Bahia é o estado com maior número de
facções criminosas no país
A Bahia é o estado
brasileiro com o maior número de facções em atuação. A concentração é de 21
organizações criminosas, dentre elas, as mais conhecidas são o Comando Vermelho
(CV) e o Bonde do Maluco (BDM). Os dados são de um levantamento da Secretaria Nacional
de Políticas Penais (Senappen), do Ministério da Justiça.
No Brasil, há 88
grupos atuantes dentro de 1.760 pavilhões prisionais. O Primeiro Comando da
Capital (PCC), de São Paulo, é a organização criminosa com maior influência
nacional, segundo informações do Poder 360. Ela atua em 24 estados e o Distrito
Federal, estando fora do Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul.
Já o Comando Vermelho
(CV) - cuja origem é carioca - está em segundo lugar no ranking de influência e
atua nos mesmos estados do PCC, com exceção de São Paulo e Rio Grande do Sul.
A Bahia, portanto,
possui quase 1/4 - em porcentagem exata, 23% - das organizações criminosas
presentes no Brasil e tem o pior lugar na classificação. Em seguida aparecem
Minas Gerais (com 11 facções), Rio Grande do Sul (10) e Pernambuco (7). O Rio
de Janeiro está em oitavo lugar, com cinco organizações criminosas.
Os estados com os
menores números são: São Paulo (1), Roraima (2) e Rio Grande do Norte (2), além
do Distrito Federal (2). Os números foram obtidos entre 2022 a 2024.
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Sinais de facção: entenda que gestos podem te colocar em risco na Bahia
Com o aumento da
violência na Bahia, ainda é preciso estar atento aos símbolos e sinais usados
pelos membros de cada facção e que podem levar pessoas comuns a algum risco.
Sinais de '2' ou '3' que, antes, serviam como composição em uma pose
descontraída na Bahia e, sobretudo, em Salvador, ganharam uma roupagem
perigosa.
Enquanto alguém usa os
dois dedos para, por exemplo, fazer o símbolo da ‘paz e amor’ em um gesto, a
interpretação está aberta para um apoio ao CV. Para quem é roqueiro, por outro
lado, o sinal que levanta três dedos, principalmente de forma lateral, pode ser
visto como uma saudação para integrantes do BDM.
Um pentagrama ainda é
usado por membros da facção Katiara. Um mago pode significar que a pessoa faz
parte do grupo Caveira. Já o desenho do escorpião é comumente usado por
integrantes das quadrilhas CP (Comando da Paz) e PCC (Primeiro Comando da
Capital), facção paulista com forte influência na Bahia.
Essas informações
fazem parte de um estudo realizado pelo capitão da Polícia Militar, Alden José
Lázaro da Silva, do Departamento de Polícia Comunitária e Direitos Humanos. Há
mais de 10 anos, ele se dedica a traduzir o significado de imagens desenhadas nos
corpos de presos e suspeitos de crimes na Bahia e é o autor da Cartilha de
Orientação Policial, adotada pela PM baiana, que está sendo atualizada.
• Agiotas colombianos: como eles dominaram
as periferias de Salvador
Dia sim, dia também,
os comerciantes de uma rua comercial do bairro de São Cristóvão têm visita. Os
forasteiros, mulheres e homens estrangeiros, passam para lembrar, por meio de
cartões de visita, que emprestam dinheiro. E para dizer um "oi", amigável
ou violento, a depender da recepção, a quem está devendo.
Os visitantes saíram
da Colômbia para engrossar a massa da agiotagem existente na Bahia. A prática
de empréstimo a juros existe em toda a América Latina, impulsionada pelos
índices de pobreza e endividamento da população, mas, em cidades colombianas,
ela foi um esquema arquitetado em décadas por uma receita que combina cartéis
de tráfico e domínio de territórios.
Para abrir novas
rotas, criminosos puseram os olhos no Brasil. Sob a lupa, a Bahia apresentou
pré-requisitos atraentes aos agiotas: as pequenas empresas locais devem R$ 1,2
bilhão à Receita Federal, possui a segunda maior taxa de desemprego do país
(11,4%), e 40% da população está com o nome sujo, ou seja, não pode apelar a
bancos.
Instalados na Bahia,
os agiotas se espalharam pelo mapa, do sul ao norte, em cidades de médio e
grande porte. Uma delas é Juazeiro, onde, na noite do último dia 1º de outubro,
dois colombianos (pai e filho) foram assassinados.
O bairro do Coliseu,
onde os homicídios ocorreram, é comercial e, segundo comerciantes, estrangeiros
aparecem diariamente para emprestar dinheiro. O crime é investigado pela
Polícia Civil.
“O triplo homicídio
ainda está sendo investigado, a relação do caso com a agiotagem colombiana é
uma possibilidade, pois há um grupo deles que está lá há algum tempo, fazendo
cobranças, empréstimo diário, e cometendo violência contra quem não consegue pagar”,
afirma o diretor do Sindicato dos Policiais Civis da Bahia, Edvaldo Santos.
“Todavia, a polícia tem dificuldade em apurar crimes de agiotagem, em virtude
da falta de registro, já que a população não vai à delegacia denunciar
geralmente".
Como acontece em
Juazeiro, em Salvador os agiotas também elegem bairros com potencial no
comércio e populosos para trabalhar, como São Cristóvão, Liberdade, Cajazeiras
e o centro. Em uma das calçadas da Avenida Aliomar Baleeiro, em São Cristóvão,
três dos cinco vendedores ambulantes de plantão por ali já recorreram aos
colombianos.
Um deles, inclusive,
fechou o box em uma das manhãs chuvosas de outubro em que a reportagem esteve
no bairro. Não pelo tempo. "Ela deve a dois ‘gringos’ e fecha quando não
pode pagar", afirma um dos vizinhos, também habituado a pedir dinheiro aos
estrangeiros.
<><> Como
agem os agiotas colombianos?
Cartões deixados na
véspera naquelas bancas, que vendiam de CDs a bananas, mostravam como funciona
o sistema de empréstimos: quem tomar, por exemplo, R$ 100 emprestado deverá
pagar R$ 6 por dia, por 20 dias. No final, pagará um valor 25% maior.
Segundo o Banco
Central (BC), a taxa média de juros mensais em bancos é de 13%. Alheios a esses
dados ou inadimplentes, os vendedores de hortaliça são os principais clientes
dos estrangeiros. A mercadoria deles é perecível: o que não é vendido estraga
rápido e precisa ser reposto. Faltar dinheiro é tão frequente quanto um cliente
apertar a fruta antes de levar.
Em agosto, uma das
vendedoras tomou R$ 8 mil emprestado para repor a mercadoria, comprada em um
centro de abastecimento. Foi o segundo empréstimo em dois anos. "A gente
conseguiu pagar e hoje não deve nada", contou a mulher, que passa o dia à
frente da barraquinha.
"Empréstimo no
banco não gosto", acrescenta ela, com a justificativa de que as
burocracias dessas instituições são um empecilho para pequenos empreendedores.
Quem prefere o
financiamento dos colombianos também alega que o acordo é mais rápido; além do
mais, estão mais acostumados a tratar com agiotas do que com atendentes de
banco. "No banco querem saber até o que você come", reclama outra
comerciante, que pede dinheiro a colombianos há mais de 10 anos.
O negócio é antigo.
"Mas aumentou muito nos últimos dois anos", diz um vendedor de
lanches. "Vejo uns dez colombianos diferentes aqui", estima ele,
enquanto tira cinco cartõezinhos de colombianos de um pote transparente.
No papel, estão
escritas as condições de pagamento, um contato com DDD local e o aviso:
"Sem fiador, pagamento diário". Se preferirem, os clientes também
podem ir até uma das dezenas de salas de empréstimo no bairro.
O intervalo em que os
comerciantes observam um aumento da presença de colombianos no bairro coincide
com o crescimento da imigração da Colômbia para a Bahia, impulsionada pelas
sucessivas crises econômicas, políticas e de segurança no país. Em 2010, 30 colombianos
solicitaram moradia temporária na Bahia. No ano passado, foram 97.
Sem encontrar trabalho
formal no destino, ou recrutados para a agiotagem antes da imigração, alguns
estrangeiros iniciam como "gota a gota".
Agiotas são recrutados
antes de sair do país
A função do “gota a
gota”, cobrar diariamente as dívidas, é uma das que sustenta a pirâmide da
agiotagem colombiana — ela não existe na agiotagem brasileira, que opta pela
cobrança mensal.
Esse “gota a gota”, ou
cobrador, recebe R$ 300 semanais, o aluguel de uma casa e uma moto para
trabalhar. Os chefes são os agiotas, os donos do dinheiro, que ocupam o topo da
pirâmide. Na base, está o “tarjeteiro”, que distribui os cartões de empréstimo e
cataloga os nomes dos devedores. Quem está nessa lista sabe do risco.
"A mulher daquela
banca ali", diz um vendedor de frutas de São Cristóvão apontando para um
box fechado, "vivia com medo porque era ameaçada por um 'gringo' e morreu
sem conseguir pagar, mas não sei como está isso".
Em março deste ano, a
Justiça baiana analisou um caso de violência contra devedores. Um baiano foi
assassinado dias depois de relatar à namorada ameaças sofridas após não quitar
dívidas com colombianos. O assassinato ainda é investigado pela Polícia Civil.
É da Colômbia que
partem as ordens de recrutamento pelos operadores da agiotagem no Brasil, seja
de pessoas que ainda querem emigrar ou daquelas que desembarcaram por aqui. Os
mais buscados são cobradores.
"Precisando de
cobrador em Salvador, Bahia", escreveu um homem no dia 29 de setembro, em
um grupo público no Facebook que reúne 21 mil colombianos que moram ou querem
morar no Brasil. A convocação despertou o interesse de 19 pessoas.
O recrutamento
acontece às claras, apesar de, no Brasil, a agiotagem ser crime passível de
detenção de dois anos (que podem ser acrescidos se houver outras infrações
praticadas durante a atividade, como ameaça e assassinato).
Os homens são os
principais interessados nas vagas, mas não há restrições quanto às mulheres. Em
fevereiro, uma colombiana avisou sobre a busca por um “tarjeteiro”, homem ou
mulher, para atuar em Candeias, na RMS. Três pessoas responderam.
Os integrantes também
se candidatam. “Alguém necessita de cobrador para Salvador?”, perguntou um
homem, no último dia 20 de outubro. Dessa vez, ninguém respondeu. Um colombiano
que mora na capital baiana há três anos respondeu a duas publicações desse tipo,
mas nega ter trabalhado para a agiotagem.
"Eles [os agiotas
colombianos] não ajudam os colombianos, exploram", afirma o homem de 40
anos sobre os manda-chuva da agiotagem. "Muita gente trabalha com isso por
desespero, da situação econômica", opina.
Os recrutadores
custeiam a viagem, a cinco dias de ônibus ou a dez horas em voo com conexão
para Salvador. “São pessoas pobres”, afirma um ex-agiota baiano sobre os
recrutados para essa rede.
Um velho conhecido
colombiano dele, no entanto, não está mais no "quintal" dos negócios.
A atividade criminosa permite ascensão interna. Hoje, ele mora em um condomínio
fechado e está expandindo os negócios por conta própria. Agora, segundo o ex-contraventor,
o colega quer dominar uma fatia do empréstimo ilegal em Alagoinhas. “Eles
compram rotas, digamos assim, e tem sempre mais gente chegando", explica o
hoje comerciante.
A Polícia Civil da
Bahia se limitou a dizer que não possui "recorte estatístico" para
dimensionar a agiotagem no estado.
• Processo judicial cita envolvimento de
policiais na agiotagem
O Ministério da
Justiça e Segurança Pública reconhece a atuação de alguns imigrantes
colombianos na agiotagem e afirma atuar de forma "preventiva e repressiva
no combate ao tráfico de pessoas" que seriam recrutadas para essa
atividade. Em abril, os governos do Brasil e da Colômbia assinaram um memorando
para o enfrentamento desse crime.
Entre si, há
colombianos que participaram da agiotagem e agora sugerem outro caminho para
conterrâneos. No dia 31 de dezembro de 2023, um homem publicou no grupo de
imigrantes colombianos no Facebook o desejo de vir morar no Brasil. “O conselho
que te dou”, respondeu uma das 69 pessoas que comentaram o post, “é que consiga
um trabalho primeiro. Se não, é um ‘gota a gota’ e corre muito perigo”.
O "perigo"
da função fica evidente, por exemplo, em um pedido de habeas corpus analisado e
negado pela Justiça baiana em 2020. Naquele ano, dois policiais civis foram
acusados de matar três agiotas colombianos que atuavam no sul da Bahia, três anos
antes.
Segundo o inquérito
policial, os agentes cobravam propina de Andrés Zuluaga, Alejandro Cerón e
Jaime Cardona para ignorar as atividades ilegais deles. O atraso do pagamento
do suborno, ainda de acordo com a investigação, motivou os assassinatos em
Eunápolis e Porto Seguro. A Polícia Civil não atualizou a situação dos agentes.
Consultado sobre a
quantidade de processos judiciais que citam o termo "agiota
colombiano", o Tribunal de Justiça da Bahia (TJ) afirmou que seu sistema
de dados não possui um filtro específico para essa busca. A Receita Federal,
que participa de operações contra a agiotagem, afirmou que não se manifesta
sobre operações em andamento.
• De onde vem a agiotagem colombiana?
“Quando eu falo que
sou colombiano, há um estigma", afirma um imigrante que vive em Salvador
há 10 anos e pediu anonimato. "Como se eu tivesse associação com algum
crime", reclama. Em conversas com amigos, a agiotagem é um dos temas.
"Uma das minhas
teorias é: houve uma guerra interna, entre guerrilhas, paramilitares e Estado.
Quando houve os ‘diálogos de paz’, o Estado negociou com muitos atores armados
e pagou muita gente para que criassem uma outra vida. Muitos deles viraram agiotas."
A suposição do
colombiano não é unânime no país — há também os defensores dos diálogos de paz
com as Farc, por exemplo. O conflito na Colômbia existe pelo menos desde 1948.
Naquele ano, o assassinato do líder liberal colombiano Jorge Eliecer Gaitán
provocou o conflito entre liberais e conservadores.
Desde então, os
eventos violentos se sucederam. No início dos anos 90, em cada canto do país,
passaram a atuar grupos paramilitares que matavam políticos de esquerda,
líderes sociais, professores, estudantes, etc.
O tráfico de drogas
também teve influência sobre o conflito armado colombiano. De acordo com
investigações internas, os cartéis viraram financiadores de alguns movimentos
guerrilheiros e dos grupos paramilitares.
"O controle
econômico é fundamental para o controle das pessoas. Se olharmos, por exemplo,
para a Colômbia, há um embaralhamento das perseguições políticas com a situação
financeira, e muitas vezes a causa da saída do país é a desestruturação econômica”,
explica a antropóloga colombiana Angela Facundo, professora da Universidade
Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e pesquisadora de imigração.
"Durante muito
tempo, a Colômbia ocupou o topo da lista de deslocados internos e, depois,
externos", acrescenta. O Brasil foi um dos países na América Latina a
colocar em prática um programa de reassentamento solidário para colombianos, em
2004. "Desde a época do meu doutorado, nesse período, pessoas falavam da
existência de alguns grupos de colombianos dedicados a práticas. [de
agiotagem]".
Não há estudos que
apontem a agiotagem como uma atividade à qual imigrantes recorrem ao não
encontrar trabalho formal. A pobreza, no entanto, é um fator que deixa pessoas
vulneráveis.
"O que tem sido
narrado: há um chamado para jovens desempregados, sem muita possibilidade, que
veem aquilo como fonte de renda e como prestígio. O cobrador, por exemplo,
recebe uma moto. Isso dá uma ideia de prestígio para a pessoa que saiu do seu país,
que pode enviar, para quem ficou, uma foto com esse veículo", afirma
Angela.
A pesquisadora destaca
que sistemas paralelos de empréstimos podem ser a única maneira de pobres e
migrantes conseguirem dinheiro. “As cidadanias financeiras estão muito marcadas
pelo acesso ao celular, uma boa rede de internet”, afirma, “mas há pessoas que
tentam, inclusive, ter acesso a bancos, e não conseguem. Quem já era excluído
dos sistemas financeiros oficiais é novamente deixado à margem dos benefícios
das soluções virtuais”.
Fonte: Correio
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