“Ex-aluna” de Marçal fala sobre negócios do
coach e seu plano de poder
O nome de Pablo Marçal
(PRTB) ganhou uma evidência assustadora nas últimas semanas depois que o coach
de personalidade controversa, que já foi condenado a quatro anos e cinco meses
de prisão por ter feito parte de uma quadrilha de fraude a bancos, lançou seu
nome como candidato à Prefeitura de São Paulo e conseguiu uma significativa
ascensão entre o eleitorado paulistano.
Desde então, muitas
coisas sobre sua vida vieram à tona e seu comportamento ante os adversários,
eivado de falta de respeito e potencializado pelas mentiras que diz sem se
constranger, tornou-se o centro de uma discussão sobre os limites do jogo sujo
na política. Fórum traz com exclusividade uma entrevista com uma mulher que por
anos foi “aluna” dos tais cursos para obter sucesso financeiro e fortuna do
goiano que jamais morou na maior cidade do Brasil, mas que quer governá-la.
Numa longa conversa,
Lívia** explica como é o modus operandi de Marçal e esmiuça como funcionam seus
“negócios”, que o tornaram milionário. Para ela, apegar-se à sua condenação por
furto qualificado quando o candidato ainda era um jovem é um erro, pois ele tem
um projeto de poder que as pessoas mais próximas conhecem. Um plano de poder
bem mais complexo e perigoso que o do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
“As coisas são muito
mais graves do que isso e não é algo desse tipo que vai mostrar para o Brasil o
real perigo que representa o Pablo Marçal... Aquele garoto lá de trás, que foi
condenado, humilhado, a partir dali só quis, digamos, ‘vingança’... Aquilo ali
virou o que nós vemos hoje, e ele tem sim um projeto de poder, e acredite, esse
projeto de poder é muito maior do que vocês podem imaginar”, afirma.
Ela explica que há uma
lógica no que Marçal oferece em termos de serviço, embora a dominação que ele
impõe apenas apareça mais à frente, de forma embutida no processo. Marçal
entrou na vida de Lívia** quando ela já atuava numa plataforma de vendas online
e coordenava outros vendedores. Ela recorda que depois de ouvir absurdos éticos
e totalmente fora dos parâmetros da área de vendas, muitas vezes saía atordoada
das reuniões com o coach e seus auxiliares. Ficou até doente com o que via e
ouvia no ambiente que deveria ser de produtividade.
“Há cinco anos, em
2019, eu comprei uns produtos de uma marca conhecida para revender, porque vi e
achei interessante a proposta, estava precisando, enfim. Passei uns 30 dias
esperando os kits chegarem em casa. Nesse período, eu não parava de me perguntar:
‘se eu comprei isso pela internet, como eu vou fazer pra vender isso pela
internet?’... Foi aí que eu descobri esse negócio do marketing digital, de como
fazer vendas pela internet e a partir daí comecei a fazer meus primeiros
cursos... Quando Pablo Marçal aparece na minha vida, eu já estava num estágio
bem mais avançado em relação a vendas pela internet, não era mais uma novata...
Eu já sabia o que era um funil de vendas, sabia que precisava ter uma
estrutura, um site... Eu tinha bastante noção de como se faz para vender um
produto, seja ele físico ou digital, na internet... O meu primeiro contato com
isso não foi com Pablo Marçal, diferentemente de muita gente que chegou a esse
mundo diretamente por ele”, começa dizendo Lívia**.
“Quando eu fiz o curso
com o Marçal, eu já estava numa plataforma de vendas bem conhecida, já treinava
pessoas, e nessa equipe que eu estava trabalhando, para poder cumprir um
projeto de expansão nacional, surgiu a figura do Pablo Marçal, pouco antes da pandemia.
Me fizeram comprar um bendito de um curso de R$ 2,5 mil, que até hoje eu tenho
um ódio de ter sido obrigada a comprar esse curso. Meu amigo, tem coisas que
nunca vão encontrar na internet... Tinha mentorias dele, que abriam uma sala do
Zoom, e falavam um bocado de loucuras e quando você saía dali não acreditava no
que ouviu, e o pior, nem tem como provar o que acabou de testemunhar... Em
pouco tempo em meio àquilo, eu tive um burnout”, conta a vendedora.
Ao falar sobre a forma
como atuavam Marçal e seu time, Lívia** diz que as pessoas entram naquilo por
conta da poderosíssima persuasão do hoje candidato a prefeito, que, segundo
ela, identifica os sofrimentos e a partir daí explora a fraqueza daqueles brasileiros
que sonham com uma vida financeira estupenda.
“Eu tinha abaixo de
mim, dentro dessa plataforma de vendas, um bom contingente. Eram pessoas que
pagavam a tal plataforma, e como é uma plataforma de recorrência, as pessoas
compram o acesso para terem seus sites, e a gente, por venda, toda mês quando a
pessoa paga, nós ganhamos uma comissão por recorrência. Então, eu vinha
construindo essas comissões de recorrência justamente pensando numa
aposentadoria mais tranquila, porque você pensa ‘essas pessoas criaram seus
negócios na internet e não vão querer perdê-los, e eu vou ter uma segunda renda
porque naturalmente elas vão continuar pagando a plataforma’... E há centenas
de milhares de pessoas fazendo isso neste momento no Brasil, porque precisam
trabalhar, não há nada de errado... E é aí que ele entra, é nessa parte, porque
ele trabalha com a dor das pessoas, a neurolinguística do Pablo Marçal é muito
apurada, ele é um sujeito muito preparado, e o maior erro que existe agora é
resumi-lo e abaixar a guarda para ele”, diz.
A vendedora conta o
caso de uma pessoa próxima dela, que após sofrer algo que ela classifica como
um golpe, perdendo muito dinheiro, ainda assim ficou do lado da empresa de
Marçal e se voltou contra ela, num verdadeiro jogo de lavagem cerebral.
“Eu mentorei uma
pessoa que era deficiente, e eu tentei ajudá-la de todas as formas... Há uns
anos, ele (Marçal) montou uma espécie de resort em São Paulo que era onde ele
ia dar esses cursos e fazer esses esquemas dele... Eu tentei demovê-la de todas
as formas da ideia de fazer uma loucura que era participar de um evento com ele
em que só a entrada era R$ 5 mil... E a pessoa tinha comprado um curso dele de
R$ 2,5 mil que era para poder estar entre os participantes do tal evento, e
tinha ainda um dinheirão que ela gastou com a passagem aérea, enfim... Quando a
pessoa terminou de pagar tudo, de jogar tudo no cartão de crédito dela, a
prefeitura, ou o governo do estado, não lembro, emitiu um barramento por causa
da pandemia, ou seja, o evento não poderia mais acontecer... Eu sei que a
pessoa entrou em contato com eles lá, o pessoal do Marçal, para receber o
dinheiro de volta... Num primeiro momento, eles vieram com o papo que tudo
seria aberto de novo em três meses, porque a pandemia não ia durar, mas a coisa
durou para mais de ano... Eu sei que eu fui ajudar essa pessoa a encontrar um
caminho para receber o dinheiro de volta e a pessoa se voltou contra mim,
passou a me atacar... Me bloqueou, virou a cara para mim, e isso porque ela
ainda recebeu uma resposta deles de que não teria o dinheiro de volta por uma
razão simples: você comprou porque você quis”, relata Lívia**.
A “ex-aluna” do coach
que ganhou a vida prometendo fortuna para seus discípulos também revelou como a
visão “religiosa” tem um peso forte demais na conduta e no comportamento de
Marçal. Do sonho de ser pastor ao sucesso dos milhões de reais, em momento algum
as características messiânicas foram deixadas de lado, segundo ela.
“Quando veio a
pandemia, ele mudou de Goiânia para São Paulo, e eu vou contar para você que
quem fez Pablo Marçal mudar do analógico para o digital foi um homem chamado
Marcos Paulo, porque até então o negócio do Marçal eram palestras fechadas,
fosse em Goiânia, ou ali pela região, e ele (Marcos Paulo) traz o Marçal para
São Paulo pensando na expansão. Ele vai então morar numa casa em Alphaville, e
aí começa o discurso forte dele do ‘você vai ficar milionário’. O cara (Marçal)
mandou trazer palmeiras lá de Israel, e o tempo todo ele passa a dizer coisas
para esses seguidores baseadas em trechos da Bíblia, porque o que a gente
notava e ouvia falar da boca de quem estava muito próximo dele era de que
Marçal queria mesmo era ser pastor. Para confirmar isso, ele disse uma vez numa
sala do Zoom, com poucas pessoas, e eu estava lá e fiquei impactada, que
realmente seu grande sonho era ser pastor, mas, quando se envolveu com um,
acabou se vendo no crime, preso e condenado... E ele disse que depois disso
prometeu que ia vencer, e disse que o exército dele seria muito maior do que o
de qualquer igreja... Tem um fundo religioso nisso, muito forte, que mistura
com esse negócio do ‘você vai ficar milionário’ repetido toda hora”, afirma.
Para Lívia**, a
mudança para as redes, com o avanço na internet, virou a chave de Marçal. Ali
ele teria percebido que poderia arregimentar mais e mais pessoas e ganhar muito
dinheiro. Um dinheiro que veio de gente que queria ficar rica, porém não tendo
qualquer noção do que fazer para conseguir isso.
“O cara achou o poder
da internet... Ele conseguiu chegar em milhares de pessoas e o primeiro
‘lançamento’ de Pablo Marçal era vender livros. Pablo Marçal ficou milionário
logo de cara, de primeira, com esse negócio de ‘vocês vão vender os meus
livros’... E o lance era assim: 'você pagava R$ 11 e vai ter acesso ao livro
online e você vai poder vendê-lo a filiados'... Mas assim, ele não te dava uma
página pronta pra você vender, ele te dava um curso que custava R$ 2,5 mil para
você aprender a vender o livro dele... O mais inacreditável é que as pessoas
ficavam desesperadas, não sabiam nem como fariam aquilo, não tinha uma
plataforma, não tinha nada, mas elas compravam um curso dele para vender o
livro dele... E era aí que nós entrávamos com a plataforma de vendas... Eu via
gente ali que não sabia o que era tráfego, um funil de vendas... Era gente que
não estava entendendo nada, pagando um curso dele para vender o livro dele e
repetindo que iriam ficar milionárias”, rememora a vendedora.
“Marçal é mais
perigoso que Bolsonaro”
Lívia**, depois de
tanto tempo “próxima” de Marçal, e agora vendo o que está acontecendo em São
Paulo com sua ruidosa e assustadora campanha a prefeito, não tem dúvidas em
dizer que ele é muito mais perigoso que o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
Para ela, a massa que venera o coach, absurdamente espalhada e permeada nas
redes, assim como figuras perigosas deste ramo, já tornam possível dizer que a
“criatura” está engolindo o “criador”. De fato, Bolsonaro vem recuando após as
investidas políticas bem-sucedidas de Marçal.
“Eles já estão
operando, e acho que todo mundo pode ver pelas redes, um exército muito maior e
muito pior que o de Malafaia, ou muito pior do que o do bispo da Universal que
tem os templos gigantes... Ele conseguiu por meio dessa história dos cursos
dele, da qual eu participei, de cooptar as pessoas, treinados para responder e
para agir... E é maluco porque é algo invisível, parece que ninguém está vendo,
e que hoje ocupa tudo na internet, trabalhando pesado... Você acha o exército
do Bolsonaro perigoso? Até o Bolsonaro já acordou para quem é Pablo Marçal, e
notou que saiu perdendo feio nesse racha... Pablo Marçal trabalha há mais de
cinco anos nisso, tem um mundo de gente nessas redes com ele, e não se pode
esquecer que muitos são gente de histórico não muito bom, de caráter bem
complicado”, fala a entrevistada.
Lívia** explica como
funciona sua máquina de comunicação e aposta que toda a estrutura de marketing
montada nos últimos anos será usada a partir de agora em sua campanha
eleitoral.
“Faça uma conta
básica... Em cada um desses lançamentos em que ele lucra vários milhões,
imagine quantos e-mails ele captura... Outra coisa, ninguém faz ideia da
quantidade de grupos de WhatsApp que ele controla... Eu vi, ninguém me contou,
num dos últimos lançamentos dele, ele mostrou, por API oficial do WhatsApp, um
mecanismo que ele conseguia com um único disparo, uma só mensagem, alcançar
mais de um milhão de pessoas... Esses disparos seguem na campanha e, pode ter
certeza, na reta final, ou um dia antes, até na madrugada da eleição, ele vai
utilizar... Ele tem dezenas de milhões de números de WhatsApp e tem também uma
estrutura para que em menos de dez minutos, por API oficial do WhatsApp, as
mensagens atinjam milhões e milhões de pessoas... Aquilo que se viu com
Bolsonaro no uso do WhatsApp não é absolutamente nada perto do que ele pode
fazer... Alguém precisa pará-lo. Preste atenção: alguém precisa pará-lo... Ele
vai virar prefeito de São Paulo se ninguém barrá-lo, ninguém tem uma estrutura
nem próxima do que ele tem hoje... Bolsonaro? A estrutura do Bolsonaro não é
nada ao lado da dele”, concluiu a vendedora.
[**A entrevistada
pediu para ter o nome ocultado por medo de represálias e preferiu citar
empresas onde atuou ou atua com termos genéricos, para evitar que seja
identificada]
• Fiquei rico com Pablo Marçal? Por Paulo
Motoryn
Nos últimos dias,
resolvi colocar à prova as promessas de enriquecimento rápido de Pablo Marçal,
o coach que virou candidato à Prefeitura de São Paulo.
O que me levou a isso?
Temos nos debruçado sobre sua ascensão, com reportagens e análises publicadas
aqui no Intercept Brasil. Nesse mergulho, uma percepção ficou evidente: uma das
estratégias de seu crescimento é a promessa de ganhos financeiros.
Fiz questão de testar.
Fiz a proposta à Tatiana Dias, minha editora: ocupar pelo menos duas horas por
dia seguindo dicas do candidato para enriquecer trabalhando na internet. Ela, é
claro, topou. Mas é preciso ser transparente: não parto de um lugar isento.
Confesso que jamais pensaria em seguir as dicas de um influenciador para
enriquecer.
O experimento ainda
não acabou. Quero contar essa história com calma. Mas, nessa estreia de Ainda
não sextou, fiz questão de dividir o que tenho vivido com você. Vamos lá.
Dia 1: Depois de uma
pesquisa inicial nos conteúdos de Marçal, fui convencido de que viralizar com
cortes de vídeos nas redes sociais poderia ser um caminho rápido para
enriquecer. Afinal, Marçal diz ter jovens faturando até R$ 500 mil por mês com
isso.
Paguei R$ 34,90 em um
pacote de "cortes prontos" vendidos pelo coach e recebi um link por
e-mail. Ao abri-lo, fui direcionado para um PDF que continha outro link para
uma pasta no Google Drive.
Dentro dessa pasta,
havia outras três: uma com centenas de vídeos curtos de Marçal, um documento
com dicas para legendas, nomes de páginas e estratégias de engajamento, e uma
pasta-bônus que continha vídeos do Primo Rico e outros influenciadores.
Animado com o
potencial, preparei meu plano de ação para o dia seguinte.
Dia 2: Criei uma conta
no TikTok com um dos nomes de usuários sugeridos no guia (não vou dar spoiler,
vocês saberão em breve).
Comecei a publicar os
cortes prontos. Usei as hashtags sugeridas, como #pablomarçal e
#cortesdomarçal. Marquei o próprio perfil de Marçal, e utilizei as legendas
sugeridas no PDF. Um exemplo: “Comenta aqui se pegou o código
No final do dia, o
resultado: zero visualizações e visitas ao perfil.
Dia 3: Como não tive
visualizações e descobri que só contas com mais de 10 mil seguidores podem
ganhar dinheiro no TikTok, comecei a procurar alternativas nas dicas e cursos
de Marçal.
Assistindo a um vídeo
no seu canal do Discord, topei a sugestão de incluir um link para um curso
online na descrição do meu perfil. Se alguém clicasse no link e comprasse o
curso do Marçal, eu ganharia uma comissão.
Dia 4: Percebendo que
algo precisava mudar, decidi modificar a abordagem. Resolvi dar um toque
pessoal aos vídeos. Comecei a editar os cortes, adicionando filtros e alguns
efeitos para tentar atrair mais atenção.
Mesmo assim, os
números permaneceram estagnados. A frustração começou a aparecer.
Dia 5: Continuei
seguindo as orientações, tentando ao máximo aplicar cada detalhe do PDF com
dicas. Publiquei mais vídeos, ajustei legendas e hashtags. Mas, a cada hora que
passava, os resultados eram os mesmos: nenhum progresso.
Tentei interagir com
outros influenciadores e perfis relacionados a Marçal, enviando mensagens e
comentários, mas fui ignorado completamente.
A promessa de ganho
rápido e fácil está cada vez mais distante.
Se você gostou do meu
diário, logo vou contar essa história completa em detalhes. Para quem pensa em
seguir os conselhos do coach, fica o aviso: o sonho de enriquecer facilmente
pode ser uma miragem perigosa.
• A euforia na campanha de Nunes com áudio
que vincula Marçal e PCC
Em meio ao avanço do
ex-coach Pablo Marçal nas pesquisas, tomando o espaço à direita na campanha em
São Paulo, a campanha de Ricardo Nunes à reeleição estava eufórica nesta
sexta-feira (30/8).
O motivo para a
empolgação no comitê do emedebista foi o impacto de um áudio, elaborado pela
própria campanha, que estimula o eleitor a buscar no Google os termos “Marçal
PCC”. A busca é sugerida cinco vezes ao ouvinte no áudio de 30 segundos.
“Você conhece Pablo
Marçal? É bom a gente conhecer né? Então digita no Google ‘Marçal PCC’. Vou
repetir, ó: ‘Marçal PCC’. Porque a coisa mais importante é votar em alguém que
a gente conhece. Digita no Google: ‘Marçal PCC’. Você precisa conhecer melhor o
Pablo Marçal. Então digita no Google, “Marçal PCC”. Ó, vou repetir, “Marçal
PCC”. Quem é Pablo Marçal?”, diz o áudio.
Ao longo desta sexta,
as buscas associando o nome do candidato do PRTB à facção criminosa cresceram
no Google.
Fonte: Fórum/The
Intercept
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