil, onde os planos em torno do hidrogênio verde permanecem eufóricos. Segundo a mídia nacional, o Nordeste poderia se transformar numa espécie de polo global de energia, na qualidade de uma das regiões do mundo em que é mais barata a produção de eletricidade e, portanto, de hidrogênio de fontes renováveis. Os estados de Ceará e Pernambuco já fecharam acordos com investidores estrangeiros.

"Infelizmente, entre eles não estão investidores alemães", lamenta Ansgar Pinkowski, fundador da Agência Neue Wege, especializada em consultoria e mediação entre o Brasil e a Europa em assuntos de energia. "Com a recém-aprovada lei do hidrogênio renovável, os riscos para os investidores ficaram consideravelmente menores e mais calculáveis."

Pinkowski arrisca um prognóstico: "Nos próximos anos, vamos ver um crescimento econômico muito grande na região, com que, espero, todas as camadas da população vão lucrar."

¨      Energia solar avança no mundo

À medida que cresce a demanda mundial por eletricidade, aumenta a participação do Sol na matriz energética. Embora a preferência continue sendo do carvão mineral (35%) e o gás natural (22%), enquanto em 2015 cabia à energia solar apenas 1%, em 2024 essa percentagem já alcança 6%, tendência francamente ascendente.

Em 2023 foram construídas usinas fotovoltaicas em todo o planeta com uma capacidade total de 447 gigawatts (GW). Segundo a confederação SolarPower, desse modo, em apenas um ano a produção solar global elevou-se em 38%, até 1.624 GW.

Bem mais modesta foi a ampliação das usinas eólicas (117 GW) e a carvão (70 GW) inauguradas no mesmo período, sobretudo na China e na Índia. Nos setores hidrelétrico (+7 GW), de gás natural (+6 GW) e biomassa (+4 GW), o acréscimo foi ainda inferior. Por sua vez, a capacidade de energia nuclear caiu 2 GW em 2023, com o fechamento de mais usinas antigas.

Segundo a SolarPower Europe, a energia fotovoltaica terá um crescimento global ainda mais forte no próximo quinquênio, chegando a até 20% mais usinas por ano. A organização prevê um total de 5.117 GW instalados até 2028, superando os 4.930 GW produzidos por todas as usinas de carvão, gás e petróleo juntas.

<><> Custo da energia solar cai continuamente

Os preços dos módulos fotovoltaicos caíram drasticamente, acima de tudo devido à produção em massa em fábricas chinesas, reduzindo em 80% o custo da energia solar em todo o mundo, nos últimos 15 anos. Na maioria das regiões, ela já é a alternativa mais barata.

Em zonas ensolaradas, é possível gerar eletricidade num parque fotovoltaico ao custo de 0,035 a 0,054 euro por kilowatt/hora, mostra um estudo do Instituto Fraunhofer para Sistemas de Energia Solar (ISE). Em países como Alemanha, em que há pouco sol, o custo é de 0,041 a 0,069 euro por kilowatt/hora, mas ainda bem menos do que a metade da energia proveniente das novas usinas nucleares, a gás ou a carvão.

A expansão fotovoltaica é marcante na Ásia, e muito especialmente na China, onde novos parques solares acrescentaram 253 GW à matriz energética em 2023, elevando a capacidade nacional total a 656 GW. Em 2024 se acrescentarão outros 299 GW. A Agência Internacional de Energia (AIE) calcula que as instalações solares cobrem 10% da demanda chinesa.

Atualmente o país ainda obtém 61% de sua eletricidade das usinas a carvão, tornando-se um dos principais emissores de dióxido de carbono (CO2). Porém o think tank britânico Ember estima que o combustível fóssil perderá importância na China, graças à ascensão da fonte solar.

O fenômeno se fez observar também em outros países em 2023: a Austrália ampliou sua produção solar em 36 GW, elevando a parcela dessa fonte a 15%. No Japão e na Índia, a capacidade solar é de 90 GW – 12% e 11% da demanda nacional, respectivamente. Com 9 GW, 20% da eletricidade do Chile é de origem fotovoltaica. No Brasil, com 39 GW, a proporção é de 11%; enquanto nos EUA (173 GW) e México (11 GW) ela é de 6%.

Ao todo, a União Europeia atingiu em 2023 uma capacidade solar de 269 GW, ou cerca de 10% da demanda total. Com 21%, a Espanha (36 GW), Holanda (33 GW) e Grécia (7 GW) lideram a maior participação fotovoltaica em sua matriz energética, seguidas pela Alemanha (92 GW = 14%), Polônia (17 GW = 12%) e Bulgária (4 GW = 11%).

<><> 50 vezes mais energia solar até 2050?

Apesar de o potencial fotovoltaico ser especialmente alto em regiões ensolaradas como a África e o Oriente Médio, lá ele é relativamente pouco explorado. Contudo a SolarPower Europe prevê uma guinada em breve, com a capacidade nesses locais quase quintuplicando até 2028, de 48 GW para 222 GW.

Israel (4 GW) produz 15% de sua eletricidade a partir do Sol. A Turquia (11 GW), África do Sul (6 GW) e Emirados Árabes Unidos (5 GW) suprem 7% de suas respectivas demandas energéticas por meio fotovoltaico, enquanto a proporção é de apenas 2% na potência petrolífera Arábia Saudita (3 GW).

Para abastecer toda a Terra com energia renovável a baixo custo, a solar teria um papel-chave. Um estudo publicado pela revista Science estipula a capacidade necessária em 104 mil GW – 50 vezes mais do que a atualmente disponível. Certos especialistas consideram essa meta viável até 2050, ou até bem mais cedo, se o ritmo da transição for acelerado.

Contudo, um relatório das Nações Unidas lembra que simultaneamente é preciso retirar CO2 da atmosfera, senão será impossível alcançar a meta estipulada no Acordo do Clima de Paris, de limitar o aquecimento do planeta a 1,5º C acima dos níveis pré-industriais.

 

Fonte: DW Brasil

 

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