Eduardo Bolsonaro: Vira-lata ou vivandeiro?
A expressão vivandeira vem do francês, e
significa “mulher que vende víveres”. No contexto militar, as vivandeiras eram
as mulheres que acompanhavam as tropas. No senso comum, muitas vezes essas
mulheres são associadas ao trabalho de prostituição, mas muitas delas eram
esposas e mães que decidiam acompanhar seus familiares à frente de batalha, ou
mulheres que se integraram ao esforço de guerra pela nação. Sua atuação era
ampla, preparando e fornecendo alimentos, cuidando de soldados (quando deram
origem, inclusive a profissões como a de enfermeira), lavando e costurando
roupas, oferecendo suporte emocional aos combatentes etc. Posteriormente, o
trabalho das vivandeiras será profissionalizado e receberá um nome formal:
apoio logístico. Quando o trabalho é valorizado, ele também é masculinizado, e
a função foi, por anos, reservada apenas aos homens. Não existe combatente sem
suporte logístico, mas é importante ressaltar que, nessa relação, o primeiro
tem primazia sobre o segundo. Na estratégia, define-se o efetivo combatente, e
então a logística necessária para que ele entre em ação. Sem o combatente, os
recursos disponíveis, sejam da natureza e na quantidade que forem, não são
suficientes.
No Brasil, um outro grupo também foi batizado
com o nome de vivandeiras. Elio Gaspari conta que o insuspeito marechal Castelo
Branco, ao referir-se aos políticos civis que iam aos quartéis para buscar
apoio militar para as suas propostas políticas, chamou-os vivandeiras. “Eu os
identifico a todos. São muitos deles os mesmos que, desde 1930, como
vivandeiras alvoroçadas, vêm aos bivaques bolir com os granadeiros e provocar
extravagâncias ao Poder Militar”.
O apelido não deixa de ser correto. Os
políticos civis não pretendiam estar na frente de batalha de um golpe em que o
comando estava no elemento militar, mas deixavam claro estar a postos para
prestar suporte logístico, financeiro, político e social à caserna. A relação
de comando permanece a mesma da palavra original. Sem apoio civil, não teria
existido uma ditadura como a brasileira. Mas sem o elemento militar, sem o
argumento da força, o golpe de 1964 dificilmente teria ocorrido. Vem daqui, da
identificação da força motriz do golpe, a polêmica historiográfica sobre os
conceitos de ditadura militar, ditadura civil-militar, ditadura
burocrático-militar, entre outros.
Chegamos agora ao período recente, ao governo
Bolsonaro. Diferentes analistas tentaram estabelecer, com respostas distintas,
à questão: quem veio primeiro, o ovo ou a galinha? Em diferentes textos, já
afirmamos nosso ponto de vista: Bolsonaro é fruto dos quartéis. Inicia sua
campanha por lá, e tomou um grupo de generais (agora réus, que identificamos
enquanto organizados no Partido Militar) como eixo de sustentação do seu
governo, força dirigente da coalizão política. Enquanto deputado, Bolsonaro foi
uma vivandeira. Mas também, certamente, a caserna se beneficiou ideologicamente
do político, que assumiu publicamente pautas polêmicas, como a defesa da,
conforme por eles entendida, “revolução de 1964”, que militares sustentavam
apenas em eventos internos aos quartéis; e financeiramente, através de inúmeras
emendas. Sem o suporte do Partido Militar, e a tolerância (e por que não,
estímulo?) da Instituição Militar, Bolsonaro não teria se tornado presidente.
Mas a relação de comando fica clara agora, com os julgamentos. Bolsonaro e
generais militantes estão sob o crivo da Justiça. No caso da Instituição
Militar, tudo “continua como dantes no quartel de Abrantes”.
Esse longo preâmbulo é para perguntar: a
parcela bolsonarista da direita brasileira teria se tornado uma vivandeira
internacional? Que Eduardo Bolsonaro flerta com os militares, não há dúvidas,
afinal estamos todos aguardando “o cabo e o soldado que bastam para fechar o
STF”, nas palavras dele. É uma vivandeira de outras instituições, inclusive,
com quadros da sua confiança nas polícias em geral, inclusive na Polícia
Federal. Mas o que foi fazer nos Estados Unidos?
Equivoca-se quem acredita que o “02” fugiu
para evitar a própria prisão. Ele foi pedir apoio ao “Grande Irmão do Norte”, a
cuja bandeira o bolsonarismo já jurou por muitas vezes, mas não se trata de uma
fuga. Minha hipótese é que Eduardo Bolsonaro busca apoio para três objetivos:
proteger o pai, esse sim ameaçado de prisão, a depender do jogo político (e não
jurídico, sempre é bom lembrar) que corre no Brasil; se oferecer para ser
treinado por Trump e pelas big techs, com o objetivo de retornar ao
Brasil candidato à Presidência da República, no lugar do pai; articular uma
bancada para a Câmara e Senado nas eleições de 2026 que repita a maioria
trumpista nos EUA. Sua capacidade de articulação na extrema direita já está
mais do que provada. Sua fidelidade ideológica também, no que difere dos dois
irmãos. Nas palavras dele mesmo, “um homem de convicção, e não de geleia”.
Mas seria ele uma vivandeira, ou apenas um
vira-lata? O comportamento vira-lata é comum entre as elites brasileiras. A
expressão, inventada por Nelson Rodrigues, aplica-se àqueles e àquelas que
admiram acriticamente o que vem do estrangeiro, principalmente dos EUA.
Consideram tudo que é nacional inferior, mal-acabado, insuficiente diante das
maravilhas da “terra prometida”. Que os Bolsonaros adoram os EUA, temos
comprovações teóricas, simbólicas e políticas. Entretanto, o 02 seria uma
vivandeira?
Para ser uma vivandeira, o Bolsonaro Junior
precisaria ter algo a oferecer ao combatente principal do tabuleiro, Trump, que
ele desejasse, ou que fosse mais difícil conseguir por outros meios. Que o
Itamaraty preferia os democratas, considerados “educados e respeitosos durante
a última eleição de Lula”, o próprio chanceler Celso Amorin afirmou. Que o
bolsonarismo preferia Trump, também não é novidade para ninguém. Mas e Trump?
Enquanto a maior parte da esquerda brasileira
lamenta a eleição dos EUA, sobre a qual não temos nenhuma ingerência, o tempo
segue correndo, e as eleições de 2026 se aproximando no Brasil. Temos poder de
decisão sobre os nomes para candidatos à esquerda, e sobre o programa a debater
com a população. Na direita, podemos torcer para que a construção de consensos
em torno de um nome que substitua Jair Bolsonaro seja difícil, e antecipar o
programa que trarão para as urnas. Ouso dizer que o lado de lá vai seguir
colocando na mesa, agora com mais ênfase, a pauta da segurança pública e da
militarização não só do Estado, mas das múltiplas esferas da vida social. Vamos
preparar respostas e travar a batalha de ideias em torno disso? Bola para a
frente!
¨
Bolsonarismo: a extrema
direita vira-lata. Por Tom Altman
Subserviente, servil, puxa-saco, bajulador,
obnóxio, submisso e todos os sinônimos que se possa lembrar explicam o
comportamento da extrema-direita brasileira em relação ao governo Donald Trump
e todos os seus bilionários de estimação. Nossa extrema-direita é um leão
contra o Brasil: depreda, mata, prende, diminui o que é nosso; é um gatinho com
os EUA – lambe, exalta, defende, apoia, se submete, se rende e bate continência
a tudo que é americano.
A família Bolsonaro e seus apoiadores
inauguram por aqui o fascismo antinacional. Trocam o protecionismo
característico do fascimo pelo entreguismo sistemático. Se a ideologia
econômica dominante dos diferentes movimentos de extrema-direita ao redor do mundo
significa controle do Estado para defesa dos interesses das classes dominantes,
por aqui temos a marginalização das minorias e o enriquecimento dos indivíduos
que moram no andar de cima submetidos ao controle da política por um estado
estrangeiro.
No nazismo, no fascismo italiano, na
extrema-direita francesa ou no integralismo de Plínio Salgado não se observa a
dedicação submissa que o bolsonarismo pratica frente ao imperialismo americano.
A dominação podia ocorrer em alguns aspectos macroeconômicos, podia haver
alinhamento político, um discurso do “inimigo comum” para se contrapor à
ascensão do socialismo, mas não a subserviência total. O fascismo brasileiro
odeia o Brasil e está perdendo a vergonha de demonstrar. A camiseta é a da CBF,
mas a continência é batida para os senhores dos EUA e de Israel.
Muitos podem argumentar, com razão, que o
vira-latismo brasileiro não é criação bolsonarista. Quantas vezes escutamos
políticos da chamada direita tradicional defendendo interesses dos EUA em
detrimento das necessidades nacionais? A bandeira da “economia globalizada”,
que tanto prejudicou e ainda prejudica os países em desenvolvimento, sempre foi
defendida por partidos de direita e respaldada pelas classes altas e médias,
mesmo antes de exisitir o mais atual movimento político fascista no Brasil.
Contudo, esse discurso ainda se deixava
permear pela suposta defesa do interesse nacional, como se o alinhamento
ao império fosse a solução para os problemas econômicos do país. Ainda havia
alguma defesa a certas necessidades e símbolos nacionais.
O bolsonarismo e seus aliados, no entanto, são vira-latas orgulhosos, defendem
e se sujeitam aos símbolos norte-americanos. Gostam do boné vermelho dos
republicanos, do sotaque, das empresas americanas. Até do clima; eles preferem
o de lá. Quando Trump defendeu a anexação da Groenlândia e do Canadá, não é
provável ter havido bolsonaristas pensando que seria uma boa ideia que o Brasil
virasse um estado americano?
Os vídeos da viagem do filho 03, Eduardo
Bolsonaro, aos EUA dão aquela sensação constrangedora de alguém que não foi
convidado para a festa, mas está na entrada do evento gritando para o dono da
casa, oferecendo tudo que tem para poder participar. Sabe aquela coisa de
cumprimentar alguém com um abraço e a pessoa nem saber seu nome?
Bolsonaro e família acreditam que as
possíveis sanções que Alexandre de Moraes possa sofrer evitarão a prisão de
Jair Bolsonaro e promoverão um recuo do STF em relação ao julgamento da
tentativa de golpe em 08 de janeiro de 2023. Para isso, estão dispostos a
colocar o Brasil debaixo do sapato dos EUA. Investem intensamente na posição de
cachorro adestrado, tendo como objetivo conquistar a atenção de Trump. Buscam
que o governo americano avalie ser positivo intervir, para no futuro terem um
governo brasileiro que seja seu absoluto capacho.
Espero que acordemos logo do fascimo
tupiniquim e não nos enganemos com suas versões mais envernizadas. Tarcísio de
Freitas, Ronaldo Caiado e Romeu Zema são os nomes pintados como bolsonarismo
moderado, caso a estratégia de pedido de arrego aos EUA não funcione, mas em
sua essência são farinha do mesmo saco. Estão dispostos a vender o Brasil. E, o
pior: vender barato!
Fonte: Por Ana Penido, em Opera Mundi
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