"A presença das mulheres faz muita
diferença", diz deputada de Moçambique
O Congresso Nacional,
em Brasília, recebeu 127 parlamentares - 59 deles, brasileiros - divididos em
35 delegações de 23 países para o P20, 10ª Cúpula de Presidentes dos
Parlamentos do G20. Dos 19 membros do grupo, 17 estiveram presentes: 15 países
e os dois organismos internacionais, União Africana e a União Europeia.
Oito nações convidadas
se uniram ao encontro: Emirados Árabes Unidos, Espanha, Singapura, Angola,
Guiné Equatorial, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe, os últimos cinco
membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) junto ao Brasil.
Ao Correio, a deputada
da Assembleia da República desde 2010 e membro da Comissão Permanente da
Assembleia da República de Moçambique, Telmina Pereira, concedeu uma entrevista
exclusiva para compartilhar um retrato da realidade do país frente aos temas do
G20, abordados nas sessões de trabalho do evento.
Moçambique, apesar da
forte cultura patriarcal, tem sobressaído na representatividade feminina na
política, ficando em primeiro lugar entre os o países lusófonos, com 43,2% de
mulheres no parlamento, enquanto o Brasil ocupa o último lugar, com 17,5%. A média
global é de 26,9%. Os dados são do ranking de mulheres em parlamentos nacionais
da União Interparlamentar (UIP), de outubro deste ano.
O país se destaca por
ter alcançado um um crescimento superior a 20% da participação das mulheres na
gestão pública nos últimos 12 anos sem precisar de recorrer a lei de cotas,
mecanismo usado pelos países em busca pela paridade de gêneros na política. Telmina
relata que há desafios a serem enfrentados na luta pela igualdade de gênero,
mas reconhece os avanços e explica como o país alcançou tal feito. Mesmo com
uma história democrática recente - o país conquistou a independência de
Portugal em 1975, após 400 anos de colonização.
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Confira a entrevista na íntegra:
• Moçambique ocupa o primeiro lugar entre
os países de língua portuguesa em representatividade feminina no Parlamento.
Nos últimos 12 anos houve um crescimento superior a 20% nessa estatística. Como
isso aconteceu?
A população de
Moçambique é majoritariamente feminina, de 53%. Um sinal da importância da
participação das mulheres nas decisões fundamentais do país. Também fazemos
parte da comunidade dos países da África austral, a organização
intergovernamental Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC), que
tomou a decisão de que os países devem lutar para atingir a paridade de gênero
na composição dos fóruns da decisão. Trabalhamos para alcançar essas metas.
• E o que foi feito para se chegar a esse
resultado?
Há países que
decidiram estabelecer por lei cotas mínimas para mulheres e para homens. Não é
o caso de Moçambique. Eu faço parte do partido que está no poder neste momento,
a Frelimo, que sua história, dá muito espaço para a participação feminina.
Desde a luta da libertação do nosso país, as mulheres assumiram um papel de
destaque com a criação do que chamamos "O Destacamento Feminino" - as
mulheres eram soldados e estavam na linha de frente da batalha. Então, abriu-se
espaço para a participação feminina. Além disso, o partido exige que, em
qualquer eleição, seja interna seja para concorrer a cargos políticos no
parlamento, haja pelo menos 35% de mulheres. Na Frelimo, criamos um sistema de
cruzamento das listas entre gêneros. Então, se o número um é um homem, o número
dois deve ser uma mulher, o número três um homem, e por assim em diante.
Fazemos aquilo que se chama, vulgarmente, "o sistema zebra". Foi uma
forma que encontramos de assegurar a presença de mulheres em posições elegíveis
e em igualdade de circunstância com os homens.
• E os outros partidos?
Influenciamos a
política moçambicana como um todo. As eleições recentes [ocorridas em outubro
deste ano] - ainda estamos à espera da confirmação dos resultados - mostram que
outros partidos passaram a fazer o mesmo.
• Sem a necessidade de leis de cotas.
Devo dizer que, quando
há compromisso da liderança, seja a nível estatal, seja partidário, é possível
conseguir os resultados que nós queremos. Temos 11 ministras e 11 ministros. No
Judiciário, mulheres no cargo de Procuradora-Geral da República de Moçambique e
na presidência de dois tribunais - o administrativo e o fiscal. Isso fortalece
a cultura de que as mulheres podem e devem estar em posições de destaque, seja
na política, como em qualquer outra área.
• É quase o dobro da média global, de
26,9%.
Como não temos nenhuma
obrigação legal, trabalhamos com a cabeça das pessoas para que percebam que
homens e mulheres têm o direito de participarem em igualdade de circunstâncias
na tomada de decisões do país. E a presença das mulheres faz muita diferença,
porque a sensibilidade delas para os problemas do dia a dia das comunidades e
das famílias é diferente da sensibilidade dos homens.
• Mas ainda há desafios.
Temos bastante. Ainda
há um predomínio masculino em termos de domínio, apesar do crescimento da
participação feminina.
• Em uma sessão de trabalho, o P20 debateu
sobre combate à fome, à pobreza e à desigualdade social. Como é a realidade de
Moçambique?
Ter no mínimo três
refeições por dia não é a realidade de todos os moçambicanos, sobretudo aquelas
famílias que dependem da agricultura de subsistência. Somos um país com uma
população majoritariamente rural e técnicas de produção não muito modernas. Como
consequência, a porcentagem da população que sofre com a pobreza é alta. Este
ano, a situação de agravou com o fenômeno El Niño, que atinge a África austral.
Estamos com problemas sérios de algumas bolsas de fome que já começam a surgir
em alguns pontos do país.
• De que forma o P20 pode contribuir para
encontrar soluções para esses problemas?
Encontrar estratégias
concretas sobre como superar esses problemas para nós é um desafio. Enfrentamos
dificuldades em disponibilizar água potável, por exemplo, e isso interfere na
alimentação. Apesar dos investimento na provisão de água potável, muitas comunidades
continuam dependendo da água das chuvas: se choveu tem água, se não choveu não
tem água, o que leva à necessidade de se buscar água diretamente no rio ou numa
lagoa, onde a água não pode ser considerada como de boa qualidade. Portanto, um
fórum como este, em que se debate assuntos relacionados à pobreza, ao acesso a
serviços básicos, para nós, é sempre uma oportunidade, tanto de podermos juntar
a nossa voz, quanto de aprender com as experiências de outros países sobre como
a gerir estas questões.
• E a voz moçambicana se junta a quais
outras?
A nossa luta existe
pois o planeta tem que ser para todos nós vivermos da maneira mais igual
possível, e mostrar que isso é possível. Há países aqui presentes que estão
entre os mais desenvolvidos do mundo, e outros que lutam por direitos básicos.
É preciso encontrar um ponto de equilíbrio na humanidade. Existe muita
desigualdade na distribuição da riqueza mundial. Quando dizem que o PIB do
grupo aqui representado no evento (membros do G20) é 85% do PIB mundial, não
dizem como esse PIB é distribuído entre os países.
• O governo defende essa obrigação de
países do Norte global financiarem países do Sul global para o cumprimento das
metas climáticas internacionais?
Nosso país tem
recursos naturais, como o gás natural, o carvão mineral. Sabemos que o uso
deles impacta o planeta e concordamos com o processo de transição energética,
mas ao mesmo tempo, precisamos desses recursos para alavancar nossa economia.
Aqueles com níveis de desenvolvimento elevados podem criar programas de
financiamento para compensar esse desequilíbrio.
• O legado de Moçambique no P20.
Nós temos programas de
proteção da biodiversidade que já estão em implementação. Preocupa-nos o
impacto gerado pelo uso de recursos naturais, mas defendemos o uso deles com
ponderação. Países altamente industrializados poluem muito mais e interferem
muito mais no meio ambiente do que os menos industrializados que têm esses
recursos naturais à disposição. Portanto, os mais industrializados deveriam ser
mais proativos na defesa da sustentabilidade. Mas alguns deles não demonstram
ter este nível de comprometimento. Alguns nem sequer assinam os protocolos
relacionados a questões ambientais e de mudanças climáticas. Mas estamos todos
a viver no mesmo planeta, que é único, é a nossa casa.
• Mulheres usam poder para união, diz
Nobel da Paz Ellen Johnson-Sirleaf
Ex-presidente da
Libéria e ganhadora de um Nobel da Paz Ellen Johnson-Sirleaf esteve na
Conferência Internacional Amazônia e novas Economias, em Belém, evento
promovido pelo Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram), capitaneado pelo
ex-ministro Raul Jungmann. Após o discurso no evento, Sirleaf falou com os
repórteres sobre representatividade das mulheres na política, eleições
norte-americanas e presença do continente africano no G20, encontro que
ocorrerá nos dias 18 e 19 de novembro no Rio de Janeiro.
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Confira a entrevista:
• O presidente eleito Donald Trump pode
travar os esforços para a economia do carbono?
Quando as pessoas
estão em campanha política, fazem todo tipo de declarações. Também fiz quando
estava em campanha. Temos de esperar e ver o que realmente fazem. Além disso,
grande parte da ação de um líder, em qualquer lugar, dependerá da qualidade e
da autonomia da instituição. Alguns deles não conseguem pôr em prática o que
pretendem por causa de instituições autônomas fortes.
• Qual é a sua opinião sobre o papel dos
países emergentes em um mundo que voltará a ter Trump no comando dos EUA?
Os países emergentes
têm a vantagem da demografia. Atualmente, a nossa população, em todos esses
países, é muito maior. Cresce muito mais rapidamente, beneficiando a revolução
tecnológica das comunicações. Grande parte dos países mais antigos está envelhecendo,
e de quem o mundo dependerá? Dessas populações jovens, tecnologicamente
orientadas, que foram o nosso ponto de partida para fornecer o profissionalismo
de que o mundo precisa. Cabe então aos países desenvolvidos verem isso e
tornarem esse potencial positivo, em vez de negativo. As políticas das nações
maiores determinarão se o mundo seguirá um caminho que conduza a uma eventual
prosperidade para todos ou se teremos um mundo caótico de divisão e conflitos
bélicos.
• O que pensa do cenário das guerras no
Oriente Médio e na Europa?
Como ganhadora de um
Prêmio Nobel, estou envolvida em diferentes coisas para a promoção da paz, quer
seja com os anciãos, quer seja com outras nações. Tentamos, por meio da
advocacia, de declarações, promover a paz. As guerras que vivi no meu país me
afetaram e penso que essa é uma das razões pelas quais me foi atribuído o
prêmio. Por isso, tenho o compromisso de promover a paz e o meu próprio legado,
de 12 anos de presença, e dizer que não me interessa o que faço pelas
infraestruturas ou pelos serviços sociais, o meu legado será a paz. Estou
satisfeita por, após duas décadas de conflitos, a Libéria poder, agora, se
orgulhar de mais de 21 anos consistentes de paz.
• Acredita que Trump vai trabalhar pela
paz?
Os Estados Unidos são
os atuais líderes mundiais. O que é que vai acontecer nos próximos anos?
Estamos aguardando.
• Qual é o papel das mulheres nessa
transformação que procuramos para um mundo pacífico e sustentável?
Se olharmos para o
papel das mulheres proeminentes, onde quer que seja — no Brasil, na Península
Ibérica, na Alemanha, no Reino Unido, na Suécia —, onde as mulheres assumem a
liderança, temos paz, temos a promoção da igualdade, mas não as temos em número
suficiente. Não temos mulheres líderes suficientes, e esse é o problema do
mundo atual, que precisa de mais mulheres fortes, capazes, competitivas,
empenhadas, que possam assumir o poder, porque elas usam o poder de forma
diferente.
• Como assim?
Elas não usam o poder
para a força e para a violência, usam para a união, a paz e a prosperidade. Por
isso, eu encorajo todos vocês a continuarem a fazer disso a sua alegria:
promover as mulheres onde virem uma mulher forte, promovê-las para que possam continuar
a avançar e se manterem em movimento.
• Este ano, a União Africana juntou-se ao
G20, que está sendo organizado pelo Brasil. O que pensa da participação dos
países do continente?
Os países africanos
vão ver como podem ter uma voz comum. Penso que o compromisso agora é
ultrapassar as nossas relações coloniais e nos vermos como um só corpo, para
que tenhamos uma voz comum forte. E isso é um grande desafio para África.
Acredito que a situação do mundo está forçando os países africanos a pensarem
assim para a sua própria sustentabilidade, para que não se vejam deixados para
trás com todas essas mudanças de alianças políticas e tudo isso.
• Ainda sobre o G20, o presidente Lula
trabalha por uma aliança global contra a pobreza e a fome. Qual é a importância
de ter um instrumento como esse no mundo?
Muito importante. Se
cada um de nós não conseguir produzir alimentos suficientes para alimentar
nosso próprio povo e tivermos de depender dos alimentos de todos os outros,
então corremos um grande risco. O Brasil também faz parte do Brics, e é uma
coisa nova que estamos prestando atenção. O Brasil tem um papel muito
importante a desempenhar agora, no G20 e no Brics. O presidente Lula tem uma
grande responsabilidade, e todos nós temos de apoiá-lo.
Fonte: Correio
Braziliense
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