Brasil anuncia nova meta climática, mas não
diz como vai alcançá-la
Sem a realização de um
evento oficial nem a convocação da imprensa, o governo brasileiro divulgou, na
noite desta sexta-feira, 8 de novembro, um comunicado com a nova meta climática
do país para a próxima década. O país se compromete a reduzir suas emissões
de gases de efeito estufa entre 59% e 67% em 2035, na comparação com os níveis
de 2005.
Isso equivale, em
termos absolutos, a reduzir as emissões para algo entre 850 milhões (no melhor
cenário) a 1,05 bilhão (no pior) de toneladas de gás carbônico equivalente por
ano.
O número atualiza a
chamada NDC, ou Contribuição Nacionalmente Determinada, apresentada pela
primeira vez em 2015, quando foi adotado o Acordo de Paris – compromisso
mundial de combate às mudanças climáticas.
Até fevereiro do ano
que vem, quando se completam dez anos do acordo, todos os países que assinam o
texto precisam apresentar suas novas metas a fim de torná-las mais ambiciosas e
condizentes com o compromisso mais amplo de conter o aquecimento do planeta em
1,5 °C. As promessas de esforços atuais estão bem
longe disso.
O anúncio foi feito às
vésperas do início da 29ª Conferência do Clima da ONU (COP29), que será realizada em Baku, no Azerbaijão, a
partir desta segunda-feira, 11 de novembro. Como anfitrião da próxima COP, o
Brasil quis demonstrar proatividade e liderança nesse processo, a fim de
incentivar os demais, ao lançar sua NDC agora.
Trata-se de um bom
passo que o Brasil tenha se antecipado para divulgar sua nova meta climática,
mas ainda precisa explicar como ela vai ser alcançada, qual vai ser a parte de
cada setor da economia. Um pouco mais de ambição também seria bem-vinda, apontam
ambientalistas.
O país, juntamente com
o Azerbaijão e os Emirados Árabes Unidos (sede da COP do ano passado), vem
defendendo a chamada “missão 1,5”, para que as nações, ao fazerem seus novos
planos, se comprometam com ações que não percam de vista esse limite de temperatura
– considerado o mais seguro para a humanidade e o planeta. Além do Brasil,
somente os Emirados Árabes já ofereceram uma nova meta.
O aquecimento
observado hoje já está muito próximo do 1,5 °C (este ano deve terminar como o
mais quente do registro histórico) e já vem provocando um aumento de ondas de
calor, tempestades e secas severas mundo afora. Cada meio grau a mais de
aquecimento pode fazer a diferença em mais tragédias e perdas humanas e
econômicas.
Segundo o comunicado do governo, a nova meta “está alinhada ao objetivo do Acordo de Paris de
limitar o aquecimento médio do planeta a 1,5 °C em relação ao período
pré-industrial” e “permitirá ao Brasil avançar rumo à neutralidade climática
até 2050, objetivo de longo prazo do compromisso climático”.
·
Meta climática deveria
ser maior e mais precisa, criticam especialistas
A declaração, porém,
foi contestada por especialistas, que afirmam que a meta de redução brasileira
deveria ser maior para ser condizente com a limitação do aquecimento em 1,5 °C.
Análise da plataforma Política por Inteiro, da organização Talanoa, lembra que
o novo corte proposto pelo Brasil representa uma redução de 39% a 50% em
relação às emissões líquidas de 2019 (que eram de 1,7 bilhões de toneladas – ou
gigatonelada – de CO2e).
Ocorre, aponta a
análise, que, “segundo o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas
(IPCC) e o primeiro Balanço Global do Acordo de Paris [realizado no ano passado
na COP28], são recomendados cortes que alcancem 60% até 2035 em relação a
2019”.
Esses 60% são
projetados para as emissões conjuntas globais, mas, para ambientalistas, a
parte que cabe ao Brasil nesse esforço deveria ser maior considerando quanto o
país historicamente contribuiu com o aquecimento global.
A maior parcela do
problema, claro, vem das nações desenvolvidas, como os Estados Unidos e as
nações europeias, que começaram a queimar combustíveis fósseis e a emitir gás
de efeito estufa pesadamente há 170 anos, com o início da Revolução Industrial,
e são as que mais têm esforços a fazer. Mas o histórico de desmatamento da
Amazônia, que já perdeu cerca de 20% da cobertura original, também faz do
Brasil um emissor histórico importante.
Em entrevista à Agência
Pública, a secretária de Mudança do Clima do Ministério do Meio Ambiente,
Ana Toni, lembrou que ainda não existe uma metodologia ou modelo recomendado
pelo IPCC para orientar os países a saberem se suas NDCs estão alinhadas ou não
com 1,5 °C. “Tem muitos modelos por aí com muitas variáveis diferentes, níveis
de incerteza e principalmente perspectiva de justiça ou não. Usamos o melhor da
ciência brasileira para nos orientar e modelo elaborado pela Coppe/UFRJ [que
orientou a definição da meta] coloca a NDC brasileira como alinhada com 1,5.
Mas logicamente isso depende muito também do alinhamento dos outros países”,
disse.
A rede de ONGs
Observatório do Clima, por exemplo, estimou que a fatia justa do Brasil para o
esforço global deveria ser de o país se comprometer a emitir no máximo 200
milhões de toneladas de CO2 equivalente em 2035, uma redução de 92% em relação
aos níveis de emissão líquida de 2005. Segundo a rede, mesmo outros
compromissos já adotados pelo governo, como a promessa do presidente Lula de
zerar o desmatamento no país, poderiam levar a uma emissão líquida menor que
650 milhões de toneladas em 2035 – o que levanta dúvidas sobre como o
desmatamento de fato vai ser considerado nos novos planos.
As atuais emissões
líquidas (que consideram quanto CO2 é removido da atmosfera por florestas
protegidas) do Brasil são estimadas em 1,65 bilhão de toneladas de CO2. O dado,
referente a 2023, foi divulgado na última quinta-feira (7) pelo Sistema de
Estimativa de Emissões de Gases de Efeito Estufa (Seeg), do Observatório do
Clima.
A emissão brasileira,
de acordo com o Seeg, diminuiu no ano passado principalmente porque houve
redução do desmatamento da Amazônia; e a expectativa é que haja nova queda das
emissões neste ano porque o desmatamento também voltou a diminuir – chegando ao menor nível desde 2015, talvez a melhor notícia ambiental desse início de COP. O
Brasil deve usar esse bom resultado no evento para mostrar que vem fazendo sua
parte e cobrar as demais nações, mas para zerar o desmatamento há ainda um
longo caminho.
Esse é um ponto que
tem levado a discussões com o agronegócio. Quando Lula assumiu a presidência,
ele prometeu zerar o desmatamento até 2030, mas nunca ficou claro de que tipo
de desmatamento ele estava falando – se ainda seria permitido o desmatamento legal,
dentro do permitido pelo Código Florestal, ou se haveria um esforço para conter
essa possibilidade, deixando apenas um residual imprescindível, que teria de
ser compensado com o plantio de árvores.
A primeira
possibilidade é a defendida pelo agronegócio, só que o conceito de “legal” pode
ser facilmente alterado. E, de fato, há constantes esforços para flexibilizar o
Código Florestal no Congresso, de modo a ampliar o leque do que é desmatamento
permitido. O zero total é a defesa de ambientalistas e cientistas do clima, e
também é o cenário com o qual trabalha o Ministério do Meio Ambiente, que busca
elaborar alternativas econômicas à região para que não seja necessário desmatar
nada. Seja como for, não se sabe ainda o que a nova NDC vai contemplar.
O fato de o Brasil ter
apresentado apenas um número e não um detalhamento de como essa meta será
alcançada, com planos setoriais, foi um dos alvos de críticas. Além de não
detalhar como se dará a redução do desmatamento, por exemplo, o comunicado não
traz nenhuma citação à eliminação gradual dos combustíveis fósseis – que foi
acordada no ano passado na COP de Dubai e é ação considerada essencial para
conter o aquecimento em 1,5 °C. Como o governo tem planos de explorar mais
petróleo no país – como é o caso da Foz do Amazonas –, a questão tem rendido
disputas intensas.
“Foram omitidas
informações cruciais para avaliar a ambição da nova NDC brasileira: como será
tratado o desmatamento? Como será tratada a expansão dos combustíveis fósseis?
Uma análise completa será feita pelo Observatório do Clima quando o governo
brasileiro der transparência ao documento da NDC, como convém a um país que se
pretende líder do processo multilateral de combate à crise climática”, afirmou
Marcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima.
O governo já tinha
avisado que a NDC neste momento seria de fato apenas uma meta numérica, porque
o papel a ser desempenhado por cada setor da economia está sendo desenhado no
Plano Clima – que trará as diretrizes tanto de mitigação quanto de adaptação no
país. Segundo Ana Toni, o Plano Clima deve, em breve, ser apresentado para
consulta pública. Mas deverá ser finalizado somente no primeiro semestre do ano
que vem.
É o Plano Clima que
vai detalhar quem vai fazer o quê e quanto. Se houver mais esforço de redução
do desmatamento, setores de energia e indústria, por exemplo, terão metas
menores.
As entidades também
criticaram a meta ser oferecida em formato de banda, com um valor máximo e um
mínimo, porque isso não criaria incentivos para se chegar à maior redução. Ao
alcançar o maior valor, poderia se considerar que a meta já foi alcançada.
“Vale o teto. Neste
caso, o 1,05 GtCO2e para 2035, que representa um esforço baixo entre 2030 e
2035. O Brasil, que vive o drama climático atual e tem o ponto de inflexão da
Amazônia no horizonte, precisa de mais redução. Esse nível de emissões nos
mantém entre os poucos que liberam mais de 1 gigatonelada ao ano para a
atmosfera. É decepcionante”, disse Natalie Unterstell, especialista em
políticas públicas do Talanoa.
Toni reiterou que a
ambição do governo é reduzir as emissões em 67%. “Ou seja, a NDC é muito
ambiciosa. Que outro país emergente ou mesmo desenvolvido tem uma meta de 67%?
Mas para atingirmos nossa ambição temos que assegurar condições propícias
nacionais e internacionais, e não temos como controlar tudo. Por isso a banda.
O plano de voo é para nos levar para 67%. Agora é assegurar uma boa rota de voo
e as condições de voo”, afirmou.
Fonte: Por Giovana
Girardi, da Agencia Pública
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