segunda-feira, 11 de novembro de 2024

João Filho: Bolsonaro acha que vitória de Trump o levará para 2026, mas esquece que o laranjão não tem jurisdição aqui

Durante todo esse ano, políticos bolsonaristas fizeram uma série de viagens para os EUA com objetivo de propagar uma espécie campanha internacional para denunciar a ditadura do judiciário no Brasil. 

Capitaneados por Eduardo Bolsonaro, o chanceler do neofascismo brasileiro, nossos patriotas conseguiram o apoio de meia dúzia de políticos republicanos, que chegaram a apresentar um projeto de lei para barrar a emissão de vistos de autoridades estrangeiras que ousaram cercear a liberdade de expressão de cidadãos americanos — leia-se Elon Musk.

Esses congressistas também pediram ao secretário de Estado americano, Antony Blinken, para revogar todos os vistos concedidos aos ministros do STF. Os bolsonaristas trabalham com afinco junto aos americanos para punir o Estado brasileiro. Eis o grande patriotismo dessa gente. 

Essas ofensivas não deram em nada. Ficaram restritas a um grupelho de xaropes trumpistas e foram solenemente ignoradas no cenário político americano. Mas, com a eleição avassaladora de Trump e a reeleição de todos os membros desse grupelho de xaropes trumpistas, desenhou-se um cenário perfeito para os delírios bolsonaristas.

Não foi à toa que uma comitiva bolsonarista foi aos EUA para torcer pela vitória dos seus pares golpistas americanos. Deputados e senadores faltaram ao trabalho no congresso para fazer trabalho de militante e, muitos deles, como a Capitã Cloroquina, tiveram os gastos cobertos pela Câmara e pelo Senado. Uma nova comitiva com mais de 30 deputados já está sendo preparada para acompanhar a posse do novo presidente americano. Make Mamata Great Again!

A vitória de Trump tornou-se peça central no plano bolsonarista para reverter a inelegibilidade de Bolsonaro nos tribunais e torná-lo um presidenciável até 2026. Somente vira-latas altamente complexados podem acreditar que o presidente americano tem poder para influenciar as decisões dos ministros do STF. Lembremos que Elon Musk, o homem mais rico do mundo, começou estufando o peito para o STF e acabou enfiando o rabinho entre as pernas depois de levar umas chineladas. 

Eduardo Bolsonaro acredita que o STF não resistirá à força da dupla bilionária Trump e Musk no poder. Ele, que acompanhou a apuração ao lado de Trump, tem garantido a aliados que o novo presidente americano se comprometeu a pressionar o governo e o Judiciário pela reversão da inelegibilidade de seu pai.

“Vai ser colocado uma espécie de freio. Você acha que o Alexandre de Moraes vai comprar briga com o ministro Elon Musk?!”, delirou Eduardo ao lembrar da possibilidade de Musk se tornar ministro. 

O papai Jair também está radiante com as novas possibilidades que a vitória de Trump pode trazer para ele. Em entrevista à Folha, ele afirmou que se trata de um “passo importantíssimo” para o seu retorno ao Planalto. “Quase tudo o que acontece lá acontece aqui”, disse este analista de mão cheia.

Bom, se isso fosse verdade, o golpista americano estaria na mesma situação do golpista brasileiro: inelegível e morrendo de medo de ser preso. Mas Bolsonaro foi além no seu delírio e já até cogitou uma chapa presidencial com Temer de vice. Golpista se identifica com golpista, mas é importante lembrar Bolsonaro que foi justamente Temer quem colocou Xandão no STF.

Os dois são grandes amigos até hoje. O complexo de vira-latas de Jair chegou ao auge quando afirmou: “eu sei o meu lugar perto dele [Trump]. Eu estou para ele como o Paraguai está para o Brasil”. Posso até imaginar o rabinho do vira-latas balançando para o Tio Sam. Esse é o estadista que quer voltar ao poder.

O fato de Trump ter eleito uma maioria no congresso americano atiçou os sonhos autocráticos de Bolsonaro. Segundo ele, o mesmo pode acontecer no Brasil em 2026: “O Trump agora tem maioria no Senado. […] Nós partimos para uma revolução em 2026. Podemos ter, sim, uma bancada enorme de senadores e deputados, agregando outros partidos do nosso lado. Tem tudo para acontecer”, declarou em entrevista à uma rádio bolsonarista.

Não nos enganemos: o que ele chama de “revolução”, os democratas chamamos de “golpe”. Vide 1964.

Com os republicanos conquistando a maioria das cadeiras no congresso americano e com Elon Musk se tornando o queridinho do governo eleito, é possível até que aumente a pressão sobre o STF, mas nada além de uma retórica golpista amplificada por Trump.

Não me parece também que o presidente americano gastará muita energia se indispondo com o governo brasileiro para defender seus puxa-sacos latino-americanos. Até porque Lula não representa um incômodo para Trump e os dois tendem a manter uma relação diplomática pragmática. 

Claro que essa gente é imprevisível, mas dadas as condições materiais, uma atuação mais firme de Trump em defesa de Bolsonaro é uma possibilidade remota.

No máximo o que pode acontecer é os ministros do STF terem seus vistos americanos revogados, o que seria apenas ridículo e não teria qualquer influência nas decisões do tribunal. Tratar a eleição de Trump como tábua de salvação de Bolsonaro denota o desespero da turma. Uma leitura simples dos fatos revela que o ex-presidente está muito mais perto da cadeia do que da candidatura presidencial em 2026. 

Apesar de tudo o que acontece lá não acontecer automaticamente aqui, é preciso estar atento a alguns sinais enviados pela vitória avassaladora de Trump. Tanto lá como cá, a extrema direita golpista foi completamente normalizada pelo eleitorado e está consolidada no jogo político.

Bolsonaro está inelegível, mas qualquer outro bolsonarista será nome forte para a corrida presidencial e a possibilidade de eleger um congresso majoritariamente bolsonarista não é pequena.

O primeiro turno da eleição já começou e é preciso saber ler os sinais. Lula continua sendo o único nome capaz de fazer frente ao bolsonarismo e sua reeleição não dependerá apenas de uma melhora na economia e da defesa da democracia contra os golpistas. O mundo mudou e há muitas outras coisas em jogo.

 

¨      Folha, Globo e a ilusão de Bolsonaro. Por Paulo Motoryn

A vitória de Donald Trump nas eleições americanas trouxe um novo fôlego a Jair Bolsonaro. Tão logo o resultado foi decretado, o ex-presidente se apressou em tentar forçar paralelos entre sua trajetória e a do republicano, apostando em um retorno triunfal em 2026.

Para disseminar a narrativa que lhe interessa, Bolsonaro contou com aliados improváveis: as famílias Frias e Marinho. Na quarta-feira, 7, logo pela manhã, o ex-presidente teve uma entrevista exclusiva publicada na Folha de S.Paulo. À tarde, foi a vez d’O Globo.

Às vésperas do seu indiciamento pela tentativa de dar um golpe de estado, Bolsonaro esqueceu as restrições que tem à imprensa para fazer seu “media day” – dia em que figuras públicas concedem várias entrevistas seguidas, se dedicando a atividades de comunicação.

Como de costume, a mensagem nas diferentes entrevistas foi igual: que a sua prisão traria impacto mundial, num misto de bravata, ameaça e vitimização. A aposta é que o novo cenário internacional intimide o Supremo Tribunal Federal nos julgamentos que virão em 2025.

Nem o ex-presidente Michel Temer, do MDB, que Bolsonaro tentou afagar sugerindo à Folha que poderia ser seu vice em 2026, acredita que o STF possa ser influenciado por Trump. "Eleito Trump nos EUA, isso vai influenciar o Judiciário daqui? Eu não acredito", disse.

Se Temer acredita ou não, pouco importa. Bolsonaro tem que acreditar. É sua única esperança. Por isso, se apressou em ir à imprensa dizer que a eleição de Trump era um “passo importantíssimo” para a anistia dos golpistas de 8 de janeiro e para seu caminho de volta à elegibilidade.

Sim, as apostas de que Bolsonaro pode estar na disputa de 2026 têm crescido. Mas a maior parte delas não considera que ele não tem quórum suficiente para reverter sua inelegibilidade no plenário do TSE, mesmo que Kássio Nunes Marques e André Mendonça estejam prestes a assumir o comando da Corte.

Nunes Marques já é, hoje, vice-presidente do TSE. A dois meses da eleição presidencial, ele sucederá Cármen Lúcia e assumirá o cargo de presidente. Mendonça, por sua vez, será alçado a vice. A ascensão da dupla, porém, não garante a reversão da inelegibilidade de Bolsonaro.

Nas duas condenações que sofreu na Corte, o ex-presidente perdeu por cinco votos a dois – sendo que um deles era de Nunes Marques, que já integrava o TSE em 2023. Com a substituição de Cármen Lúcia por Mendonça, Bolsonaro ganha um voto – nada que mude o cenário.

Mesmo que o TSE fizesse uma guinada pró-Bolsonaro, especialistas apontam que é no STF que os recursos às decisões de inelegibilidade devem ser analisadas – e, inclusive, já estão sendo, com quase nenhuma chance de sucesso para o ex-presidente.

Um outro rumor que ouriçou bolsonaristas na semana passada surgiu depois que Nunes Marques autorizou o deputado estadual pernambucano Lula Cabral, do Solidariedade, a tomar posse como prefeito de Cabo de Santo Agostinho mesmo tendo sido declarado inelegível pelo Tribunal Regional Eleitoral.

Na semana passada, quando o caso pipocou nas redes sociais, consultei o Fernando Neisser, advogado especializado em Direito Eleitoral. “Essa é uma decisão normal. Inelegibilidade decorrente de rejeição de contas tem esse espaço de interpretação mesmo”, explicou.

De fato, Lula Cabral concorreu sub judice em função de ter tido suas contas como ex-prefeito rejeitadas pela Câmara Municipal. No caso de Bolsonaro, me explicou Neisser, isso nem seria possível. “Não há nenhuma relação desse caso com Bolsonaro”, pontuou.

Tão improvável quanto a elegibilidade é a tal anistia, que Bolsonaro também propagou como real nas entrevistas à imprensa: “O Congresso é o caminho para tudo”, profetizou. Mas os especialistas são unânimes em dizer: mesmo que a anistia vá à frente, ela deverá ser questionada no STF.

Ou seja: mesmo que, por ora, não exista nenhuma chance real de que isso aconteça, Bolsonaro trabalha para alimentar a ilusão de seu retorno em 2026 — uma janela de oportunidade aberta por Trump e amplificada pela cobertura generosa da imprensa brasileira.

 

¨      Gestão de emendas pelo Congresso determinou avanço do centrão no Nordeste, afirma cientista política

Nos meses que antecederam as eleições deste ano, muito foi debatido sobre como a disputa entre Lula (PT) e Bolsonaro (PL) poderia interferir nos embates municipais, numa espécie de reflexo da “polarização” nacional. Mas, passado o 2º turno, as análises apontam para uma outra máxima das disputas nas cidades: com raras exceções, os temas municipais é que definiram as disputas.

“Eu diria que o ano de 2024 marca um retorno à pauta das disputas municipais, como a gente não via desde 2012”, opina a cientista política Luciana Santana, professora da Universidade Federal de Alagoas (UFAL).

Santana cita a capital cearense como exceção. “O caso mais surpreendente foi Fortaleza (CE), onde o PT disputou com o PL - mas não necessariamente por causa dessas duas figuras [Lula e Bolsonaro], mas porque as lideranças e os candidatos garantiram localmente essa competitividade”, diz ela. “A disputa foi muito acirrada, tal qual a eleição nacional de 2022, mas isso não significa que foi uma influência direta”, pondera.

Em entrevista para o programa Trilhas do Nordeste, a cientista política analisa o avanço do chamado centrão no Nordeste em 2024, a nova configuração política da região e o faz um balanço do pleito para as forças da esquerda. Assista à entrevista completa abaixo.

Diferente do cenário nacional, em que o PSD foi o maior vitorioso, no Nordeste foi MDB quem elegeu o maior número de prefeitos e vereadores. No ranking de gestores municipais eleitos na região, o MDB aparece com 280 prefeituras, seguido do PSD (273) e PSB (214) - este último, tendo os melhores desempenhos no Ceará e em Pernambuco.

O crescimento do centrão é retrato de um fortalecimento nacional desse grupo, que já domina o Congresso e conseguiu, através de emendas parlamentares, fazer essa influência se refletir nos municípios.

“Pelo alto grau de protagonismo do Legislativo Federal, conquistado a partir de 2020, o poder decisório do Congresso em relação a esses recursos tem feito a diferença. Esses recursos chegam nas bases e têm melhorado a situação das prefeituras aliadas. [O Congresso] É um espaço que está sendo bem utilizado estrategicamente pelos partidos do centrão”, explica a cientista política.

Partidos que compõem o centrão conseguiram se fortalecer. O PP do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-Alagoas), liderado em Pernambuco por Eduardo da Fonte, chegou a 24 prefeituras, sendo a 3ª sigla com mais prefeitos no estado, atrás apenas do PSDB de Raquel Lyra (32) e o PSB de João Campos (31). A lista de partidos com mais prefeitos em Pernambuco segue com o Republicanos (22), o PSD (19), o MDB (12) e o União Brasil (10), todos do centrão.

 

Fonte: The Intercept/Brasil de Fato

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