Moisés
Mendes: Bolsonaro chega ao estágio sem volta dos últimos estertores
Um
morto político tem um longo período de estertores até ser dado como alguém sem vida.
Bolsonaro é um quase morto sob observação. Finge que está vivo, mas não
convence nem os parceiros que desejam acelerar seu fim.
O
artigo publicado na Folha, no domingo, tenta cumprir a tarefa de mostrar que
ele ainda treme a perna, revira os olhos e manda mensagens aos seus que leem
jornal. Mas não há muito o que fazer.
O
título do artigo é: “Aceitem a democracia”. Quase toda a argumentação se baseia
na suposição de que a eleição de Trump irá fortalecê-lo como democrata e
guardião das liberdades no Brasil e na região.
O
sujeito que articulou o golpe, fugiu para os Estados Unidos e abandonou os
manés no 8 de janeiro afirma: “O jardim da política só floresce quando é
irrigado pela vontade popular”. São os últimos delírios de um golpista
debochado, lírico e floral.
O
artigo parece ter sido escrito como recado à turma de cima da direita e às
elites empresariais que o abandonaram. Bolsonaro diz que “o cenário da esquerda
é de envelhecimento e desolação”, podendo estar certo quanto ao primeiro
diagnóstico.
As
esquerdas de fato envelheceram, mas a extrema direita por ele acionada também
ficou velha e gasta em pouco tempo. Consagrou-se, por verificação dos dados da
eleição, que Bolsonaro foi o maior perdedor.
A
direita revitalizada, rejuvenescida e vitoriosa em outubro não se submete às
suas orientações e não deseja tê-lo como líder. É a velha direita de Valdemar
Costa Neto e Gilberto Kassab, agora harmonizada e de minissaia.
Não
há, desde o desfecho do segundo turno, uma manifestação categórica e sincera,
por parte de liderados com alguma relevância, que possa sugerir a manutenção da
subserviência ou da obediência respeitosa a Bolsonaro.
Ampliaram-se,
a partir dos recados de Silas Malafaia de que Bolsonaro é “covarde e omisso”,
as dissidências no bolsonarismo, com os distanciamentos de Ronaldo Caiado,
Ricardo Salles, Nikolas Ferreira e gente do time intermediário, entre os quais
alguns pastores.
Para
reforçar os atritos, os jornais creditam a Tarcísio de Freitas a ideia de
espalhar que Caiado é o herdeiro natural de Bolsonaro, o que poderia projetar o
goiano como nome forte da direita para 2026, mas na verdade procura queimá-lo
por antecipação.
Caiado
e Bolsonaro não se falam. E o outro é concorrente direto de Tarcísio ao espólio
do bolsonarismo, considerando-se que Pablo Marçal deve ser retirado do jogo
pelo Judiciário.
Marçal,
o do laudo falso, sai porque é da Série C da política e não impõe medo.
Tarcísio, o da acusação falsa a Boulos no caso do voto ‘recomendado’ pelo PCC,
fica ileso porque é perigoso mexer com quem pode ser o novo Bolsonaro.
Daqui
a pouco saberemos quem mais, além de Bolsonaro, Marçal, Alexandre Ramagem e
outros candidatos fracassados da extrema direita às prefeituras, pode ser
considerado nos últimos estertores.
Os
militares, sem o lastro do voto, podem estar num estágio de moribundez mais
avançado, mas ainda não bem percebido, porque dependemos de gestos do sistema
de Justiça para desanuviar a situação dos golpistas fardados.
E
há ainda os ajudantes da estrutura endinheirada do golpe, entre os quais os
grandes empresários financiadores (não os laranjas dessa gente), que sumiram
antes do 8 de janeiro e ninguém mais fala deles.
Quais
já estariam mortos hoje, à espera da pá de cal do Ministério Público e de
Alexandre de Moraes? Vamos aguardar. Paciência é uma das poucas coisas que até
a desesperança ainda nos oferece de graça.
• A mídia
reconstrói e projeta Bolsonaro. De novo. Por Eliara Santana
Desde
que Donald Trump foi eleito para um segundo mandato nos EUA, Jair Bolsonaro,
aqui no Brasil, ficou ouriçadíssimo, em estado contínuo de gozo e alegria.
Voltou
super atuante e otimista nas redes sociais, dando novas cores a questões
antigas, ressignificando o discurso, projetando futuro, fazendo planos para o
Brasil.
Até
aí, tudo bem – essa euforia era esperada, todos sabemos das ligações da família
Bolsonaro com Trump e o significado dessa eleição para o clã.
Mas,
o ponto chocante nesse contexto é o espaço qualificado que a mídia corporativa
está dando a Jair Bolsonaro no cenário político brasileiro, como alguém capaz
de fazer análise (!) do cenário conjuntural mundial da eleição de Donald Trump,
normalizando uma figura abjeta e que não titubeia em se insurgir contra a
democracia.
Jair
Bolsonaro perseguiu a imprensa, foi absolutamente negacionista na gestão da
pandemia, estruturou um ecossistema de desinformação potente no Brasil, deixou
a boiada passar com o meio ambiente, desbaratou a economia e as políticas
sociais, está sendo investigado por ligações com a articulação de um golpe para
impedir a posse de Lula, o que se materializou no 8 de janeiro em Brasília, e
está inelegível – apenas para lembrar alguns fatos recentes.
É
esse o ator político que a mídia brasileira alça como figura relevante para
falar sobre a eleição de Donald Trump e ganhar palco para defender o seu
próprio retorno em 2026?
Na
Presidência da República, Bolsonaro relegou a imprensa ao CERCADINHO. Batia
diuturnamente, sem dó nem piedade, na Folha de São Paulo e na Globo. Retirou
todos os anúncios governamentais. Fez ameaças de censura e de não renovar
concessão, no caso da Globo. E agora, o que vemos?
Entrevista
de página inteira em O Globo, artigo (queria saber quem escreveu) na Folha de
São Paulo falando em democracia, capa bem produzida da Veja onde Jair afirma, à
la Luiz XIV, o rei absolutista francês, que “O candidato sou eu”.
Contidas
as inquietações do fígado após tantas manchetes, vamos refletir sobre esse
abraço atual em Jair, o inelegível.
A
mídia brasileira é, antes de qualquer coisa, antipetista e antilulista – alguns
mais, outros menos, com realinhamentos que podem ocorrer –, o que é então o
primeiro filtro para nossa reflexão.
O
segundo é que esse abraço de 2024 não é exatamente um movimento novo – em 2018,
a mídia também abraçou Jair Bolsonaro.
Quando
falo isso em palestras ou entrevistas, as pessoas reagem surpresas dizendo
enfáticas que a mídia não apoiou Bolsonaro.
Há
formas e formas de simular ser contra alguma coisa. Assim como há formas e
formas de fingir ser a favor e fingir alinhamento – alguém pode olhar nos seus
olhos, trabalhando em projetos com você, parecendo ser leal e parceiro e puxar
seu tapete com um email.
Portanto,
no caso midiático, bater na tecla da polarização entre Haddad e Bolsonaro,
colocar o personagem em evidência no hospital, fazer entrevista exclusiva, não
deixar chamá-lo de candidato de extrema direita… tudo isso são estratégias de
discurso para fingir ser contra sem ser exatamente contra.
Naquele
momento, o que valia era a mobilização para apagar o PT e garantir que Lula
ficasse preso e Haddad fosse varrido do mapa da eleição.
Muito
bem. Em 2024, o que importa é achar elementos e personagens e mobilizar
narrativas para fazer frente a Lula em 2026.
Não
se enganem, apesar dos resultados das eleições municipais, Lula é um candidato
muito forte: a economia vai bem, o desemprego cai ao menor nível, aeroporto
virou rodoviária de novo, as vendas deste Natal vão bater recorde.
E
nada disso, como sabemos, agrada a Faria Lima, o deus mercado, o capitalismo
selvagem – mesmo que simulem reações de contentamento.
Portanto,
não há estratégia melhor do que construir consenso em torno de algumas
questões, essa maravilha que Chomsky nos mostrou lá atrás.
E
quem melhor do que Jair que, embora inelegível, ainda é capaz de mobilizar
corações e mentes?
Muito
embora sonhe com Tarcísio – e sonha –, a mídia sabe que ele não é páreo para
Lula em condições normais de temperatura e pressão. Portanto, o alinhamento com
Jair, trazê-lo de volta à cena política pode ser entendida como contraponto ao
favoritismo de Lula.
No
entanto, sempre há brechas, furos, e o mar da história é agitado.
Primeiro,
porque Lula está fortalecido e se fortalecendo, o que veremos com os eventos do
G20.
Segundo,
e muito importante: Bolsonaro incensado é um perigo. O ego dele é
incontrolável, e os filhos não são idiotas, pelo contrário, e partem para a
briga rasteira.
Jair
não é um personagem político que pode ser simplesmente usado para alguns fins –
e o que quero dizer com isso é que Bolsonaro com ego inflado é péssimo para
Tarcísio e coloca a extrema direita Danoninho e a extrema direita raiz em rota
de colisão – com todos sabendo usar muito bem o mundo digital e com expertise
em construir realidade paralela.
Brincar
com fogo é perigoso.
A
ação calhorda da mídia pode ser, de novo, um grande tiro no pé. Aguardemos.
• Folha, Globo
e a ilusão de Bolsonaro. Por Mauro Motoryn
Bolsonaro
teve o seu ‘media day’ após a eleição de Trump para sonhar com 2026.
A
vitória de Donald Trump nas eleições americanas trouxe um novo fôlego a Jair
Bolsonaro.
Tão
logo o resultado foi decretado, o ex-presidente se apressou em tentar forçar
paralelos entre sua trajetória e a do republicano, apostando em um retorno
triunfal em 2026.
Para
disseminar a narrativa que lhe interessa, Bolsonaro contou com aliados
improváveis: as famílias Frias e Marinho.
Na quarta-feira, 7, logo pela manhã, o
ex-presidente teve uma entrevista exclusiva publicada na Folha de S.Paulo. À
tarde, foi a vez d’O Globo.
Às
vésperas do seu indiciamento pela tentativa de dar um golpe de estado, Bolsonaro
esqueceu as restrições que tem à imprensa para fazer seu “media day” – dia em
que figuras públicas concedem várias entrevistas seguidas, se dedicando a
atividades de comunicação.
Como
de costume, a mensagem nas diferentes entrevistas foi igual: que a sua prisão
traria impacto mundial, num misto de bravata, ameaça e vitimização.
A
aposta é que o novo cenário internacional intimide o Supremo Tribunal Federal nos julgamentos que
virão em 2025.
Nem
o ex-presidente Michel Temer, do MDB, que Bolsonaro tentou afagar sugerindo à
Folha que poderia ser seu vice em 2026, acredita que o STF possa ser influenciado por Trump. “Eleito
Trump nos EUA, isso vai influenciar o Judiciário daqui? Eu não acredito”,
disse.
Se
Temer acredita ou não, pouco importa. Bolsonaro tem que acreditar.
É
sua única esperança. Por isso, se apressou em ir à imprensa dizer que a eleição
de Trump era um “passo importantíssimo” para a anistia dos golpistas de 8 de
janeiro e para seu caminho de volta à elegibilidade.
Sim,
as apostas de que Bolsonaro pode estar na disputa de 2026 têm crescido. Mas a
maior parte delas não considera que ele não tem quórum suficiente para reverter
sua inelegibilidade no plenário do TSE, mesmo que Kássio Nunes Marques e André
Mendonça estejam prestes a assumir o comando da Corte.
Nunes
Marques já é, hoje, vice-presidente do TSE. A dois meses da eleição
presidencial, ele sucederá Cármen Lúcia e assumirá o cargo de presidente.
Mendonça,
por sua vez, será alçado a vice. A ascensão da dupla, porém, não garante a
reversão da inelegibilidade de Bolsonaro.
Nas
duas condenações que sofreu na Corte, o ex-presidente perdeu por cinco votos a
dois – sendo que um deles era de Nunes Marques, que já integrava o TSE em 2023.
Com a substituição de Cármen Lúcia por Mendonça, Bolsonaro ganha um voto – nada
que mude o cenário.
Mesmo
que o TSE fizesse uma guinada pró-Bolsonaro, especialistas apontam que é no STF
que os recursos às decisões de inelegibilidade devem ser analisadas – e,
inclusive, já estão sendo, com quase nenhuma chance de sucesso para o
ex-presidente.
Um
outro rumor que ouriçou bolsonaristas na semana passada surgiu depois que Nunes
Marques autorizou o deputado estadual pernambucano Lula Cabral, do
Solidariedade, a tomar posse como prefeito de Cabo de Santo Agostinho mesmo
tendo sido declarado inelegível pelo Tribunal Regional Eleitoral.
Na
semana passada, quando o caso pipocou nas redes sociais, consultei o Fernando
Neisser, advogado especializado em Direito Eleitoral. “Essa é uma decisão
normal. Inelegibilidade decorrente de rejeição de contas tem esse espaço de
interpretação mesmo”, explicou.
De
fato, Lula Cabral concorreu sub judice em função de ter tido suas contas como
ex-prefeito rejeitadas pela Câmara Municipal.
No
caso de Bolsonaro, me explicou Neisser, isso nem seria possível. “Não há
nenhuma relação desse caso com Bolsonaro”, pontuou.
Tão
improvável quanto a elegibilidade é a tal anistia, que Bolsonaro também
propagou como real nas entrevistas à imprensa: “O Congresso é o caminho para
tudo”, profetizou.
Mas
os especialistas são unânimes em dizer: mesmo que a anistia vá à frente, ela
deverá ser questionada no STF.
Ou
seja: mesmo que, por ora, não exista nenhuma chance real de que isso aconteça,
Bolsonaro trabalha para alimentar a ilusão de seu retorno em 2026 — uma janela
de oportunidade aberta por Trump e amplificada pela cobertura generosa da
imprensa brasileira.
Fonte:
Brasil 247/Viomundo/The Intercept
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