Vinicius de Andrade: Colégio cívico-militar
- uma estratégia da extrema direita
Projeto do governo
Bolsonaro não tem qualquer preocupação pedagógica, se ancora na problemática da
violência escolar, se maquia de colégio militar, mas é um instrumento de uma
agenda muito bem calculada.
Você sabia que escola
militar e colégio cívico militar não são a mesma coisa?
Eu mesmo,
honestamente, confundia os dois conceitos até poucos dias atrás e aprendi a
diferença em uma conversa com um amigo. Compartilhei com ele o vídeo de uma
vereadora criticando o projeto de transformar um colégio de Ribeirão Preto,
interior de São Paulo, em cívico-militar.
Disse a ele que não
entendia o incômodo dela, pois eu mesmo já tive a oportunidade de visitar dois
colégios militares do país e fiquei positivamente admirado. Além disso, é
sabido que estes apresentam positivos resultados em índices de educação e
aprovações em universidades de ponta. Foi quando ele me explicou que escola
militar e colégio cívico-militar não são a mesma coisa.
Fiquei constrangido
por ter me confundido por tanto tempo, mas tudo fez sentido rapidamente. A
narrativa política da extrema direita acerca dos colégios cívico-militares me
confundiu. Nesta coluna, começarei pontuando, de modo simplista, a diferença
entre ambos e depois irei discorrer, com mais calma, sobre a questão política
por trás.
• Qual a diferença entre colégio militar e
colégio cívico militar?
No Brasil, há 14
colégios militares. Em 1889, foi criado o Imperial Colégio Militar da Corte,
que, após a Proclamação da República, viria a se tornar o Colégio Militar do
Rio de Janeiro. Eles são geridos pelo exército brasileiro e historicamente
apresentam bons resultados em termos de aprendizagem e em aprovações nos
vestibulares. Não coincidentemente, muitos deles têm expressivas filas de
espera, pois os pais associam conseguir matricular seus filhos com
possibilitando um futuro próspero para eles.
Já os cívico-militares
remontam a um passado mais recente e estão dentro de um contexto político muito
específico: o governo de Jair Bolsonaro. O projeto nasce com o decreto
presidencial de número 10.004, publicado no Diário Oficial da União, em
setembro de 2019, cujo intuito era implantar o modelo em todo o território
nacional.
Este modelo se pauta
em inserir em colégios regulares membros das forças armadas que estejam na
reserva, ou seja, aposentados. Quando isso não for possível, o Estado designará
policiais militares ou membros do corpo de bombeiros. O financiamento para este
modelo vem das secretarias estaduais de Segurança Pública e das próprias
secretarias estaduais de Educação.
• Narrativa tendenciosa para fortalecer a
agenda
É sabido que no Brasil
há altos índices de violência dentro dos colégios, entre os próprios alunos e
também para com o corpo docente. Alinhado a isso, é bastante midiático os casos
de indisciplina. Este cenário foi o pano de fundo para legitimar o projeto dos
colégios cívico-militares.
Não estou banalizando
a importância de pensarmos em uma política que trabalhe a questão da violência
e da indisciplina. São pautas importantes e não triviais. Meu incômodo é o
seguinte: a solução precisa, obrigatoriamente, envolver a entrada de policiais
dentro dos colégios? Realmente não havia nenhuma outra opção de abordagem para
a problemática?
A narrativa de veiculação não poderia ser
pautada em "projeto de colocar policiais dentro dos colégios para garantir
a ordem”, afinal soa agressivo demais e seria mais difícil contar com a adesão
popular. A estratégia, inteligente- diga-se de passagem, foi maquiar o projeto
dos colégios cívico-militares com a imagem dos colégios militares, pois assim a
aceitação seria mais fácil, dado o grande nível de reputação dos colégios
militares.
No entanto, friso
novamente, as propostas não são iguais. Os colégios militares existem há anos e
contam com um sólido projeto pedagógico e com um time bastante preocupado com a
aprendizagem do corpo discente. Já o outro, nasceu no governo de um presidente
que notoriamente não se importa com a educação e cuja última preocupação, para
não dizer que ela é inexistente, é para com a aprendizagem dos estudantes.
• Qual a real intenção?
Na política, nenhum
passo é aleatório. Todos compõem uma estratégia, e esta integra uma agenda.
Claro que há estratégias ruins e com passos não sólidos, mas que, ainda assim,
integram um objetivo maior. Isso na direita e na esquerda, na extrema direita e
na extrema esquerda. É um jogo político.
O problema é que a
extrema direita tem um longo histórico de não se importar verdadeiramente com a
educação, no sentido da aprendizagem dos estudantes, da diminuição das
desigualdades, do aumento da mobilidade social e do desenvolvimento do Brasil.
A educação não é a
pauta de maior relevância para eles e, quando se aventuram na pasta é, de modo
bastante simplista, para falar o que não sabem, se pautando em achismos e em
fake News - mas nunca, repito, nunca, de modo aleatório ou ingênuo. Há sempre
uma agenda por trás e uma estratégia para a operacionalizar.
Neste caso não é
diferente. A aprendizagem dos estudantes não é o que pautou a criação do
projeto dos colégios cívico-militares. Vou além e afirmo que nem mesmo a
problemática da violência nos colégios, pois ela apenas criou uma oportunidade
para que o projeto fosse concebido e aprovado.
Aqui provoco você,
querido leitor, e pergunto: qual a intenção do governo de extrema direita com a
inserção de policiais nos colégios?
Para mim, há objetivos
no curto e no longo prazos. No curto, para serem agentes importantes para a
implementação dos ideais e das pautas da extrema direita dentro dos colégios,
ideais estes que não muito dificilmente desrespeitam as minorias e os direitos
humanos. Para ilustrar: combate à famosa "doutrinação” dos professores,
por exemplo.
No longo prazo, creio
que pretendem criar um precedente para que, em algum momento, os colégios
tenham também suas gestões e outras instâncias tomadas pela força militar.
Absurdo? Creio que não. Já perdi a conta da quantidade de vezes que ouvi
pessoas dizendo que a ditadura deveria voltar. Há uma ideia de que os militares
são os únicos capazes de trazer ordem. E
a população geral, por falta de informação, muitas vezes associa a origem com
as agendas da extrema direita, pois estes fazem um excelente trabalho nas
mídias sociais.
• Classe trabalhadora vulnerável e
precarizada abre espaço para discurso fácil da extrema direita. Por Jordana
Dias Pereira
Apesar do que se
propaga nos veículos tradicionais, a “polarização” não é uma novidade no
Brasil. André Singer (professor da USP) em um artigo de 2021 mostra em gráficos
a evolução desde 1985 até 2020 de dois indicadores: intenção de voto dos
candidatos do PSDB e PT; e autodeclaração de direita versus esquerda. O que
esses indicadores mostram como padrão nos 40 anos de Nova República?
Justamente, a polarização.
O período que saiu do
“padrão” foi dos governos Lula 2 e Dilma 1 (2006-2014), quando houve um aumento
significativo da parcela do eleitorado que não declarava resposta ou de dizia
de Centro. Singer conclui que, nesses oito anos do auge do “lulismo”, houve uma
tendência do que ele chama de desativação das predisposições ideológicas. Ou
seja, a sensação de bem-estar proporcionada pelas políticas públicas (políticas
de valorização do salário-mínimo, emprego, entre outras) despolarizou a disputa
política. Coube a Bolsonaro (num contexto ainda de crise
econômico-político-social), com uma postura radical, reativar o conservadorismo
na eleição de 2018.
Neste sentido, a
novidade nos últimos pleitos eleitorais não é a “polarização”, em geral, mas
sim a substituição da direita PSDB por uma extrema direita com traços
autocráticos – o bolsonarismo. O PSDB, que em 1998 tinha 99 deputados na Câmara
Federal, em 2022 elegeu apenas 13 (mesmo número de deputados de PSOL, Podemos,
PSB). Quem tem 99 deputados, hoje, é o PL de Bolsonaro.
A radicalização da
direita não é um fenômeno nacional, mas marca a política de países da América
Latina, EUA e Europa. Trump ocupou o Partido Republicano. Milei atropelou
Macri. O que ajuda a explicar isso?
É difícil entender os
fenômenos políticos e eleitorais sem olhar para economia e para a situação da
classe trabalhadora. O que os dados evidenciam? Dados da OXFAM (Pesquisa
Retrato das Desigualdades, 2024) mostram uma tendência de extra concentração de
riqueza. Se tem alguns muito ricos de um lado, tem muitos muito pobres de
outro. No Brasil, 63% da riqueza está nas mãos de 1% da população; 50% dos mais
pobres possuem apenas 2% da riqueza. No mundo, enquanto 5 bilhões ficaram mais
pobres depois da pandemia, 5 homens mais ricos dobraram sua fortuna.
Como está a situação
da classe trabalhadora? Insegura e adoecida. Pesquisa publicada pelo CASB
(Centro de Análise da Sociedade Brasileira, parceria entre as Fundações do PT,
PSOl, PCdo B e Die Link alemão), em agosto de 2024, revela uma situação de
precarização e insegurança financeira por parte da classe trabalhadora, que se
preocupa com sua saúde e com sua renda. quatro em cada dez trabalhadores se
sentem sob riscos psicológicos, e um a cada três teme por sua integridade
física. Há insatisfação com a renda para 51% da amostra. Nesse sentido, 64%
veem como principal ponto negativo no trabalho por conta própria o risco de
ficar incapacitado e sem renda.
Além disso, dados da
OIT (Organização Internacional do Trabalho) mostram que ter um trabalho não é
mais sinônimo de estar fora da linha de pobreza. Ou seja, dado o alto custo de
vida, a desproteção social e os baixos salários, cidadãos com trabalho podem
estar abaixo da linha da pobreza, sem conseguir garantir o mínimo para si e sua
família.
Soma-se a isso a
sensação de vulnerabilidade diante das mudanças climáticas (queimadas,
enchentes e outros desastres cada vez mais recorrentes) – o que dá contornos
ainda mais dramáticos para uma perspectiva de futuro já pouco otimista.
Cria-se, assim, um
terreno fértil para o avanço de figuras de extrema direita com saídas
individualistas e de ódio. Coachs sem compromisso com a verdade e com a
democracia, sem projeto de país ou de povo.
Assim como no auge da
aprovação dos governos petista, parece que a forma de arrefecer a polarização e
barrar o avanço da extrema direita é via garantia de direitos e bem-estar da
classe trabalhadora – que também apresenta novidades e novas demandas. Mas isso
fica para outro artigo.
Fonte: Deutsche
Welle/Le Monde
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