Mounjaro: uso de remédio rival do Ozempic é
ligado a morte de enfermeira britânica
A morte de uma
enfermeira de North Lanarkshire, na Escócia, foi associada ao uso de um
medicamento para perda de peso recentemente aprovado para uso no NHS, o sistema
público de saúde britânico.
A tirzepatida,
comercializada como Mounjaro, também foi aprovada pela Agência Nacional de
Vigilância Sanitária (Anvisa), mas ainda não foi lançada pelo fabricante no
Brasil.
Susan McGowan, de 58
anos, tomou duas injeções de baixa dosagem de tirzepatida ao longo de cerca de
duas semanas antes de sua morte em 4 de setembro.
Seu atestado de óbito,
ao qual a BBC teve acesso, lista falência múltipla de órgãos, choque séptico e
pancreatite como a causa imediata da morte — mas "o uso da tirzepatida
receitada" também aparece como um fator que contribuiu para o desfecho.
Acredita-se que esta
seja a primeira morte oficialmente associada ao medicamento no Reino Unido.
McGowan trabalhou como
enfermeira no Hospital Universitário Monklands, em Airdrie, por mais de 30
anos.
A popular gerente de
leitos costumava conversar sobre suas tentativas de perda de peso com amigos
próximos, mas o surgimento de novas injeções para emagrecer parecia, na opinião
dela, oferecer melhores chances de sucesso.
Depois de pesquisar
sobre o Mounjaro e buscar orientação médica, ela comprou o remédio receitado
por meio de uma farmácia registrada online.
O medicamento
normalmente custa entre £ 150 e £ 200 (de R$ 1,1 mil a R4 1,4 mil) para um
suprimento de quatro semanas — e pode ser comprado em qualquer farmácia
registrada no Reino Unido.
Dias após a segunda
injeção, ela começou a sentir dores fortes de estômago e enjoos, e foi para a
emergência do Hospital Universitário Monklands, onde seus colegas lutaram para
salvar sua vida.
Jade Campbell,
sobrinha de McGowan, estava com a tia quando ela morreu.
"Susan sempre
esteve um pouco acima do peso, mas nunca teve problemas de saúde. Ela não
tomava nenhum outro medicamento. Ela era saudável", diz ela.
"Susan era uma
pessoa tão animada. Ela era muito generosa, muito gentil, era a alma da festa —
uma grande personalidade. Diziam que ela tinha a melhor risada do
hospital."
Campbell foi informada
pelos médicos que os rins da sua tia não estavam funcionando adequadamente.
Dias depois, ela entrou em coma, e seus órgãos começaram a falhar.
"Foi muito
rápido", ela recorda. "Ainda me pego pensando: 'Isso realmente
aconteceu?'"
A tirzepatida faz
parte de um grupo de medicamentos para perda de peso conhecidos como agonistas
do receptor de GLP-1 (peptídeo 1 semelhante ao glucagon), que atuam fazendo com
que o paciente se sinta saciado por mais tempo.
Em 2023, ele foi
aprovado para uso como auxílio para perda de peso no Reino Unido pela Agência
Reguladora de Medicamentos e Produtos para a Saúde (MHRA, na sigla em inglês).
Isso incluía seu uso
no sistema público de saúde, embora atualmente o medicamento só seja receitado
pelo NHS para um pequeno número de pacientes devido a fatores como custo e
disponibilidade.
A MHRA conta com o
chamado Sistema do Cartão Amarelo em que qualquer cidadão ou profissional de
saúde pode registrar relatos de suspeitas de efeitos colaterais de
medicamentos.
Os dados públicos só
estão disponíveis até maio deste ano, mas entre janeiro e maio de 2024 houve
208 relatos sobre a tirzepatida no sistema, incluindo 31 reações graves e uma
morte suspeita de um homem na faixa dos 60 anos.
A morte de McGowan é
muito recente para aparecer nestas estatísticas.
Alison Cave, diretora
de segurança da MHRA, afirma que os novos medicamentos, como a tirzepatida, são
monitorados com mais intensidade para garantir que qualquer problema de
segurança seja identificado imediatamente.
"Nossas sinceras
condolências à família do indivíduo em questão. A segurança do paciente é nossa
prioridade máxima, e nenhum medicamento seria aprovado se não atendesse aos
nossos padrões esperados de segurança, qualidade e eficácia", diz ela.
"Temos sistemas
robustos de monitoramento e vigilância de segurança para todos os produtos de
saúde."
"Com base nas
evidências atuais, os benefícios dos GLP-1 RAs (agonistas do receptor de GLP-1)
superam os riscos potenciais quando usados para as indicações
autorizadas."
A farmacêutica Lilly,
fabricante do Mounjaro, disse que a segurança do paciente é a principal
prioridade da empresa.
"Temos o
compromisso de monitorar, avaliar e divulgar continuamente as informações de
segurança de todos os medicamentos da Lilly", afirmou um porta-voz da
companhia.
"O Mounjaro foi
aprovado com base em uma extensa avaliação dos benefícios e riscos do
medicamento, e fornecemos informações sobre os benefícios e riscos de todos os
nossos medicamentos aos órgãos reguladores no mundo todo para garantir que as
informações mais recentes estejam disponíveis para os médicos."
<><> Como
o Mounjaro funciona
A tirzepatida ativa
receptores das células relacionados a dois hormônios que atuam no sistema
digestivo: o GIP (sigla para polipeptídeo insulinotrópico dependente de
glicose) e o GLP-1, já mencionado anteriormente.
Estes receptores que
são ativados interferem em uma série de processos do organismo. O primeiro
deles envolve a liberação de insulina, hormônio produzido pelo pâncreas que é
responsável por retirar da circulação sanguínea o açúcar obtido dos alimentos e
botá-lo dentro das células, onde será usado como fonte de energia.
Sabe-se que indivíduos
com diabetes apresentam problemas na fabricação ou na ação da insulina pelo
organismo. Com isso, a glicose se acumula no sangue e causa uma série de
problemas de saúde — de infarto à dificuldade na cicatrização de feridas.
Ao melhorar a
liberação de insulina após as refeições, o Mounjaro facilita o controle da
glicemia (ou das taxas de açúcar na circulação).
Mas a ação do remédio
vai além: esses receptores de GIP e GLP-1 também aparecem em células do cérebro
que são responsáveis por controlar o apetite. Com isso, o medicamento ajuda a
regular a ingestão de alimentos — o que pode levar à perda de peso.
<><> Os
remédios para perda de peso são seguros?
A semaglutida,
conhecida pelos nomes comerciais Wegovy e Ozempic, também é um agonista do
receptor de GLP-1.
Houve 23 mortes
suspeitas associadas à semaglutida no Reino Unido registradas no Sistema do
Cartão Amarelo desde 2019.
Esses medicamentos
passaram nos ensaios clínicos necessários para serem aprovados para uso no
Reino Unido, e foram recebidos com cautela por aqueles que trabalham no combate
à obesidade.
Naveed Sattar,
professor de medicina metabólica na Universidade de Glasgow, na Escócia, e
presidente do programa de combate à obesidade do governo do Reino Unido, disse
que era difícil estabelecer uma relação de "causa e efeito" em casos
isolados em que os pacientes morrem depois de tomar os medicamentos.
"Os testes são
muito robustos na tentativa de estabelecer a segurança. Os medicamentos
geralmente apresentam benefícios substanciais que superam os riscos", diz
ele.
"Há evidências
suficientes disponíveis de que esses medicamentos apresentam uma perda de peso
significativa, e que os perfis de efeitos colaterais são geralmente aceitáveis
para a grande maioria dos indivíduos."
"A realidade é
que temos uma grande necessidade de ajudar muitas pessoas que vivem com níveis
extremamente altos de IMC (Índice de Massa Corporal) a perder peso com esses
medicamentos que vão proporcionar vários benefícios e, por muitos anos, não tivemos
esse tipo de ferramenta. Há muitos indivíduos, aproximadamente de um em cada
quatro a um em cada cinco adultos que vivem no Reino Unido, que poderiam se
beneficiar desses medicamentos."
A tirzepatida se
tornou assunto de debate nacional recentemente quando o governo britânico
anunciou planos de distribuir o medicamento para pessoas desempregadas que
vivem com obesidade com o objetivo de estimular a volta ao trabalho.
O governo está fazendo
uma parceria com o fabricante do Mounjaro para realizar um teste de cinco anos
na Grande Manchester, no noroeste da Inglaterra.
A expectativa é de que
cerca de 250 mil pessoas tomem a injeção nos próximos três anos como parte do
teste. O secretário de Saúde britânico, Wes Streeting, classificou o
medicamento como "transformador".
Mas Campbell acredita
que este não é o momento certo, e espera que o governo do Reino Unido
reconsidere a decisão.
"Acho que você
confiaria em qualquer coisa que fosse apoiada pelo governo. Eu pediria que você
falasse primeiro com seu médico sobre esse tipo de coisa, porque talvez haja
outra opção a ser considerada antes de começar a tomar as injeções para perder
peso", ela sugere.
A BBC News perguntou
ao departamento de saúde e assistência social se eles reveriam sua decisão
devido à morte de McGowan.
O governo do Reino
Unido se recusou a comentar.
Fonte: BBC Disclosure
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