
quinta-feira, 27 de fevereiro de 2025
Jair de Souza: Lula
depende de mobilização social para "sobreviver"
A partir da
divulgação de levantamentos de opinião realizados por alguns institutos de
sondagem, acenderam-se várias luzes de alerta prognosticando incertezas para o
futuro próximo.
Quanto a isto,
julgo de fundamental relevância que tenhamos clareza sobre uma questão: na
conjuntura em que estamos no momento, Lula ainda é o mais expressivo trunfo com
que o povo brasileiro conta para impedir que a extrema direita bolsonarista, ou
alguma de suas variantes limpinha e cheirosa, retorne ao comando do aparelho de
Estado no Brasil no próximo pleito eleitoral.
O debilitamento do
atual governo no momento e nas condições em que estamos só favorecerá os
eternos inimigos viscerais da imensa maioria de nossa população, ou seja, os
setores mais reacionários de nossas classes dominantes.
Por isso, é
importante que todos os que se sentem vinculados às aspirações populares
entendam que contribuir para socavar as bases de sustentação do atual governo
equivale efetivamente a ajudar essas forças ultrarreacionárias a alcançar seu
propósito.
<><> Lula
é indispensável
Por outro lado,
também não me parece correto que, visto a indispensabilidade de Lula para que o
aparelho de Estado não caia novamente nas mãos do que há de mais retrógrado
entre nossas oligarquias entreguistas, a militância de esquerda se veja coagida
de tecer críticas à gestão governamental, mesmo nos casos em que são tomadas
decisões que contrariam os interesses das massas trabalhadoras.
É que em um governo
de frente ampla cada um dos setores que compõem seu amplo espectro tratará de
pressioná-lo no sentido de que suas prioridades sejam atendidas ao máximo
possível.
Assim, as
divergências de enfoques e de objetivos não se extinguem no seio deste bloco de
sustentação, ou seja, permanece válida a conhecida luta de classes e suas
consequências.
Então, quanto menos
pressão houver por parte das forças do campo popular, mais voltado aos anseios
dos outros integrantes da frente o governo será.
<><> Não
basta um líder
Se partirmos do
princípio que nossa proposta é a edificação de uma nova sociedade, na qual os
valores e interesses coletivos do conjunto dos trabalhadores sejam
predominantes, concluiremos que tal objetivo não poderá ser atingido tão
somente em função da genialidade, da boa vontade e da disposição de um líder.
Sem a participação
ativa, efetiva e consciente dos principais beneficiários de um projeto desta
magnitude, a possibilidade de sua concretização é quase que nula.
Por isso, a
constatação de que todas as expectativas de mudanças em favor do povo ainda
dependem essencialmente da figura de Lula é um indício de que o trabalho de
conscientização e organização das bases não tem sido executado como deveria
ser.
A falta de
autonomia do campo popular e sua inteira dependência das decisões de seu
principal condutor é muito mais um indicativo de debilidade do que de fortaleza.
Evidentemente, algo não foi encaminhado como deveria ter sido.
Esta é a conclusão
a extrair ao constatar que nem os principais partidos de esquerda, nem suas
entidades sindicais mais combativas, e nem seu mais expressivo dirigente se
empenharam em educar, organizar e estimular a população a partir de seus locais
de moradia e trabalho com vista a possibilitar que o povo assumisse
protagonismo ativo no processo de lutas.
E isto pode ser
observado na atuação do atual governo.
<><> A
frente não priorizou a esquerda
Assim, ao não
priorizar o trabalho de preparação e mobilização das massas populares para que
estas pudessem disputar com as outras forças a hegemonia na gestão
governamental, seus interesses mais relevantes foram sendo relegados a segundo
plano, em benefício dos setores não populares componentes da frente.
É inegável que
poder contar com um líder com a habilidade pessoal e o carisma de nosso Lula é
uma dádiva que o povo brasileiro precisa se esmerar por preservar e evitar que
venha a ser derruída.
Porém, tão somente
isto não basta para que se possa de fato mudar os pilares de sustentação da
sociedade, com vista a que, em seu lugar, se erijam outros realmente capazes de
zelar para que essas maiorias trabalhadoras se tornem a força social hegemônica.
Estou entre os que
acreditam que, para defender Lula e seu imprescindível papel no comando da saga
do povo trabalhador brasileiro em busca de sua libertação das amarras das
classes dominantes, é imperativo que nossa dedicação e nosso apoio lhes sejam
proporcionados no intuito de levá-lo a cumprir a função que desejamos que
cumpra.
Assim, a crítica
construtiva continua sendo uma ferramenta de inestimável valor para gerar
condições que permitam que nossos sonhos se materializem.
<><> Só
a organização popular salva
Portanto, considero
que a tarefa prioritária de Lula para a presente etapa da luta é fazer com que
o peso de sua liderança sirva para dotar as massas populares do nível de
consciência política e de organização que lhes proporcione condições para seu
envolvimento ativo na consecução das transformações que precisam ser efetivadas
e sustentadas.
Em decorrência do
anteriormente exposto, penso que a mais relevante contribuição que Lula tem a
oferecer nestes dois anos que lhe restam para concluir sua atual gestão é
preparar e convocar o povo para uma participação ativa e consciente em tudo o
que se relaciona com o destino da nação.
Para tanto, é
fundamental que Lula e todos os que se identificam com os reais interesses do
povo trabalhador se engajem decididamente no trabalho que a empreitada requer.
E, temos de entender, passos vigorosos neste rumo devem ser imediatamente
dados, uma vez que muito tempo já foi perdido.
Se Lula almeja de
verdade a passar para a história não apenas como o mais eficiente gestor do
capitalismo brasileiro, e sim como o forjador do caminho que conduzirá os
trabalhadores de nosso país a conquistar o direito de viver em um mundo não
submetido ao poder e domínio dos capitalistas, sua grandiosidade se verá
ressaltada à medida que a força do povo organizado, consciente e mobilizado se
fizer sentir de modo inequívoco.
E é essencial que
este movimento consiga seguir avançando, mesmo quando o próprio Lula já não
puder estar em sua condução.
Em resumo, o grande
desafio colocado a Lula e a todos os que querem que nosso povo venha a vencer a
eterna barreira imposta pela correlação de forças adversa é confiar muito mais
na capacidade das massas em superar essas dificuldades.
Como nos ensina a
história, só as grandes mobilizações de massas têm o poder de passar por cima
da camisa-de-força imposta por instituições que funcionam voltadas para a
manutenção do status quo.
Para tal, investir
no trabalho político e de organização popular parece ser o único meio de romper
o arcabouço da paralisia em que as classes dominantes querem manter-nos
aprisionados.
¨ Pesquisa Quaest assusta aliados e auxiliares de Lula
O resultado
da pesquisa Genial Quaest sobre a avaliação do governo Lula divulgada
nesta quarta-feira (26/2) assustou aliados e auxiliares próximos do presidente.
O levantamento
confirmou tendência já
apontada por outros institutos de recentemente, como o Datafolha,
mostrando uma grande piora na avaliação do governo.
A sondagem foi
realizada em oito estados: Bahia, Goiás, Minas Gerais, Paraná, Pernambuco, Rio
de Janeiro, Rio Grande dos Sul e São Paulo. Em seis, a avaliação negativa
cresceu.
No caso de São
Paulo, Minas, Rio Grande do Sul, Paraná e Goiás, a avaliação negativa da gestão
Lula superou os 50%. A menor avaliação negativa foi em Pernambuco: 37%.
Os resultados foram
vistos por aliados de Lula, entre eles, lideranças do PT, como “muito
ruim”. A avaliação é de que o petista precisa dar um “cavalo de pau” no governo “urgentemente”.
Para esses aliados,
a Quaest indica que Lula tem que investir em marcas novas e populares para
tentar melhorar a popularidade do governo a tempo das eleições de 2026.
A pesquisa, na
avaliação dos auxiliares presidenciais, também demonstrar a necessidade urgente
de Lula fazer mudanças na composição do governo.
Na avaliação de
integrantes do PT da Bahia, uma das alas mais influentes do partido, a pesquisa
Quaest foi “assustadora” e “péssima” para Lula.
Para integrantes da
Secretaria de Comunicação da Social da Presidência (Secom), os números ruins
ainda seriam resultados da inflação dos alimentos e da crise no Pix, cujo auge
foi em janeiro.
<><> Veja
avaliação de Lula nos demais estados pesquisados:
>>> São
Paulo
Negativo: 55%
Regular: 27%
Positivo: 16%
Não soube dizer ou
não respondeu (NS/NR): 2%
>>> Minas
Gerais
Negativo: 51%
Regular: 25%
Positivo: 22%
NS/NR: 2%
>>> Rio de
Janeiro
Negativo: 50%
Regular: 30%
Positivo: 19%
NS/NR: 1%
>>> Bahia
Negativo: 38%
Regular: 31%
Positivo: 30%
NS/NR: 1%
>>> Rio
Grande do Sul
Negativo: 52%
Regular: 28%
Positivo: 19%
NS/NR: 1%
>>> Goiás
Negativo: 58%
Regular: 22%
Positivo: 18%
NS/NR: 2%
¨ Lula perderia para Bolsonaro em SP, MG, PR, RS e GO,
diz Quaest
A pesquisa Genial
Quaest, divulgada nesta quarta-feira (25/2), mostra que o presidente da
República, Luiz
Inácio Lula da Silva (PT),
teria menos votos que o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), que
está inelegível, em uma disputa nos estados de São Paulo, Minas Gerais, Paraná,
Rio Grande do Sul e Goiás. A pesquisa apurou a informação em outros três
estados: Rio de Janeiro, Bahia e Pernambuco.
Em um cenário
estimulado, ou seja, quando são apresentados os nomes dos candidatos, a Quaest
perguntou sobre o possível voto se Lula e Bolsonaro estivessem na disputa pelo
segundo turno. Conforme o levantamento, Bolsonaro teria maior porcentual de
votos no Paraná, com 51% contra 30% de Lula.
O ex-presidente
filiado ao PL teria menos votos, mas ainda se sagraria vencedor nos estados de
Goiás (50% a 30%), São Paulo (45% a 36%), Rio Grande do Sul (44% a 38%) e Minas
Gerais (42% a 40%).
No estado do Rio de
Janeiro, Lula e Bolsonaro empatariam com 41% da preferência dos entrevistados.
A vitória mais expressiva de Lula seria na Bahia, com 59% contra 26% de
Bolsonaro. Em Pernambuco, Lula teria 57% da preferência contra 31% do
adversário.
Ainda conforme a
pesquisa da Quaest, Lula teria páreo duro contra o governador do estado de São
Paulo, Tarcísio de Freitas. O placar seria 54% a 30% favorável a Tarcísio. Lula
venceria, dentre os oito estados pesquisados, no Rio de Janeiro, na Bahia e em
Pernambuco.
Pesquisa da
Confederação Nacional do Transporte (CNT) divulgada na terça também mostrou a
força de Bolsonaro, ainda que inelegível, na preferência dos entrevistados. No
cenário de intenção de voto estimulado, Bolsonaro teria leve vantagem na
disputa do segundo turno contra Lula, com 43,4% ante 41,6% do adversário. Em
outra hipótese, o ex-presidente também derrotaria o atual ministro da Fazenda,
Fernando Haddad (PT), pelo placar de 43,1% a 39,4%.
Bolsonaro está
inelegível até 2030. Em junho do ano passado, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) condenou
o ex-mandatário pelo
placar de 5 a 2, pelos ataques que fez ao sistema eleitoral brasileiro durante
reunião com embaixadores, em julho de 2022.
<><> A
pesquisa
O levantamento da
Genial Quaest ouviu 10.442 pessoas. A margem de erro é de 3% para mais ou para
menos, exceto no estado de São Paulo, onde a margem de erro considerada é de
2%. A coleta das entrevistas foi realizada de 19 a 23 de fevereiro e o nível de
confiança é de 95%. Todas as entrevistas foram realizadas “face a face”.
¨ Preço dos alimentos influencia queda de popularidade de
Lula, diz pesquisa
Pesquisa Quaest
realizada em oito estados-chave para as eleições 2026, que foi divulgada nesta
quarta-feira (26), mostra que a queda na popularidade de Lula está sendo
influenciada diretamente pelo preço dos alimentos nos supermercados.
Segundo dados da
pesquisa, mais de 90% dos entrevistados em todos os estados afirmam que os
preços dos alimentos subiram no último mês.
O levantamento foi
feito em Pernambuco (92%), Rio de Janeiro (94%), Minas Gerais (94%), São Paulo
(95%), Rio Grande do Sul (95%), Bahia (95%), Paraná (96%) e Goiás (96%).
"A sensação de
piora na economia pode ser explicada pela quase unanimidade na percepção de
aumento no preço dos alimentos nos 8 estados pesquisados. Embora em SP a
inflação acumulada de alimentos tenha chegado a 10% em 2024, e em Salvador
tenha sido bem menor, 5,84%; nos dois estados, 95% afirmam que os preços de
alimentos subiram no último mês", diz Felipe Nunes, diretor da Quaest.
Os dados refletem
na queda da popularidade do presidente, que vê a desaprovação superar a aprovação
até mesmo na Bahia, onde venceu a eleição de 2022 com 72% dos votos.
Segundo a Quaest,
atualmente 51% dos baianos desaprovam o governo, enquanto 47% aprovam. Em
Pernambuco, também no Nordeste, o índice também foi revertido desde a última
pesquisa, realizada em dezembro: 50% de desaprovação e 49% de aprovação - eram
65% positivos e 33% negativos há dois meses.
Nos dois principais
colégios eleitorais, a queda na popularidade de Lula foi alta. Em São Paulo,
onde está a maioria dos eleitores, o governo é desaprovado por 69% - 29%
aprovam. Em Minas, segundo colégio eleitoral, 63% dizem desaprovar e 35% que
aprovam.
Ainda no Sudeste, o
governo é reprovado por 64% dos fluminenses - 35% aprovam.
O maior índice de
desaprovação se concentra em Goiás: 70% - contra 28% de aprovação.
A pesquisa ainda
levantou dados do Rio Grande do Sul (66% desaprovam e 33% de aprovação) e
Paraná (68% de desaprovação e 30% de aprovação).
Fonte: Fórum
Modificações na formação
universitária no Brasil
Investidores com patrimônio acima de R$ 5 milhões, em bancos menos
exigentes, situam-se na classe Private Banking (PB), mas os
“bancões” privados exigem acima de R$ 10 milhões. Neste caso, a classe de
investidores conhecida como varejo tradicional (VT) tem menos de R$ 1 milhão em
volume de negócios e o do varejo de alta renda (VAR) situa-se entre os dois
segmentos.
De acordo com a ANBIMA, em 2024, o volume total investido por pessoas
físicas nesses segmentos de clientes alcançou R$ 7,3 trilhões. Representou um
crescimento de 12,6% em relação ao ano anterior.
Especificamente, o segmento do varejo de alta renda registrou um aumento
maior de 15,4%, totalizando R$ 2,57 trilhões, enquanto o varejo tradicional
cresceu 13,6%, acima do crescimento médio, atingindo R$ 2,43 trilhões. Juntos,
esses dois segmentos somaram R$ 5 trilhões, correspondendo a 68,6% do total
investido por pessoas físicas. O segmento de PB, por sua vez, apresentou um
crescimento menor de 8,7%, alcançando R$ 2,3 trilhões, representando os 31,5% restantes.
Analisando as evoluções desses segmentos do início da série temporal em
2015 ao fim dez anos após, o varejo tradicional multiplicou sua riqueza
coletiva por quase três vezes, de R$ 827 bilhões a R$ 2,427 trilhões, e o
varejo de alta renda multiplicou-a por 4,4 vezes, de R$ 586 bilhões a R$ 2,572
trilhões. A multiplicação da fortuna do PB foi de pouco mais de três vezes.
Proporcionalmente, a classe média alta enriqueceu mais e passou a deter
35% do total em 2024 diante 28% em 2015. As classes baixa e média baixa foram
de 39% para 33% e os ricaços de 34% para 31,4%, depois de terem atingido 40% e
mantido o patamar de 39%-38% nos anos do populismo de extrema direita.
Quando considera os números de contas (não CPFs) por segmentos, a
“financeirização” aparece no varejo tradicional por ter passado de 66,6 milhões
a 163 milhões e no varejo de alta renda de 5 milhões a 15 milhões de contas
nesses dez anos. O PB passou de apenas 110 mil contas para 162 mil, mas neste
ano a ANBIMA passou a divulgar esse segmento ter 741.218 contas, bem acima
daquelas 162.045 publicadas como “número de contas exclusivas” – deve ser de
CPFs dos 65.692 grupos familiares.
Se essa hipótese for válida, há quase cinco contas por CPF, e
extrapolando para o varejo de alta renda seriam 3 milhões de clientes nessa
elite financeira – aí a riqueza per capita seria de R$ 170.000 x 5 ou R$ 850
mil. Outra hipótese levantei a partir dos números sobre Educação do Censo 2010:
eram apenas 14,3% graduados, 0,7% mestres e 0,5% doutores na população brasileira,
e entre o 1% mais rico encontravam-se 62,4% graduados, 9,3% mestres 5,1%
doutores. Eu supunha nos segmentos varejo de alta renda e PB predominarem os
clientes com formação universitária.
Essa formação no Brasil foi restrita a uma elite cultural e econômica
até pelo menos a década de 1990. Durante grande parte do século XX, o acesso ao
ensino superior era limitado por fatores como a escassez de instituições
públicas, o alto custo das instituições privadas e a baixa escolaridade média
da população.
O ensino superior era um privilégio de grupos de renda mais altos.
Tinham maior acesso à educação básica e ensino médio de qualidade, além de
poderem arcar com os custos associados à formação universitária.
Durante os governos social-desenvolvimentistas do início do século XXI,
houve uma ampliação significativa das universidades federais e estaduais, com a
criação de novos campus e programas de inclusão, como o Reuni (Programa de
Apoio aos Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais). A adoção
de políticas afirmativas, como cotas raciais e sociais, além da reserva de
vagas para alunos da escola pública, ampliou o acesso de grupos antes
excluídos.
Programas como o ProUni (Programa Universidade para Todos) e o Fies
(Fundo de Financiamento Estudantil) permitiram estudantes de baixa renda
ingressarem em universidades particulares com vagas ociosas, gerando um aumento
expressivo no número de matrículas. O setor privado cresceu de forma acelerada,
especialmente com a popularização do Ensino a distância (EAD). Pelo baixo
custo, tornou a busca por um diploma de educação superior mais acessível.
Pela PNADC 2023, entre pessoas de 25 anos ou mais de idade, 19,7% tinham
superior completo. Se considerasse de 35 a 34 anos atingia o maior percentual
de 24,9% com essa formação e de 65 anos ou mais de idade era o menor
percentual: apenas 11,4% dessa faixa tinha essa formação.
A massificação do ensino superior teve efeitos diretos sobre o mercado
de trabalho, especialmente na remuneração dos profissionais graduados. Com mais
pessoas obtendo diplomas, a concorrência por certas vagas aumentou, diminuindo
o diferencial salarial antes existente entre graduados e não graduados.
A posse de qualquer um diploma universitário (tipo de “Uniesquina”)
deixou de ser um diferencial tão forte. Profissões exigentes de maior
escolaridade passaram a enfrentar maior competição, piorando os rendimentos
médios.
O avanço da inovação e da digitalização em diversas áreas alterou a
demanda por determinados profissionais com formação universitária, permitindo a
inovação ser adotada por camadas de menor nível escolar. A qualidade do ensino
superior tornou-se mais heterogênea, com algumas instituições com ensino de
excelência formando profissionais altamente competentes, enquanto outras passaram
a oferecer cursos de menor prestígio no mercado, dificultando a
empregabilidade.
Acompanhando o ocorrido em países avançados, a formação universitária no
Brasil deixou de ser uma vantagem das elites a partir da virada do século XXI,
devido às políticas públicas de expansão e inclusão, bem como à participação
crescente do setor privado. Esse impacto teve impactos positivos na
democratização do conhecimento, mas também gerou problemas, como a queda de
nível dos ensinamentos relevantes de graduados e a necessidade de diferenciação
no mercado de trabalho por meio de pós-graduações e especializações.
Essas informações parecem ser adequadas à hipótese de o segmento de
clientes bancários do varejo de alta renda estar correlacionado com o número de
profissionais formados nas Universidades brasileiras, no século passado, por
terem tido condições de poupar e fazer investimentos em longo prazo,
tornando-se milionários, inclusive em dólares. O segmento de clientes bancários
do varejo de alta renda reúne quem conseguiu acumular patrimônio expressivo ao
longo da vida profissional.
Essa correlação se dá porque, no século XX, o acesso ao ensino superior
no Brasil era restrito a uma elite cultural e econômica. Quem conseguiu se
formar, especialmente em áreas como medicina, engenharia, direito e
administração ou economia, tinha alta empregabilidade e maiores rendimentos ao
longo da vida.
Profissionais formados nas décadas de 1960 a 1990 tiveram uma vantagem
salarial expressiva em relação à média da população, permitindo maior
capacidade de poupança e investimento. Esses profissionais tiveram acesso a
fontes de renda diversas, no setor público ou em grandes empresas privadas,
garantindo renda consistente e a possibilidade de investir a longo prazo.
Durante o período de alta inflação no Brasil (até o Plano Real em 1994),
quem possuía conhecimento financeiro e acesso a investimentos protegidos da
inflação (como imóveis, overnight e títulos indexados)
conseguiu preservar e aumentar seu patrimônio. Com o crescimento do carregamento
de títulos de dívida pública, na segunda metade dos anos 1990s e, depois, com o
“tripé macroeconômico” com juros disparatados para atrair ao risco soberano em
vez do risco cambial, esses profissionais passaram a investir mais em ativos
como fundos de investimento, previdência privada e depósitos a prazo – e menos
em ações e imóveis.
A financeirização da economia brasileira, no século corrente, permitiu a
ampliação de opções de investimento para aqueles já com algum capital
acumulado, facilitando a transição para faixas de riqueza mais altas. Os bancos
desenvolveram segmentos como Personnalité, Estilo, Prime e Van Gogh para
atender pessoalmente clientes com um patrimônio expressivo, oferecendo
consultorias.
Muitos desses clientes são ex-profissionais liberais, ex-executivos e
ex-funcionários públicos ou estatutários aposentados. Acumularam riqueza ao
longo de décadas e hoje fazem parte desses segmentos.
A correlação entre a formação universitária, alcançada no século XX, e o
crescimento do segmento de varejo de alta renda nos bancos brasileiros tem
indícios de ser forte, pois esses indivíduos tiveram melhores oportunidades de
emprego, renda e investimentos. Isso lhes permitiu acumular riqueza suficiente
para ingressar em segmentos de alta renda e, em alguns casos, até no Private
Banking, dependendo do nível de patrimônio atingido.
Fonte: Por Fernando Nogueira da Costa, em A
Terra é Redonda
Por que Nísia Trindade caiu
(politicagem?)
Nísia Trindade foi aplaudida de pé ao terminar sua fala
naquele que foi o último evento público antes
de sua demissão oficial do cargo de ministra da Saúde. Anunciava uma parceria
entre o governo federal e o Instituto Butantan, para ampliar a produção de
vacinas contra a dengue e imunizar toda a população elegível até 2027. O clima
não era de despedida, embora sua saída fosse certa. Teria o evento servido para
amenizar os desgastes que a ministra sofreu nas últimas semanas?
As primeiras notícias mais concretas sobre a substituição
de Nísia começaram a aparecer na última quinta-feira (20/2). Segundo fontes
anônimas dos principais jornais da mídia comercial, Lula já estava decidido a
trocá-la. Apenas refletia se escolheria Arthur Chioro, atual presidente da
Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh) ou Alexandre Padilha,
então ministro-chefe da Secretaria de Relações Institucionais. Os dois foram
ministros da Saúde no governo Dilma. O presidente optou pelo segundo, em
decisão anunciada ontem em nota oficial bastante
diminuta.
O fato de que Nísia não havia sido informada da decisão
do presidente, e que ficou sabendo dela pelos jornais, incomodou. O 8M, um
coletivo de servidoras, alunas e colaboradoras da Fiocruz, lançou uma campanha
pedindo respeito à primeira mulher à frente do Ministério da Saúde. “Rejeitamos
o assédio, a desqualificação e a inferiorização permanentes de mulheres em
posição de poder, e a exigência de que tenhamos condutas masculinas nos espaços
de decisão”, escreveram.
Em entrevista a Bernardo Mello Franco, do Globo, o ex-ministro José Gomes Temporão considerou “cruel”
e “desrespeitosa” a
má condução desse início de reforma ministerial. Para ele, “o que aconteceu nas
últimas duas semanas foi muito ruim. O presidente pode trocar quem quiser, mas
a forma como isso ocorreu não condiz com a coragem e com o desempenho que ela
teve no ministério”. Ele lembra que Nísia foi responsável por reerguer a pasta
após anos de destruição pela equipe de Jair Bolsonaro.
“Uma perda significativa, por várias razões”,
declarou Paulo Capel Narvai, professor titular
sênior de Saúde Pública na USP, ao Outra Saúde. “Primeiramente, por sua
competência, demonstrada em sua trajetória profissional e comprovada nesses
dois anos à frente do Ministério da Saúde e no comando nacional do Sistema
Único de Saúde.” Ao recapitular a lista de ocupantes na história da pasta, ele
atesta que Nísia foi uma das melhores à frente do cargo.
Sônia Fleury, sanitarista e doutora em ciência política, em entrevista ao
programa Outra Manhã,
concorda que a ministra teve um papel crucial. Destacou, em primeiro lugar, as
ações de Nísia para o fortalecimento do Complexo Econômico-Industrial da Saúde
(CEIS), que chamou de “carro-chefe” do ministério.
“Houve um impulso importante, e hoje essa área consegue
juntar ciência, tecnologia, nova industrialização, financiamento público,
articulação com setor privado, e produção de fármacos.” Sonia também cita os
esforços para a digitalização da saúde, a telemedicina e a atenção aos cuidados
paliativos como novidades importantes da gestão.
·
Havia crise no ministério de
Nísia?
A ministra da Saúde do governo Lula 3 encontrou um
cenário de terra arrasada ao tomar posse no início de 2023. Ainda assim, foi
competente em retomar alguns dos principais programas de outros governos –
Farmácia Popular, Programa Nacional de Imunizações e Mais Médicos são os com
maior destaque. A pasta tem como foco, hoje, o Mais Acesso a Especialistas, que
busca ampliar a atenção especializada com mais consultas, exames e outros
procedimentos diagnósticos e terapêuticos.
Mas coube a Nísia Trindade estar à frente do comando do
SUS no momento em que a epidemia de dengue recrudesce – em especial no Brasil,
mas por todo o mundo. O problema é complexo e envolve soluções de muitos
níveis, da vacinação à coleta de lixo. Abriu-se, então, uma brecha para as
críticas à sua condução. Sonia Fleury alerta: “Essas questões são apresentadas
agora como culpa do Ministério da Saúde e não como problemas que nós
enfrentamos há décadas e que mereceriam ser melhor tratados, inclusive para que
a população soubesse como isso está sendo feito”.
“É evidentemente exagerado pedir que a ministra Nísia,
ou qualquer outro ministro, ‘resolva o problema’ da dengue, no Brasil, em dois
anos”, concorda Paulo Capel Narvai. Ela fez muito do que estava a seu alcance:
comprou a maior parte das doses da única vacina atualmente aprovada pela Anvisa
para prevenir a doença. Investiu R$1,5 bilhão entre 2023 e 2024 nas estratégias
de controle, que incluem o uso de diferentes tecnologias para conter a
proliferação do mosquito e o fortalecimento do sistema de saúde.
Para Paulo, “a estratégia adotada pelo MS, nos limites
da competência da pasta, foi apropriada à situação brasileira. Essa estratégia
vem sendo, contudo, muito prejudicada pela farra das emendas parlamentares, que
atrapalham o planejamento e a organização do SUS e prejudicam a população”. Ele
toca em um ponto central: o Ministério da Saúde, que tem o maior orçamento da
Esplanada, é alvo de enorme cobiça de políticos do “Centrão”.
·
Os acordos e a
“governabilidade”
A mídia comercial e seus colunistas atribuem a Nísia
Trindade, além da dita “má gestão” da epidemia de dengue, uma falta de abertura
de diálogo com parlamentares. Sonia Fleury contesta: “Na verdade, o que está
por trás de tudo isso são questões políticas, acordos em busca de uma
governança entre o parlamento e o governo”. Ela questiona o rumo de Lula 3 e
seu slogan União e Reconstrução:
“essa ideia é complexa e às vezes contraditória, porque se você unir demais,
fica tudo do mesmo jeito. E se só reconstrói, também não caminha adiante”.
O principal entrave para o Ministério da Saúde parece
ser justamente o controle de seu orçamento pelas emendas parlamentares, que são
utilizadas por políticos sem compromisso com as diretrizes dadas pelo governo
para o SUS. Hoje, um quinto do que a União pode gastar está sob controle do Congresso.
O governo fica de mãos atadas e, ao não confrontar essa lógica, paralisa.
Para Sonia, “um presidente muito fragilizado entra
nessa negociação muito mal. A negociação em si já não garante mais que o acordo
feito vai ser cumprido pelas bases. Na hora de votar, cada um vota como quer”,
porque, desde o impeachment de Dilma em 2016, o presidencialismo de coalizão
não funciona mais.
“Mais do que a comunicação”, continua a sanitarista, “o
que precisa existir é uma linha decisória estratégica, um programa de governo.
Qual é o programa? Se o governo está enfraquecido, não tem popularidade, ele
vai entrar fraco nas negociações. Agora, também ele entra fraco se não tiver
uma linha, porque aí tem que aceitar qualquer negociação possível”.
Paulo Capel Narvai segue no mesmo caminho: “Eu costumo
dizer que não há solução administrativa para problemas políticos, pois o que
resolve problemas políticos é a ação política. Sem ação política de quem
defende direitos sociais, de quem defende o SUS, prevalecerão as ações
políticas de quem se opõe a direitos e ao SUS”.
·
A Saúde como saída para um
governo enfraquecido
Ficou claro, com as notícias das últimas semanas, que
há uma tentativa de enfraquecimento do governo que passa também por questionar
as ações feitas na Saúde, reflete Sonia. “E o governo Lula não se deu conta de
que a área de saúde, sendo prioritária para cada pessoa, seria um palanque
importante de mobilização política, de construção de uma nova forma política e
de relação com a sociedade.”
Fala-se que Lula estaria descontente com Nísia Trindade
pela falta de uma “marca” em sua gestão. Mas Paulo considera que o próprio SUS
deveria ser considerado essa grande marca. Faltaria uma compreensão do governo
de que investimentos na Saúde podem trazer mudanças importantes na vida da
população para que ela volte a apoiá-lo.
Além disso, explica Sonia, a mobilização pelo SUS
continua ativa, e poderia agir a seu favor: “Eu creio que a área de saúde se
distingue muito das demais, porque continua mobilizada. Acho que isso é que o
governo não entendeu, é que essa potência da mobilização que persiste no
movimento sanitário, na Frente pela Vida, na Abrasco, no Cebes – a capacidade
de mobilização da área de saúde é incomum nesse país”.
Sonia vai além: para ela, o momento histórico, em
especial com a chegada de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos, abre
espaço para o Brasil ocupar um novo papel, inclusive na saúde global. “Este era
um momento para estar fortalecendo o Ministério da Saúde e as instituições como
a Fiocruz, que podem ter um papel fundamental na relação Sul-Sul, em ocupar
esse espaço que está sendo deixado vazio.”
·
O grande desafio de
Alexandre Padilha
Alexandre Padilha é médico, doutor em Saúde Coletiva e
deputado federal pelo PT. Foi ministro da Saúde entre 2011 e 2014. Durante sua
gestão que o programa Mais Médicos foi lançado. Sua posse está prevista para 6
de março. Paulo Capel Narvai comenta sua entrada: “Padilha é um político
calejado e um administrador público competente. Sua gestão ministerial na saúde
e como secretário municipal de São Paulo comprovam essas qualidades. Mas,
contra o centrão, ninguém nunca está suficientemente blindado”.
Sonia Fleury preocupa-se com um possível caráter liberalizante com Padilha à frente da
Saúde – não simplesmente por sua figura, mas porque o momento parece indicar
esse movimento. “Se o governo hoje está buscando mudar para evitar
tensionamento com o Parlamento, essa mudança poderia ir nesse sentido, o que é
péssimo. Ter o Judiciário assumindo um papel cada vez mais político, enquanto o
governo se isenta desse papel – porque está sequestrado por esse arranjo de
governança.”
“Padilha terá de conter as investidas do Centrão sobre
o orçamento da saúde, e lutar bastante para proteger e ampliar esse orçamento”,
lista Paulo. “Terá de enfrentar o subfinanciamento crônico do SUS e o impacto
desorganizador de emendas parlamentares sobre o planejamento setorial.” Terá o
papel, ainda, de fortalecer os Conselhos de Saúde, desde o nível local até o
nacional, que são “indispensáveis para que o SUS não se transforme num balcão
de negócios, pois como dizem os movimentos sociais, ‘saúde não é mercadoria’”.
Indica: “seu trabalho não será nada fácil”.
Fonte: Por Gabriela Leite, em Outra
Saúde
Paulo Kliass: Big Techs infiltram-se
no Ministério da Fazenda?
O protagonismo que o bilionário Elon Musk vem exercendo
no início da administração Trump nos Estados Unidos tem colocado muita luz no
debate a respeito das relações incestuosas entre dirigentes do setor público e
representantes do grande capital privado. Além de representar os interesses de
seus próprios conglomerados nas diferentes áreas em que atua, o empresário de
origem sul-africana conquistou em espaço importante na equipe do presidente e
teve um cargo de natureza ministerial especialmente criado para si mesmo.
Trata-se do Departamento de Eficiência Governamental.
Junto com Musk passaram a ganhar relevância na cena
política norte-americana outros líderes empresariais do setor que tangencia a
esfera digital, as comunicações e o sistema financeiro. Passaram a ser
conhecidas como Big Techs e constituem o grupo de maiores conglomerados na cena
global. Na posse de Trump estavam, em lugar de destaque na cerimônia
transmitida para centenas de milhões de pessoas por todo o mundo, indivíduos
que representam parcela expressiva do PIB da Terra. São eles: Mark Zuckerberg
(Meta), Sundar Pichai (Google), Tim Cook (Apple), Jeff Bezos (Amazon), Shou Zi
Chew (TikTok) e Sam Altman (OpenAI).
A tentativa de parcelas e setores das classes dominantes
em influenciar decisões de políticas públicas existe há muito tempo na história
do capitalismo. No entanto, ao longo das últimas décadas a prática do lobby foi se
sofisticando para se transformar em uma presença mais direta dos representantes
dos grandes conglomerados em postos estratégicos da própria administração do
Estado. Esse movimento tem ocorrido em diferentes países e tem permitido ao
grande capital obter favorecimentos extraordinários em suas iniciativas.
· Brasil:
relações incestuosas entre capital e Estado
O caso brasileiro tampouco fugiu à regra geral. O que
mais surpreendeu os analistas foi a continuidade de tal procedimento nos
governos presididos pelo Partido dos Trabalhadores (PT). Em 2003, por exemplo,
Lula convidou o ex-presidente internacional do Bank of Boston para ocupar o
importante cargo de presidente do Banco Central (BC). Ou seja, o principal
dirigente de um dos maiores credores da dívida externa brasileira passou a
ocupar o posto de responsável pela política monetária e pela política cambial,
além das fundamentais missões de regulação e de fiscalização do sistema
bancário e financeiro. Henrique Meirelles abriu mão de exercer o mandato de
deputado federal pelo PSDB ao aceitar o convite de Lula. Além disso, foi
presenteado com os termos de uma Medida Provisória para equiparar o seu futuro
cargo ao de ministro de Estado.
Em 2015, a presidenta Dilma Rousseff nomeou para ser o
ministro da Fazenda (MF) de seu segundo mandato um diretor do banco privado
Bradesco, Joaquim Levy. Mais uma vez, um importante cargo da administração
pública federal foi oferecido a um representante direto dos interesses do
financismo. Além de implementar um programa de ajuste macroeconômico de
natureza austericida e monetarista, o banqueiro tinha em sua agenda cotidiana
contatos e espaços de decisão de política econômica – e sendo um agente direto
de um dos maiores grupos do financismo privado. Esse tipo de apropriação
privada do espaço público deveria ser proibido.
Dentre os inúmeros presidentes e diretores do BC
diretamente vinculados aos interesses da banca privada, chamam a atenção os
mais recentes. Ilan Goldfajn (2016-19) havia sido alto executivo dos bancos
Credit Suisse e Itaú, ao tempo em que Roberto Campos Neto (2019-24) havia
ocupado postos de direção nos grupos bancários Bozano Simonsen e Santander.
· MF, BC e
STN: portas giratórias e interesse público
Além disso, o essencial cargo de chefia da Secretaria
do Tesouro Nacional (STN) também tem sofrido com a chamada “política de portas
giratórias” entre o capital privado e setor público. Os exemplos mais recentes
são de ex-titulares da STN que atualmente ocupam os postos de sócio e de
economista-chefe de bancos privados. É o caso de Ana Paula Vescovi (2016-18),
atualmente dirigente do Banco Santander, e de Mansueto Almeida (2018-20), que
ocupa hoje em dia a direção do Banco BTG Pactual. Chama a atenção o processo de
“normalização” de tal procedimento por parte dos formadores de opinião, como se
esse tipo de promiscuidade de relação de interesses não ferisse princípios
básicos da natureza republicana de nossa formação social.
Ao longo das últimas semanas tem recebido destaque
também a presença de representantes das Big Techs na estrutura do governo
federal brasileiro. A divulgação da nomeação de Pablo Bello
Arellano para o cargo de assessor especial de Fernando Haddad surpreendeu
negativamente a maior parte dos analistas. Até a antevéspera de sua indicação
para ocupar este importante cargo na Esplanada dos Ministérios, este economista
de origem chilena era um alto executivo da Meta, um dos grandes conglomerados
globais dessa área digital, de comunicação e financeira. Não apenas
representava os interesses do grupo, como costumava participar de audiências em
Brasília tendo como contraparte os funcionários do MF. A partir de agora, ele
mudou de lado do balcão. Resta saber que tipo de proposta ele vai passar a
defender no cargo.
Por outro lado, também merece destaque a presença de
Dario Durigan em cargo estratégico no mesmo MF. O atual secretário-executivo
responde como o segundo homem na hierarquia do Ministério. Mas ele também era
alto funcionário da Meta até às vésperas de sua nomeação para o cargo em junho
de 2023. Aliás, um mês antes ele estava no mesmo prédio defendendo os
interessas da Big Tech de Zuckerberg em reuniões com a equipe e Haddad.
· As Big
Techs dentro do governo: escândalo silenciado
Ora, parece mais do que evidente que a situação de
crise internacional e da necessidade de se elaborar e defender medidas que
apontem para um projeto de soberania digital para nosso país são contraditórias
com a participação de pessoas com tal perfil e passado comprometedor. O Brasil
precisa conquistar espaço dentre os grandes atores no cenário global, mas sem
se render aos interesses dos grandes conglomerados privados. Já passou do
momento de avançarmos na definição de projetos e programas da área digital,
comunicação e informática com conteúdo e segurança nacionais. Mas, para tanto,
é fundamental romper com a lógica e os interesses das grandes Big Techs.
Existem alternativas de mais curto prazo para atenuar a
dependência que o Brasil mantém com relação a tais oligopólios da tecnologia
digital. A conquista da soberania nesse domínio é um processo lento, ainda que
ultra necessário e urgente. Uma possibilidade concreta que se
abre é a ampliação de contatos com os países-membros dos Brics, cuja
Presidência neste ano de 2025 é exercida exatamente pelo Brasil. Rússia, China e
Índia, entre outros, podem oferecer condições para que a dependência extrema e
absoluta que temos com relação a conglomerados estadunidenses seja
flexibilizada.
Para dar cabo de tal tarefa, o mais indicado é afastar
dos centros de decisão do governo brasileiro indivíduos que estejam claramente
defendendo o ponto de vista destes oligopólios privados, que agora contam com
assento na Casa Branca. Com a palavra, mais uma vez, o presidente da República.
Afinal, Lula disse que gostaria de fazer mais e melhor em seu terceiro mandato.
Que pretendia realizar 40 anos em 4. O tempo passa rápido e não há mais espaço
para postergar esse tipo de decisão estratégica.
¨ Haddad e o
crescimento econômico. Por J. Carlos de Assis
O ministro Fernando Haddad acordou, finalmente, para o fato de que o
Brasil não terá estabilidade fiscal se não houver crescimento econômico. Não
acordou, porém, para o fato de que o País não terá crescimento sustentável se
for mantida a estúpida política de metas fiscais contida no “arcabouço” de
2023, que restringe drasticamente investimentos e despesas públicas para
equilibrar o orçamento primário.
Tenho insistido recorrentemente nesse ponto. Crescimento da economia vem
do aumento da produção. Contudo, não há aumento da atividade produtiva sem,
antes, haver aumento da demanda agregada. É que os empresários não aumentarão a
produção simplesmente para guardar nas prateleiras os bens produzidos. Produzem
para vender. Para isso, tem que haver demanda suficiente na economia ou
exportações.
Portanto, numa economia saudável, a demanda deve crescer a um ritmo
ligeiramente acima da oferta, para induzir o aumento do investimento, da
produção e do PIB. Entretanto, o principal fator sob controle do governo que
leva a um aumento da demanda acima da oferta é o aumento do déficit público.
Defendo um aumento do déficit da ordem de 3% do PIB, o teto praticado pelo BCE
(Banco Central Europeu).
Não me venham dizer que o BCE é um banco irresponsável. É o mais novo
banco central do mundo, conduzido por profissionais e especialistas europeus em
política monetária do mais alto nível. Já nossa meta de equilíbrio orçamentário
ou de déficit fiscal máximo de 0,25% é um anacronismo, herdado da Lei de
Responsabilidade Fiscal de Fernando Henrique Cardoso do ano 2000, adaptada no
“arcabouço fiscal” de Haddad, respaldado por Lula.
O presidente sintetiza seus conhecimentos de economia no conselho de sua
amada mãe, dona Lindu, que lhe ensinou que o país, como uma família, “não pode
gastar mais do que arrecada”. Naturalmente dona Lindu não sabia que, diferente
de uma família, o estado pode emitir moeda e dívida pública para reforçar sua
capacidade de pagamentos de despesas e investimentos quando surge um déficit
orçamentário.
Isso não gera necessariamente inflação, se são gastos produtivos
responsáveis e a demanda e a oferta de bens e serviços no mercado estiverem
aproximadamente equilibradas. É que, se a um aumento da demanda gerado pelo
déficit público corresponder a um aumento da oferta por conta do aumento da
produção, terá havido na economia equilíbrio dinâmico.
Fetiches neoliberais relacionados com política fiscal e monetária são
apropriados pelos especuladores, apoiados pela grande mídia, a fim de se
apossarem de grande parte da renda nacional contra o interesse público.
Referem-se à estabilização e controle da inflação. No caso fiscal, presume-se
que a inflação é provocada por aumento do déficit público; no caso monetário,
pela alta liquidez do mercado financeiro, que deve ser “enxugada” por uma alta
taxa de juros (Selic).
Ambos são conceitos falsos. Como mostrei acima, inflação é um fenômeno
especificamente de mercado, confrontando oferta e demanda de bens e serviços
reais. Geralmente não está associada a questões monetárias ou financeiras. Pode
se dever a quebras de safras, escassez de determinados insumos industriais
(como os chips durante a pandemia), bloqueios políticos, embargos comerciais ou
outros fatores.
Portanto, o controle da inflação é perfeitamente possível, diante de um
aumento da demanda, se o governo atuar ativamente do lado da oferta. Para isso,
o setor privado tem que ter acesso a condições favoráveis de financiamento para
aumentar o investimento e a produção. É aqui que nossa política monetária
representa um efetivo empecilho ao crescimento brasileiro: a taxa básica de
juros (Selic) é extremamente elevada, e em lugar de estimular a produção,
estimula o rentismo.
A base do rentismo é a Dívida Pública, cujo nível atual representa um
passivo sem o ativo correspondente com a maior parte girando no mercado
financeiro na forma de “operações compromissadas” do Banco Central, que rendem
juros diários proporcionais à Selic. Enquanto existir a Selic, conforme tenho
insistido, a economia brasileira não tem como crescer a altas taxas, pois os
empresários continuarão preferindo ganhar bilhões de reais no rentismo em lugar
de investirem no mercado produtivo real.
Fonte: Outras
Palavras/Brasil 247