Os misteriosos desaparecimentos que assustam
moradores de uma pequena ilha do Caribe
A pior
parte é a tortura mental, diz Patricia Joseph. Os "momentos
angustiantes" de imaginar quais foram os últimos instantes de sua mãe. O estado infinito de incerteza.
Seis
anos após o misterioso desaparecimento de sua mãe, Patricia ainda se pega
procurando pela capa de chuva com forro laranja que Hyacinth Gage, de 74 anos,
usava no dia em que sumiu, na esperança de que possa conter alguma pista.
Tragicamente,
Hyacinth é apenas uma entre um número cada vez maior de pessoas que
desapareceram sem deixar rastros na pequena ilha de Antígua — que, junto a
Barbuda, forma um país-arquipélago no Caribe.
Alguns
chamam o problema de epidemia; outros, de crise. Somente nos últimos dois anos,
pelo menos nove pessoas desapareceram.
Aquele
dia, em maio de 2019, começou de forma comum. Hyacinth, descrita como enérgica
e independente, foi a uma consulta de rotina no hospital público, mas nunca
voltou para casa. Desde então, nunca mais foi vista.
Isso desencadeou
uma série de buscas infrutíferas por toda a ilha e apelos desesperados por
ajuda.
"Nos
tornamos detetives. Minha irmã e eu nos unimos para buscar pistas. Voltei ao
hospital para fazer perguntas", lembra Patricia.
Ela
conseguiu verificar que sua mãe havia realizado os exames de sangue
programados, mas não compareceu ao eletrocardiograma.
Outras
investigações revelaram que, aparentemente, Hyacinth entregou sua bolsa para
que outro paciente tomasse conta, mas nunca voltou. A bolsa foi encontrada pela
equipe de segurança no dia seguinte.
A
família também conseguiu localizar um motorista que afirmou ter dado carona a
Hyacinth até um local perto do hospital.
"A
polícia ficou com raiva de nós por investigarmos e nos mandou parar",
lembra Patricia. "Depois, começaram a se irritar com nossas perguntas
constantes, então, no fim, tivemos que recuar e apenas rezar."
Os
aniversários são especialmente dolorosos: 6 de março teria sido o 80º
aniversário de Hyacinth, um marco para o qual a família havia planejado uma
grande comemoração. Em vez disso, Patricia tirou folga do trabalho para passar
o dia em uma reflexão silenciosa.
O
número de pessoas desaparecidas em Antígua parece ser desproporcionalmente alto
em comparação com as ilhas vizinhas, diz Patricia – uma percepção apoiada por
fontes em várias dessas ilhas que falaram com a BBC.
O
pequeno tamanho de Antígua – apenas 280 quilômetros quadrados, com menos de 100
mil habitantes (menor do que muitas cidades do interior do Brasil) – torna esse
fenômeno particularmente intrigante.
- As teorias
As
especulações são muitas. As teorias vão desde o banal – a falta de vontade para
investigar por parte de uma polícia mal remunerada e com poucos recursos – até
o sinistro.
"Outras
ilhas eventualmente encontram corpos", diz Patricia. "Minha mente
fica fritando tentando imaginar o que aconteceu. Algumas pessoas falam de tráfico de órgãos. Já pensei até em
atividades de gangues. Será que isso faz parte de algum ritual de
iniciação?"
O
desaparecimento de uma menina de nove anos em 12 de março abalou a nação e deu
início a buscas intensas. O corpo de Chantel Crump foi encontrado dois dias
depois, em um caso que gerou indignação pública e protestos – além de alimentar
ainda mais os rumores. Uma mulher foi acusada do assassinato de Chantel.
O
comandante interino da Polícia de Antígua, Everton Jeffers, reconhece que há
"margem para melhorias" na comunicação da polícia com o público, mas
rejeita a ideia de que a corporação seja indiferente.
Ele
também afirma que mantém a mente aberta sobre as razões para o alto número de
desaparecimentos, incluindo a possibilidade de um esquema de tráfico de órgãos
operando na ilha.
"Isso
é algo que temos ouvido e que vamos investigar. Não há evidências que sustentem
essa hipótese, mas é muito importante não descartarmos nada", explica.
Patricia
encontrou algum conforto ao se conectar com outras famílias de pessoas
desaparecidas e agora planeja criar um grupo de ação para solicitar ajuda
internacional.
"Isso
não é mais algo aleatório, isso é sério, é uma crise", conclui.
Aaron*
reuniu uma lista com quase 60 pessoas desaparecidas em Antígua – mais de um
terço apenas na última década – e acredita que o número real seja ainda maior.
Os
homens representam cerca de dois terços dos desaparecidos, com idades que
variam de adolescentes a idosos na casa dos 70 anos.
"Eu
vivi essa dor pessoalmente. Um dos meus familiares desapareceu e outro foi
assassinado", diz ele, falando sob anonimato devido a ameaças que afirma
ter recebido por expor o problema.
"As
famílias estão sofrendo. Muitas pessoas morreram sem nunca ver justiça para
seus entes queridos."
"Embora
alguns possam ter desaparecido devido ao envolvimento em atividades criminosas,
há uma preocupação crescente de que um esquema organizado de tráfico de órgãos
possa estar operando nos bastidores", acrescenta Aaron.
A
polícia afirma que está reunindo dados oficiais sobre desaparecidos das últimas
duas décadas, mas, até o momento da publicação desta reportagem, não havia
fornecido nenhuma estatística.
Este
ano já registrou mais dois casos.
No
final de janeiro, Orden David não voltou para casa depois de uma noite em um
cassino local. Seu carro incendiado foi encontrado, mas poucas outras pistas
surgiram.
Alline
Henry lembra de Orden como seu "melhor amigo há 23 anos".
"A
pior parte é não saber se ele está sendo mantido em algum lugar contra a
vontade", diz Alline.
"Alguém
está abusando dele, torturando-o? Todos os dias minha mente dispara para os
piores cenários. Se, Deus me livre, for o pior cenário possível, precisamos de
um desfecho", acrescenta.
Orden,
de 39 anos, é amplamente conhecido em Antígua como uma das principais figuras
em um caso histórico de 2022 que derrubou a legislação que criminalizava atos
homossexuais.
"Não
consigo explicar o quanto dói saber que, em vez de focarem no fato de que ele
está desaparecido, algumas pessoas preferem focar no fato de que ele era
gay", diz Alline.
"Acredito
que o caso pode tê-lo transformado em um alvo", completa a amiga, com
tristeza.
Com
vastas áreas de mata e o oceano ao redor, a aparente facilidade de ocultar um
corpo em Antígua pode, em parte, explicar a falta de respostas que tantas
famílias enfrentam.
"Está
claro que a polícia local não consegue resolver esses desaparecimentos. Eles
precisam trazer ajuda de fora. Quantas pessoas mais precisam desaparecer antes
que façam algo? Quem será o próximo?", acrescenta Alline.
Keon
Richards, de 38 anos, funcionário do programa nacional de merenda escolar, foi
visto pela última vez saindo do trabalho em 26 de fevereiro. Sua mãe, Dian
Clarke, diz que está "tentando se manter otimista", mas desabafa:
"Você ouve falar de pessoas desaparecendo no noticiário e, de repente,
isso acontece com você".
Com
exceção de uma mulher de 43 anos, todos os desaparecidos sem deixar rastros nos
últimos dois anos são homens, com idades entre 18 e 76 anos.
A falta
de um laboratório forense local dificulta as investigações, já que amostras de
DNA precisam ser enviadas para o exterior, causando longos atrasos nos
resultados.
O
diretor de Serviços Forenses, Michael Murrell, disse à BBC que um novo
laboratório, capaz de analisar vestígios como cabelo, sangue e sêmen, entrará
em operação nos próximos meses. No entanto, admite que as análises de DNA ainda
estão distantes devido à falta de recursos financeiros.
A
modernização da tecnologia não poderia chegar em melhor hora para alguns.
Kevorn
Bailey, de 26 anos, desapareceu após receber uma ligação de um número
desconhecido e sair de casa para encontrar alguém, em agosto de 2022.
Seu
pai, Gregory Bailey, afirma que a empresa de telecomunicações forneceu à
polícia o nome do dono do número há muito tempo, mas "até agora, a polícia
não consegue me dizer quem era".
Sua
frustração e desespero são evidentes.
"É
como se uma parte de mim estivesse faltando. Algumas pessoas falam em ter um
desfecho, mas eu não conseguiria lidar com a visão dele em um caixão; prefiro
imaginá-lo vivo", diz ele.
"É
emocionalmente desgastante lidar com a polícia. Se eu não ligar, não recebo
notícias; se ligo, só ouço palavras vazias", acrescenta. "Quero que o
governo saiba que as pessoas estão sofrendo; não sei se eles entendem isso'
"Coloquei
cartazes de desaparecido por toda parte, mas não consegui colocar perto de
casa; não suportaria. É a experiência mais dolorosa da minha vida", diz o
pai.
Gregory
acredita que o alto número de desaparecimentos está ligado à impunidade com que
facções criminosas cometem assassinatos.
Aaron
também reuniu uma lista com mais de 100 homicídios não solucionados.
"As
pessoas não confiam na polícia; a corrupção é desenfreada na aplicação da
lei", afirma Gregory.
Aaron
concorda: "Já houve casos em que criminosos retaliaram contra as famílias
das vítimas após denúncias".
O chefe
de polícia, Jeffers, reconhece que "nenhuma força policial no mundo é
perfeita", mas garante que "90% de nossos agentes são bons".
Ele
também admite que a falta de recursos financeiros dificulta as investigações.
"Não
há força policial no Caribe que tenha recursos suficientes para fazer tudo o
que precisa ser feito."
"Fazemos
muito para procurar pessoas, seguimos pistas e investigamos o máximo possível.
Mas, quando não há pistas, não podemos simplesmente ficar andando em círculos.
Precisamos do apoio do público tanto quanto possível", acrescenta.
O
governo reconheceu a urgência da situação e prometeu uma série de novas
medidas, incluindo a criação de uma força-tarefa dedicada a casos de
desaparecimento e a aquisição de cães treinados para detectar cadáveres.
Se isso
será suficiente para acalmar aqueles que aguardam desesperadamente por
respostas, ainda é incerto.
"É
hora de agir de verdade", alerta Patricia. "Espero que isso não
aconteça com alguém próximo a eles antes que decidam olhar com seriedade para
esses desaparecimentos."
* O
nome foi trocado a pedido do entrevistado
Fonte: BBC News
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